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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Povoado em Goiás abriga população que não pode tomar sol

Dijalma, de chapéu, perdeu olho, nariz e lábio - Wilson Pedrosa/AE
Wilson Pedrosa/AE
Dijalma, de chapéu, perdeu olho, nariz e lábio
Grupo de 23 pessoas com a mesma doença genética rara é o maior do mundo

Sob um calor que chega a beirar os 35°C, na zona rural de um povoado no interior de Goiás, vivem pelo menos 23 pessoas que têm uma doença raríssima que as impede de se expor à luz do Sol.

Juntas, elas formam a maior comunidade do mundo de que se tem conhecimento que convive com a doença. Filhos de casamentos consanguíneos (entre primos ou outros parentes próximos), eles têm xeroderma pigmentoso - uma doença genética que provoca extrema sensibilidade à luz ultravioleta e aumenta em mil vezes o risco de câncer de pele.

O pequeno povoado de Araras pertence à cidadezinha de Faina, tem cerca de mil habitantes e três troncos familiares principais. A maioria dos moradores é de lavradores que sobrevivem trabalhando na roça, em plantações ou na pecuária - sempre embaixo de um sol escaldante.

O hábito de usar chapéu e protetor solar diariamente só chegou ao povoado há cerca de dois anos, depois que o xeroderma foi clinicamente diagnosticado pela dermatologista Sulamita Chaibub, do Hospital Geral de Goiás (mais informações nesta página). Antes disso, a população sequer tinha noção do risco que corria por trabalhar exposta ao Sol.

Quatro irmãos
Dijalma Antônio Jardim, de 36 anos, é um exemplo típico da falta de informação que o povoado de Araras sofreu durante pelo menos 150 anos. Por meio das árvores genealógicas, pesquisadores acreditam que ao menos cinco gerações de familiares desenvolveram o xeroderma e morreram sem ter ideia da doença que tinham.

Filho de um casal sem a doença, mas em que o pai e a mãe carregavam o gene defeituoso, Dijalma e mais três irmãos - de um total de sete filhos - desenvolveram o xeroderma. Um irmão morreu com 18 anos, as duas irmãs têm a doença controlada e Dijalma manifestou uma forma mais avançada do xeroderma.

Ele já fez mais de 50 cirurgias para retirar tumores de pele e, como consequência, já perdeu o nariz, um dos olhos e a parte superior do lábio - no dia a dia, ele usa uma prótese feita com um tipo de silicone no rosto. O outro olho está sendo afetado e Dijalma já teve de fazer um transplante de córnea.

"Desde criança e durante toda a minha vida trabalhei na roça, embaixo do sol forte, batendo arroz, levando o gado para pastar, tirando leite de vaca. Nunca usei chapéu nem protetor solar", diz.

Dijalma conta que seus sintomas se tornaram mais evidentes quando ele tinha 9 anos - além das sardas e pintas na pele, surgiram pequenos caroços que tiveram de ser retirados cirurgicamente. Eram seus primeiros tumores na pele.

Mas, apesar de serem quatro irmãos com o mesmo tipo de problema na pele, Dijalma diz que nenhum médico fez uma associação ou desconfiou que o problema poderia ser genético. "Uns diziam que era problema no sangue, outros diziam que era problema de pele. Diagnóstico mesmo a gente só teve há menos de dois anos."

Hoje Dijalma recebe auxílio-doença no valor de R$ 545, mas ainda não conseguiu se aposentar oficialmente. Toma um remédio para o rosto que compra com o próprio dinheiro - a última caixa custou R$ 215. O protetor solar que ele passa quatro vezes por dia é doado mensalmente por uma farmácia de manipulação. "Luto contra esse problema diariamente. Só não posso me desesperar porque o que eu quero é viver", diz o lavrador.

Suspeita
O caso do povoado só foi descoberto em 2009, depois que a educadora Gleice Machado, de 34 anos, estranhou o aparecimento de sardas e bolhas no corpo do filho Alison, de 3. Ela o levou à médica, que não suspeitou de nada e disse que as bolhas eram normais para uma criança ruiva e de pele clara.

Um ano depois, como as sardas haviam aumentado e as bolhas estavam piores, Gleice voltou à médica com o menino e disse que tinha parentes e amigos com o mesmo tipo de problema na pele. "Com a descrição dos casos, descobrimos que era xeroderma. Temos o diagnóstico clínico, mas ainda esperamos um diagnóstico genético e definitivo", conta.

A partir de então, Gleice não se conformou em ficar parada esperando a doença avançar e decidiu estudar e pesquisar mais sobre xeroderma. Ela e o marido são primos de quarta geração. Os pais dela são primos de primeiro grau e os sogros também.

"Meu marido e eu entramos em depressão, mas eu tinha de me reerguer para ajudar meu filho. Ele é uma criança privada de tudo, não pode andar de bicicleta durante o dia, não pode brincar na rua. Não sei o que ele pensa quando vê os tios mutilados por causa da doença", diz.

Gleice fez um levantamento informal de todas as pessoas que tinham as características da doença para entregar aos médicos. "Comecei a conversar com os mais velhos e a pesquisar mais para entender melhor. Considerando os que já morreram, são mais de 50 pessoas da comunidade com o mesmo problema", diz.

Associação
Gleice fundou, então, a Associação Brasileira de Xeroderma Pigmentoso (Abraxp), que hoje tem pelo menos cem pessoas de todo o Brasil cadastradas. É por meio dessa associação que os portadores de xeroderma trocam experiências.

A educadora passou a realizar um trabalho de conscientização dos moradores para que eles entendam a importância de usar diariamente o protetor solar, para que usem chapéu ou boné e evitem se expor ao Sol. Ela diz, porém, que essa é uma tarefa difícil, especialmente entre os mais velhos.

"As pessoas da vila achavam que era um castigo de Deus, outros falavam que era doença sexualmente transmissível. A falta de informação prejudicou demais e é difícil lidar com essa barreira cultural", diz.

Segundo Gleice, a comunidade ainda está longe de ter os cuidados necessários para viver com menos riscos. "Muitos ainda trabalham expostos ao Sol porque não conseguem se aposentar. A escola não está preparada com vidros escuros, as casas não são adaptadas, não conseguimos roupas especiais e a prefeitura fornece transporte apenas uma vez por semana. É uma luta diária."

Fonte Estadão

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