A ciência encontra pistas de que reações típicas de doenças como rinite e asma são capazes de prejudicar a saúde do peito
Quem desata a espirrar e sente o nariz e os olhos coçarem na hora de organizar o armário ou ao tirar o pó de uma estante de livros, por exemplo, não deve subestimar o desconforto. Uma simples rinite ou uma crise de asma podem provocar transtornos maiores do que um mal-estar passageiro. A hipótese de que a reação alérgica estaria ligada a problemas cardiovasculares foi formulada por cientistas do Einstein Medical Center, nos Estados Unidos.
Durante seis anos, eles analisaram questionários respondidos por quase 9 mil pessoas a respeito de seu estado de saúde. Depois, foi só cruzar os dados para chegar a uma constatação preocupante: quem sofre de alergias tem um risco 40% maior de padecer dos males do peito. E a gordura que se acumula nos vasos pode ter tudo a ver com essa conexão inusitada.
“Ela atrai células de defesa, dando início a uma inflamação local que reforça a obstrução das artérias”, resume o imunofarmacologista Hugo Neto, da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. É aí que as complicações respiratórias entrariam em cena, agravando a situação. “Quando uma pessoa vulnerável é exposta a um fator sensibilizante, como ácaro e pelos de animais, os anticorpos sinalizam a ameaça a determinados grupos celulares, que, por sua vez, produzem substâncias pró-inflamatórias”, explica o imunologista Adelmir Machado, da Universidade Federal da Bahia.
“A inflamação decorrente da alergia talvez potencialize outro processo inflamatório pré-existente na parede arterial, provocando disfunções que levam ao aumento de pressão, além de favorecer ainda mais a deposição de gordura e a formação de placas”, especula, em entrevista a SAÚDE!, a epidemiologista Viola Vaccarino, que conduziu o estudo americano. Essa é só uma das teorias.
Aqui, no Brasil, os especialistas arriscam outras. “É possível que características genéticas sejam comuns às duas enfermidades”, diz o imunologista Fábio Castro, da Universidade de São Paulo. Os hábitos de quem vive com o nariz entupido também devem ser levados em conta. “Alguns descongestionantes nasais contêm epinefrinas, substâncias que comprimem os vasos, elevando a pressão arterial”, lembra o cardiologista Ricardo Pavanello, do Hospital do Coração, em São Paulo. “Em casos extremos, o uso indiscriminado desses remédios pode deflagrar uma arritmia”, continua.
Por fim, suspeita-se que a relação causa/efeito seja inversa. “Um coração mais debilitado poderia facilitar os quadros alérgicos”, opina o imunologista Jorge Kalil, do Instituto do Coração de São Paulo. De qualquer forma, ninguém precisa se desesperar só porque seu organismo não tolera um local empoeirado. Ainda não existe nenhuma prova definitiva de que esses indivíduos sejam inevitavelmente propensos a sofrer do coração. Por via das dúvidas, os primeiros indícios servem para encorajá-los a consultar um especialista e manter a doença sob controle.
SENSÍVEL DEMAIS
Repare! Se os sintomas abaixo insistirem em incomodá-lo toda vez que se expuser a um agente específico, é bem provável que você integre o grupo dos alérgicos. Procure um médico
- ›› Chiado no peito
- ›› Coceira nos olhos e no nariz
- ›› Espirro
- ›› Coriza
- ›› Lacrimejamento
- ›› Obstrução nasal
O raciocínio parece lógico: se a alergia respiratória deflagra a produção de substâncias inflamatórias e se elas, por sua vez, intensificariam o engarrafamento no trânsito arterial, será que tratar o processo alérgico daria uma força à prevenção dos males que afligem o peito? “Ainda é cedo para afirmar, mas existe essa possibilidade”, opina Hugo Neto. A questão é que de nada adianta esperar uma crise daquelas para dar a devida atenção ao problema. “A inflamação persiste mesmo na ausência do fator desencadeante”, avisa o imunofarmacologista. Portanto, segundo ele, quem é propenso ao surto precisa se submeter a consultas periódicas e seguir um tratamento regular para manter o sistema imunológico estável.
Medicamentos como corticoesteroides, broncodilatadores e até descongestionantes nasais são algumas opções dos médicos para controlar a doença. Mas atenção: jamais se medique. “O uso indiscriminado desses remédios pode provocar efeitos colaterais como a taquicardia”, alerta Ricardo Pavanello. Só um profissional é capaz de avaliar os fatores de risco cardiovascular de cada pessoa e, assim, prescrever uma droga mais adequada. A imunoterapia é uma alternativa que costuma surtir bons resultados. “Trata-se da dessensibilização do indivíduo a um agente que causa alergia”, esclarece Jorge Kalil.
Mas os especialistas concordam em uníssono: a melhor solução mesmo é se prevenir. “Fique longe de fatores que irritam as vias respiratórias, como cigarro, fumaça e odores fortes”, aconselha Adelmir Machado. Deixar o ambiente livre de agressores em potencial é outra boa dica. “Quem é alérgico a ácaro deve evitar cortinas e tapetes e tem de trocar a roupa de cama com frequência”, exemplifica. Se essas medidas não são a garantia de um coração mais forte, pelo menos melhoram a qualidade de vida e resguardam o corpo contra tanta inflamação. São providências simples que fazem você respirar aliviado!
CORPO INFLAMADO
Se todo processo alérgico induz a produção de substâncias inflamatórias, então é quase certo que outras alergias, como as alimentares ou a dermatite atópica — cuja vítima é a pele —, também contribuam com os males cardiovasculares. “O mesmo vale para as demais doenças geradoras de inflamação, como a periodontite, que acomete a gengiva, e a artrite reumatoide, que afeta as articulações”, acrescenta Ricardo Pavanello. Por isso, no meio médico, especula-se se o tratamento desses problemas ajudaria na prevenção dos piripaques cardíacos.
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