Os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) não podem pagar para ter melhor acomodação ou atendimento na rede. O Supremo Tribunal Federal (STF) vedou ontem a chamada “diferença de classe”
Uma das preocupações manifestadas com o modelo seria a possível piora no atendimento dos pacientes que não podem pagar essa diferença – com diminuição de acesso a leitos e maiores filas.
Para 75% dos brasileiros, o SUS é o único caminho disponível. O restante da população também pode usar a rede, mas conta com plano de saúde. Em 2014, o sistema promoveu 4,1 bilhões de procedimentos ambulatoriais e 1,4 bilhão de consultas médicas.
Hoje, entretanto, é três vezes mais fácil encontrar um médico no sistema particular do que no público, segundo o estudo Demografia Médica, realizado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) com apoio do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
Apesar disso, os ministros entenderam, com base no voto do relator, ministro Dias Toffoli, que não se poderia autorizar a criação do que se chamou de “primeira classe do SUS”. De acordo com eles, a Constituição prevê acesso universal e integral à saúde. Isso significa que o sistema deve ser para todos, dos mais ricos aos mais destituídos.
Até então, apesar de o Ministério da Saúde impedir a prática, predominavam no STF decisões favoráveis. Em seu voto, o ministro Dias Toffoli explicou que todos os casos julgados sobre o tema eram individuais, com análise baseada em condição clínica específica do paciente.
O relator destacou ainda que grande parte dos precedentes da Corte é da época de criação do SUS. “A permissão a atendimento diferenciado se deu mais pelos casos concretos do que por convencimento referente ao sistema global do SUS”, afirmou.
No processo em julgamento, o pedido para adoção da “diferença de classes” foi feito de forma ampla e irrestrita e não para situação pontual. Trata-se de ação civil pública que chegou ao STF por meio de recurso com repercussão geral.
No caso concreto, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) entrou com uma ação civil pública contra o município de Canelas (RS), gestor municipal do SUS, argumentando que o paciente pode optar por outras acomodações, desde que pague pela diferença.
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, porém, proibiu esse tipo de pagamento. Para o TRF, mesmo sem ônus para o Estado, essa possibilidade de remuneração permite tratamento diferenciado aos pacientes dentro de um sistema que prevê o acesso universal e igualitário da população.
No Supremo, o procurador do Estado do Rio Grande do Sul, Victor Herzer da Silva, defendeu que se alguém atendido pelo SUS quiser pagar por uma acomodação melhor, deve procurar a iniciativa privada. De acordo com ele, permitir a criação de classes dentro do sistema público tornaria oficial uma conduta que hoje é considerada crime – o pagamento “por fora” para médicos atenderem pela rede pública. “Autorizaria aqueles que têm algum dinheiro disponível a receber tratamento privilegiado.”
Para Toffoli, permitir que um paciente internado no SUS tenha acesso a melhores médicos ou acomodação subverte a lógica do sistema e ignora seus pressupostos. “Não parece possível que um sistema que se diz igualitário tenha mudanças devido à situação econômica do paciente.”
A possibilidade de pagamento criaria duas categorias de pacientes, de acordo com o ministro Luiz Fux. Os que têm menos dinheiro e, portanto, mais precisam do atendimento gratuito, teriam atendimento de ainda pior qualidade. “Isso não se encaixa em nenhuma promessa da Constituição”, afirmou Fux. Os hospitais diminuiriam o número de leitos do SUS e quem precisasse do atendimento acabaria tendo que pagar para ser atendido, segundo projetou o ministro. A ministra Cármen Lúcia defendeu que o Supremo pode e deve mudar sua jurisprudência, mas tem que avisar que está mudando, como foi feito no caso.
Valor Econômico
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