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sábado, 21 de maio de 2011

Remédio na hora certa

Sincronizar o horário de um medicamento com o relógio do organismo faz toda a diferença para aumentar sua eficácia e diminuir efeitos colaterais. Essa é a proposta da cronofarmacologia, ciência que cuida da agenda biológica.

Mesmo que um especialista acerte na prescrição de uma droga, o tratamento pode ir por água abaixo sem um cronograma bem definido. Por esse motivo, profissionais do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo estão empenhados em estudar e difundir a disciplina que avalia o melhor momento para consumir cada princípio ativo. “As funções orgânicas vivem oscilando conforme o momento do dia. Conhecer suas fases e adequar os medicamentos a elas é importante para melhorar o aproveitamento e reduzir reações adversas”, aprova o fisiologista Luiz Menna-Barreto, da Universidade de São Paulo.


O planejamento precisa levar em conta tanto aspectos da rotina do indivíduo como certas peculiaridades do funcionamento do organismo. “Isso inclui fatores como sono, alimentação, trabalho, ritmo do sistema digestivo e produção de hormônios”, enumera a farmacêutica Amouni Mourad, assessora técnica do CRF.

Segundo ela, a difusão dessas informações é necessária não só para os profissionais como para a sociedade leiga. “Ao recorrer a um remédio de venda livre, como um antitérmico ou um analgésico, vale consultar o farmacêutico para saber em que horário ingeri-lo”, exemplifica.

“Já aos médicos cabe lançar mão de instrumentos como questionários de hábitos e monitores de atividade e temperatura corporais para individualizar o plano terapêutico”, completa Menna-Barreto. A expectativa é que se adotem progressivamente esses novos preceitos na prática clínica e que a bula dos remédios estampe orientações cronofarmacológicas. Quanto ao paciente, seu papel é comunicar ao médico qualquer desconforto e discutir com ele as alternativas para atenuá-lo, cogitando uma mudança de horários, sem desistir do tratamento.

Antes de estabelecer conexões entre os ponteiros do relógio e a ação de substâncias, vale a pena apontar um dos principais marcadores do compasso do organismo: o ciclo sono/vigília. Ele delineia o chamado ritmo circadiano. “Trata-se de um padrão temporal em que as funções orgânicas oscilam. Ele se repete, aproximadamente, a cada 24 horas”, descreve Menna-Barreto. Conhecer essa regularidade ajudará você a entender as razões pelas quais tomar remédio com hora marcada melhora a absorção e a distribuição de medicamentos dos grupos a seguir.

A FAVOR DO CORAÇÃO



Nosso sistema nervoso central é dividido em dois: o simpático e o parassimpático. O primeiro predomina durante o dia e prepara o corpo para o estado de alerta, aumentando os batimentos cardíacos e a pressão arterial. Quando relaxamos para dormir, o segundo intensifica sua ação, desacelerando o organismo. “Ao nascer do sol, a luz do dia sinaliza que o momento de despertar se aproxima”, diz Amouni Mourad. “Então, o sistema parassimpático se lentifica gradualmente e o simpático assume a liderança”, continua. Ele ordena a produção do hormônio cortisol pela glândula suprarrenal. Este, por sua vez, acelera o coração e eleva a pressão. “É por volta das 8 horas da manhã que os níveis de cortisol atingem seu pico, favorecendo problemas cardiovasculares, como o derrame e o infarto”, alerta Amouni. Portanto, é fundamental que os anti-hipertensivos e outros remédios cardiológicos estejam presentes no organismo em concentração suficiente logo nesse início da manhã.

EM PROL DA TIREOIDE
Essa glândula produz hormônios — a tiroxina e a tri-iodotironina — que regulam o funcionamento do corpo todo, dos pés à cabeça, literalmente. Mecanismos vitais, como o raciocínio e a respiração, também são de sua alçada. Quando a tireoide falha na fabricação hormonal, quadro conhecido como hipotireoidismo, o jeito é repor essas substâncias. “E é durante o dia que necessitamos de mais energia e concentração. Essa é uma das justificativas para que os portadores do distúrbio tomem o hormônio sintético logo ao acordar”, esclarece o endocrinologista Filippo Pedrinola, de São Paulo. O outro motivo, segundo ele, é que o princípio ativo só é bem aproveitado se ingerido em jejum de pelo menos três horas. Engolir o comprimido cerca de 20 minutos antes do café da manhã é a condição ideal.

PELA SAÚDE MENTAL
Na maioria dos casos, os antidepressivos modernos não provocam efeitos sobre o sono. “Mas, em 5 a 10% dos indivíduos, eles induzem à sonolência. A mesma porcentagem corresponde às pessoas que sofrem de insônia”, estima o psiquiatra Marcio Bernick, do Hospital das Clínicas de São Paulo. De acordo com o médico, a dificuldade de obter orgasmo é outro efeito colateral comum. “Relatar essas e outras reações indesejadas ao médico é o caminho para solucionálas, em vez de abandonar o tratamento”, adverte. “Se um paciente mantém relações sexuais sempre à noite, é possível ajustar a medicação de maneira que ela se apresente em baixas quantidades no corpo nesse período”, exemplifica. Para dormir bem, acertar o horário também é válido. Já em relação aos compostos da classe dos benzodiazepínicos, seu uso preferencial é noturno. “Eles promovem ação calmante, facilitam o sono, mas não raro alteram a capacidade motora, a atenção e a memória, o que costuma ser prejudicial à luz do dia”, justifica.

DIABETE SOB CONTROLE
A disfunção eclode quando o pâncreas não produz insulina em quantidade suficiente para transformar açúcar em energia. No caso do tipo 2 da doença, o corpo dá sinais de sobrecarga quando o hormônio, embora secretado, não consegue atuar nas células e cumprir sua obrigação. A ineficiência é classificada como resistência à insulina. “Lançamos mão de um remédio chamado metformina para facilitar a tarefa do hormônio”, explica o endocrinologista Filippo Pedrinola. “Mas ele costuma deflagrar incômodos como enjoo.” A solução seria administrá-lo após as refeições, porque a comida protege o sistema gastrintestinal, atenuando o mal-estar. De quebra, a droga auxilia na conversão da glicose recém-consumida. Quando o pâncreas decreta falência, porém, é necessário apelar para o hormônio sintético. Cabe ao especialista ajustar cuidadosamente os horários com base no monitoramento das taxas de açúcar do paciente. “Em geral, as aplicações devem anteceder as refeições diurnas. À noite, a medicação requer cautela, já que durante o sono a pessoa não se alimenta e seu metabolismo se comporta de maneira distinta”, avisa.

CONTRA-ATAQUE ÀS BACTÉRIAS
Ao receitar um antibiótico, o médico deve conhecer as informações sobre intervalos entre as doses. “Ele também tem a função de esclarecer que alguns medicamentos são aproveitados somente em jejum, enquanto outros devem ser engolidos após as refeições”, ressalta o infectologista Paulo Olzon, da Universidade Federal de São Paulo.

NA PRATELEIRA DA FARMÁCIA
Até mesmo na hora de tomar um analgésico, consulte um profissional. “Quando deitamos e relaxamos, depois das atividades diurnas, nossa atenção é focada na dor e sua percepção fica mais aguçada”, diz Olzon. “Quem padece da sensação dolorosa deve se medicar, de preferência, nesse período.” Finalmente, os antitérmicos. “Os picos de febre acontecem por volta das 23 horas. Vale se programar para que a droga faça efeito bem nessa fase crítica”, ensina Amouni.

ACERTE OS PONTEIROS


Alguns eventos que acontecem em seu corpo no decorrer de 24 horas influenciam no efeito das medicações

››Para que a levotiroxina — fórmula utilizada no controle do hipotireoidismo — cumpra sua função, ela precisa ser consumida em completo jejum. Por esse motivo, grande parte dos médicos orienta que seja administrada logo ao despertar.

››Por volta das 8 horas da manhã, ocorre um pico do hormônio cortisol, que eleva os batimentos cardíacos e a pressão arterial. Quem sofre do coração, portanto, precisa estar protegido por seus remédios nesse horário.

››Alguns antibióticos devem ser tomados com o estômago vazio. Outros, após as refeições. O mesmo vale para medicamentos de controle do diabete. Esses fatores interferem na hora marcada para engoli-los.

››É à noite, quando o ritmo das tarefas do dia desacelera, que a percepção da dor se torna mais aguçada. É por isso que os médicos costumam prescrever analgésicos nesse período.

››Algumas drogas psiquiátricas têm efeito sedativo. Outras podem alterar a coordenação motora e a atenção. Por isso, o melhor é que sejam consumidas antes de dormir.

LIGAÇÕES PERIGOSAS

Quem fuma, consome álcool ou faz uso crônico de medicamentos precisa ter cuidado redobrado com seus horários. “Alguns anticoncepcionais são submetidos à ação das mesmas enzimas que certos antibióticos, o que pode prejudicar a atuação de ambos”, avisa Amouni Mourad. Já o cigarro, segundo ela, pode atrapalhar o poder dos analgésicos. O álcool, então, nem se fale. No fígado, ele prejudica a ação de inúmeras drogas. A utilização de quaisquer dessas substâncias, portanto, deve ser informada ao médico para que ele organize os horários de ingestão do medicamento sem que haja tanto conflito entre elas.

DEFESA PONTUAL

A quimioterapia para os indivíduos que sofrem de câncer é outro foco de dedicação dos estudiosos de cronofarmacologia. Não é novidade que esse tipo de fármaco provoca uma série de sensações desagradáveis, além de derrubar o sistema imunológico. “A ideia é levar em conta o ritmo de funcionamento do órgão-alvo para, assim, determinar o momento ideal de administrar a químio, evitando períodos de maior fragilidade para reduzir as consequências”, afirma Amouni. O critério também vale, de acordo com a farmacêutica, para vacinas, cujo sucesso depende da reação das células de defesa. “O exercício físico sobrecarrega o organismo e pode prejudicar seu efeito”, conta. Portanto, deve-se respeitar a orientação de manter um intervalo entre a imunização e a malhação. Informe-se no local do procedimento.

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