Segmento de alta renda ganha destaque entre os players do segmento, basta saber se isso é sustentável e se existe demanda para tal transformação
Ala Vip, setor premium, classe A. Diferentes são os nomes para classificar um nicho que está cada vez mais ganhando força no mercado. Mas como em outros setores da economia, os serviços e produtos desenvolvidos para esse público contemplam uma pequena parcela da população brasileira. O crescimento das operadoras que atuam no segmento vislumbra uma entrada considerável de novas pessoas na saúde suplementar. Dados do relatório da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), do período de março de 2010 a março de 2011, mostram que as dez maiores operadoras de planos de saúde cresceram 33% em um ano e controlam um mercado de 46,6 milhões de pessoas.
Mesmo representando um mercado mais restrito, a mobilidade social e o momento da economia brasileira ajudam na expansão da saúde suplementar e estimula o setor de saúde, sobretudo na capital paulista, a desenvolver serviços e produtos diferenciados para o topo da pirâmide e tornar isso um grande atrativo para o seu negócio.
“Estamos num momento capitalista e o que os hospitais estão fazendo é parecido com o movimento dos shoppings centers, fazendo uma analogia, é uma estratificação de mercado. E o público triple A também é um público de seguradoras de saúde, que são 5% da população e representa 40% do PIB nacional”, analisa o professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, Oswaldo Yoshimi Tanaka.
Mas o brilho do mercado de luxo parece ter seduzido, sobretudo, os hospitais paulistanos. Nos últimos dois anos, foram muitos exemplos: Hospital 9 de Julho e seu andar Vip de internação, Hospital Alvorada, Hospital São José, Hospital Totalcor e Paulistano. E não são só os hospitais, a Bradesco Saúde iniciou o serviço Bradesco Saúde Concierge. A divisão conta com cinco salas Vip distribuídas por hospitais destinados aos beneficiários de alta renda da região Sudeste. Essas áreas estão alocadas nos Hospitais Sírio-Libanês, Albert Einstein, Hospital do Coração (HCor) e no centro de medicina diagnóstica Fleury Medicina e Saúde, em São Paulo, e uma no Rio de Janeiro, na Casa de saúde São José.
Ainda no campo das operadoras, a AmilPar, que tinha na tímida “One Health” seu plano de saúde destinado à classe de alta renda, comprou, por R$ 170 milhões, a Lincx, especializada no segmento premium e levou 38 mil vidas para um nicho onde ela ainda não contabilizava grandes conquistas.
Na onda da segmentação, o Fleury unificou 13 bandeiras no primeiro semestre do ano e destacou Fleury Medicina e Saúde e Weimman destinadas ao segmento. No Rio, a tradicional Rede D´Or anunciou a construção, na zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, do Hospital Copa Star, que levará investimentos de R$115 milhões e contará com 140 leitos destinados ao público triple A. Segundo a Rede D´Or, a proposta é atender os anseios desse público e posicionar a rede como referência em atendimento exclusivo no Estado do Rio.
“O grupo de alta renda tem crescido bastante. A concentração no Brasil continua muito grande, mas ela já foi muito pior do que é, e, nos últimos anos, o processo de desconcentração econômica, apesar dos muito ricos continuaram ricos, há um contingente muito grande de pessoas que saíram da classe B+ para a classe A-, e da classe A- para a classe A+. Há uma mobilidade e é facilmente perceptível.
É o fenômeno que a gente deve chamar de novos ricos”, explica o professor da FAAP, Silvio Passarelli.
Análise
Com tantos investimentos é preciso tomar cuidado com o tamanho do mercado e da demanda e saber o que é realmente rentável e trará retorno financeiro para instituição e se haverá impacto nos leitos médios e básicos. De acordo com o diretor do Centro Paulista de Economia da Saúde da Fundação de Apoio à Unifesp, Marcos Bosi Ferraz, este é um movimento de mercado onde há alguns anos existe um público disposto a pagar mais caro por um serviço diferenciado. “Eu não creio que as instituições de saúde investiriam dessa forma sem um estudo de mercado e uma análise de potencial de demanda”.
A mobilidade acontece em todas as camadas sociais, concentrando um maior número de pessoas na classe C, o que, em se tratando de saúde, pode trazer uma miopia para o setor: foco maior nas classes premium, mas com um grande contingente de pessoas chegando à classe média.
O executivo não acredita que entrar no segmento da classe A prejudique o acesso a outras classes.
“Não há falta de leitos hoje na saúde suplementar, portanto a opção por buscar um segmento mais exclusivo não causará um déficit de atendimento nos hospitais privados do País. Os hospitais não vão abrir um leito no lugar de outro. Eles vão expandir suas instalações para atender outro perfil de consumidor”, justifica Bosi.
Segundo ele, o mercado percebeu que há uma demanda reprimida para esse tipo de consumidor e os hospitais de maior porte, e com condições de investir, partiram para disputar esse mercado. “Este é o mesmo fenômeno que ocorreu com a Daslu, onde o serviço de luxo veio para sanar uma demanda. É claro que também existe a questão do marketing e talvez esta fosse a única coisa que poderia atrapalhar o hospital pelo fato de gerar certa expectativa por parte do paciente”.
Para o professor Tanaka, da FSP USP, esse é um movimento restrito às capitais com alto poder aquisitivo. “Não é todo hospital que vai atingir esse público. No Mato Grosso ou Tocantins não existe esse movimento”, analisa Tanaka. Essa também é a percepção do professor Passarelli, da FAAP. “São Paulo e Rio de Janeiro, Brasília têm renda per capita alta e lugares com alta concentração de renda. Em São Paulo está a maior parte da demanda qualificada no Brasil, cerca de 50%”.
Alta Complexidade
O foco nesse segmentação está andando de mãos dadas com a alta complexidade. Por exemplo, o Hospital São José que inaugurou um espaço destinado à classe A na área de oncologia, e o Alvorada, TotalCor e Paulistano, que são os escolhidos da AmilPar para atender também esse público cada qual em sua complexidade, neurologia, traumatologia e ortopedia; cardiologia e oncologia, respectivamente.
“De fato este fenômeno está acontecendo, temos uma pesquisa sobre os hospitais que estão ampliando estruturas para classe alta, assumindo a necessidade de leitos para ela em algumas complexidades e eles estão buscando oferecê-las em seu mix de produtos adequados. Vemos que cirurgia cardíaca, de trauma e oncologia têm sido as especialidades mais badaladas, mais procuradas por esse público”, diz a coordenadora do GV Saúde, Ana Maria Malik.
E é na estratégia de focar em alta complexidade que o Hospital 9 Julho parece ter encontrado seu caminho. A entidade também inaugurou em 2010 um andar com leitos Vips de internação e acredita que a sustentabilidade do negócio envolve o foco em especialidades. “Tenho trabalhado para que o hospital tenha foco, dentro da complexidade e segmento social em que atua. É impossível uma instituição atuar de A a Z. Ela deve focar nas margens e seus limites. Em termos sociais, não tem distinção. Você trabalha na complexidade buscando pacientes de alta complexidade nas especialidades que temos maior competência. Essa é uma estratégia que temos adotado”, explica o diretor geral, Luiz de Luca.
Estratégia regional
A demanda por atendimentos diferenciados nos hospitais privados é fruto também da relação com as operadoras. De Luca explica a estratégia da entidade. “É claro que é decorrência, de acordo com a qualificação da instituição, você ter uma precificação para as fontes pagadoras ou para o paciente de maneira particular que, às vezes, não é condizente para todas as classes sociais”. Mas deixa bem claro, que o hospital não quer direcionar o foco apenas para as classes de alta renda.
“O Hospital 9 de Julho não quer focar no segmento triple A, está focando naqueles pacientes e naquela competência, oferecendo serviços e cobrando por eles. É trabalhar a estratégia de Porter, ou seja, a segmentação, diferenciar naquilo que posso, então, estou buscando serviços diferenciados, mas a base é uma assistência à alta complexidade”.
Há dez anos, a Casa de Saúde São José iniciou uma mudança em seu foco de atuação com o objetivo de expandir suas receitas. “O Hospital Santa Catarina, em São Paulo e o São José, no Rio de Janeiro, são os grandes geradores de receita da Congregação de Santa Catarina para a realização dos trabalhos sociais. E isso nos obrigou a criar os diferenciais e firmar um posicionamento de mercado para que possamos gerar essa riqueza e continuar realizando os trabalhos assistenciais”, acrescenta o diretor executivo da Casa de Saúde São José, André Gall.
Segundo o executivo do São José, outro fator que levou o hospital a se reestruturar para explorar este nicho foi o crescimento da Rede D´Or e a série de aquisições feitas pelo grupo Amil na região. “Temos um plano estratégico para os próximos quatro anos que tem o objetivo de repaginar todo hospital focando o cliente de alta renda, que já o frequenta”.
A movimentação do setor em busca do mercado de alta renda, segundo o executivo, não interfere no acesso à saúde por parte de usuários médios dos convênios nem restringe o número de leitos disponíveis. “O que acaba ocorrendo hoje no Rio de Janeiro é uma forte concentração de leitos hospitalares em duas grandes forças, que são a Rede D´Or e a Amil que atuam em todas as classes. Ou seja, eles acabam vendendo um produto, o plano de saúde, viável para todas as categorias e preparam suas estruturas para receber essa população de acordo com a abrangência de cada plano”, completa.
A Casa de Saúde São José conta com 229 leitos, sendo 10% deles destinados ao público AA, 30 de UTI geral, 22 de semi-intensiva pós-operatória, 11 de UTI coronariana e 15 de UTI neonatal. Os leitos diferenciados acompanham a mesma taxa de ocupação mantida pelo hospital que é de 85%. O São José realiza cerca de 1.300 internações por mês. A representação desse tipo de serviço não é muito significativa para o hospital, representando cerca de 10% de seu faturamento.
O Hospital Moinhos de Ventos, em Porto Alegre, tradicionalmente atende as classes A e B. A entidade passou por uma reformulação que adotou o conceito de cocriação com seus stakeholders. Com a reestruturação de toda a gestão do hospital baseada nesse conceito, o superintendente geral do hospital, João Polanczyk, eliminou uma conta deficitária de R$ 60 milhões, em 2006, e passou de uma receita de R$ 175 milhões por ano, para um faturamento de R$ 259 milhões. E a projeção para 2011 é de R$ 313 milhões.
A transformação do Moinhos de Vento está longe de se restringir aos critérios econômicos financeiros. O que ocorreu na entidade foi uma verdadeira mudança de valores, que refletiu em todo o processo de atendimento da organização. A entidade não segmenta leitos para o atendimento premium, e sim trabalha no que o executivo chama de “entrega diferenciada”.
“Em Porto Alegre, cerca de 20% da população tem poder aquisitivo alto. Estamos desenvolvendo um novo modelo de negócio, fazendo as entregas diferenciadas e os planos de saúde estão pagando isso. O ambiente e atendimento que estão de acordo com a classe premium. Hotelaria não é o principal, é todo um conjunto”, explica.
No entanto, a entrega diferenciada é oferecida para o paciente de todas as classes. Nos investimentos atuais entre expansão de espaços e reformas estão sendo investidos cerca de R$ 300 milhões.
Atendimento
“Investimentos em hotelaria não adiantam se o atendimento não é bom, e é bom atendimento além de boa medicina que a classe A busca”, ressalta Polanczyk. Os colaboradores estão em permanente treinamento, inclusive em um programa de metas onde todos têm chance de ganhar a mais de meio a um e meio salário.
Na opinião de Passarelli, da FAAP, são dois elementos essenciais na área hospitalar. “O primeiro é a de tecnologia de ponta, para efetivamente oferecer ao paciente o melhor da ciência e o segundo é o que eu chamo de humanização. O luxo se preocupa com a elegância , sutilieza e delicadeza no trato. Os ambientes luxuosos não são apenas pelos fatores intrísecos nos móveis e objetos, mas fundamentalmente pela elegância e comportamento das pessoas, mas aí deve residir, conjunto de todos os procedimentos que cercam a interação humana”, diz.
Segundo De Luca, o 9 de Julho não olha a classe social se o paciente tem um determinado produto de medicina suplementar e o hospital tem um contrato com essa operadora. “Vejo o produto que está contratado e vou aplicar a melhor assistência que tenho capacidade para isso. É claro, uma vez que tenho um custo assistencial elevado, uma infraestrutura elevada, não são todos os produtos de operadoras que podemos atender”, explica. E sendo em seu andar Vip ou nas alas restantes, a instituição preza pela qualidade assistencial. “Na hotelaria, ofereço serviços diferenciados para ter uma fidelidade maior desse produto premium para quem busca conforto e confidencialidade. Mas como um avião, da primeira classe à econômica, a assistência é a mesma”.
Fonte SaudeWeb
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