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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Alta taxa de mortes por câncer faz comunidade do RS ser monitorada


Foto: Carlos Eduardo de Quadros / Fotoarena Ampliar
Jonçara, com o marido e o filho: "tomara que eu tenha adoecido por azar"
Suspeita é de que população tenha sido exposta a tóxicos usados por 37 anos na região

A população de Barreto, uma localidade da zona rural do município de Triunfo – a 30km da capital Porto Alegre (RS) – está sendo monitorada por um grupo de trabalho formado por governo estadual, Ministério da Saúde e técnicos dos Estados Unidos.

O objetivo é descobrir por quais razões a taxa de mortalidade por câncer é 50% maior ali, quando comparada ao restante do município gaúcho (18 por cada 100 mil habitantes contra 12 por 100 mil no restante de Triunfo).

Essa diferença, ainda inexplicada, é um dos resultados preliminares de um estudo feito no local pela Secretaria Municipal de Triunfo – cidade que abriga Barreto – e também o motivo que suscitou o acompanhamento dos órgãos governamentais.

Uma das hipóteses é que materiais tóxicos utilizados por 37 anos em uma antiga fábrica de postes elétricos de propriedade do Estado do RS, tenham provocado o aumento de tumores malignos e letais nas pessoas que vivem próximas ao terreno da indústria, desativada em 2005.

“Começou uma elevação de câncer (em Barreto) que pode ter acontecido a partir de uma exposição crônica (às substâncias tóxicas), mas não existem comprovações”, afirmou em carta enviada ao iG pela assessoria de imprensa, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) do RS. O órgão lidera o grupo de trabalho que investiga Barreto, projeto batizado de “Eco Risco”.

Apesar do encerramento das atividades da fábrica, há 6 anos, laudos da Promotoria Ambiental do Ministério Público de Triunfo, finalizados em outubro de 2011, mostram que a contaminação do solo por substâncias cancerígenas (arsênio, polifepranol e cromo, entre outros) ainda é ativa em sete pontos do distrito.

Uma das ocorrências que pode ter agravado a exposição dos moradores aos químicos, suspeita o MP de Triunfo, é a existência de tonéis lotados com os resquícios das substâncias usadas na produção dos postes, que foram enterrados – e ainda estão lá – no terreno onde funcionou a fábrica.

“Eu ajudei a enterrar”, afirma Ivanildo Torres, 62 anos, ex-funcionário da fábrica, morador da vila operária e hoje portador de doenças na circulação, diabetes e depressão.

“A gente nem imaginava que podia ser perigoso.”

Não foi esta a única medida de risco adotada por desconhecimento do potencial de danos à saúde dos químicos, contam os moradores.

“Depois de anos, as pessoas ainda pegavam partes destes tonéis que despontavam no solo e faziam de base para churrasqueiras, latas de lixo e até acessórios para casa. Sem contar que muitos venderam em ferros-velhos”, conta Roberto Viana da Silva. Ele trabalhou no setor administrativo da indústria de postes entre 1970 e 2000.

“Minha mulher morreu de câncer no estômago há uns 4 anos. Éramos vizinhos da fábrica e hoje estamos assustados com a possível contaminação das pessoas.”

A nora de Roberto, a advogada Gisele Milk, 28 anos, antes mesmo da morte na família, começou a suspeitar de que as causas do adoecimento da população eram os materiais tóxicos. Em 2009, após investigar provas e reunir laudos médicos, ela entrou com ações contra o Estado. Hoje, representa cerca de 100 famílias da localidade em processos que pedem indenização por danos morais e materiais por conta de doenças mentais e físicas, tais como cânceres, mutações congênitas, abortos, problemas de pele e depressão.

Foto: Carlos Eduardo de Quadros / Fotoarena Ampliar
Lixeira na entrada da antiga fábrica de postes:
tonéis tiveram usos variados na comunidade
Responsabilidade dividida
A Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), proprietária da antiga fábrica, afirmou que o processo de descontaminação do solo já está com ordem de serviço autorizada (deve iniciar em fevereiro), mas que “não há sequer indícios de nexo causal entre a alegada contaminação do imóvel e as supostas doenças”, disse – em nota oficial enviada ao iG – o presidente da CEEE, Sérgio Souza Dias. Veja o que diz a CEEE.

“O que ocorre é que existem sete pontos de contaminação ativa e nem todos estão relacionados aos tonéis, e sim ao processo produtivo, que à época, em função da própria legislação ambiental, não exigia sequer licenciamento para sua operação. O contrato para descontaminação contempla estes pontos”, diz a resposta enviada por email à redação.

Crianças
Segundo a Fepam, a licença ambiental para a remediação do terreno da antiga fábrica da CEEE já foi concedida e todos os órgãos de saúde foram acionados. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, “foi criado um protocolo de atendimento à saúde dos moradores de Barreto como forma de prevenção (de câncer e outras doenças)”.

Esta medida, informa a Fepam, é coordenada pelo Ministério da Saúde e tem participação das secretarias municipal e estadual de Saúde. Dois técnicos dos Estados Unidos também participam do projeto Eco Risco.

A água do rio Taquari, que fica atrás do da antiga fábrica, também foi avaliada, assim como a poeira das casas e dois alimentos (alface e ovos). Isso porque, muitos moradores usam água do poço e hortas caseiras, cultivadas perto do terreno, para subsistência.

Os dados iniciais, afirmou a Fepam, não mostram alterações significativas, mas “a Secretaria Municipal de Saúde, por preocupação, orienta a população a não beber água do poço”.

As crianças que vivem no local estão sendo submetidas a exames de sangue e coleta de saliva e os dados sobre o câncer estão sendo revistos. A médica toxicologista Virgínia Dapper, que participa do Eco Risco, diz que é preciso dar continuidade aos exames e estender a avaliação para todas as 200 famílias que moram no local.

“Fizemos exames de urina em 71 famílias em 2008, mas eles só conseguem medir uma intoxicação aguda, dos últimos 30 dias. Nada foi constatado. Precisamos dar continuidade”, disse a médica.

A história
A vila operária de Barreto foi toda formada por conta da fábrica de postes. “Meu pai foi chamado para trabalhar no local e, como era longe de Porto Alegre, ofereceram (a CEEE) casa, bom salário e tudo mais. Foi assim que Barreto foi povoada”, lembra José Gercei Flores dos Santos, 61 anos, que também acabou como funcionário da indústria.

“Mexíamos direto com os produtos químicos. Era um cheiro forte, ardia os olhos, queimava a garganta. Mas não sabíamos que podia fazer mal”, completa Santos, que teve um problema sério de pele, com escamações e manchar vermelhas.

O iG visitou o local há 20 dias e, na população local, estas manchas vermelhas são comuns. Muitos moradores relataram ter tido o problema em alguma ocasião. No dia da visita, choveu. Depois da chuva, foi possível sentir um cheiro forte e desagradável, em especial nas proximidades do terreno da antiga indústria. Às margens do terreno, recentemente cercado por arame, as crianças brincavam com as mãos na terra.

Em todas as 12 residências visitadas pela reportagem do iG foram relatadas as mais variadas doenças, sendo câncer a mais citada. Além dos cânceres, a comunidade contou já ter enfrentado abortos, depressão, doença muscular congênita, glaucoma, problemas hepáticos e renais.

Segundo a Fepam, a comunidade não precisa sair do local e todas as medidas de saúde estão sendo tomadas.

“Não é necessário a população sair do lugar, não está sendo cogitado. Estamos tomando as medidas preventivas para que isso não ocorra”, escreveu a Fepam em comunicado.

Fonte iG

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