Rio de Janeiro – Cerca de 500 mil pessoas, quase todas muito pobres, morrem
anualmente de 17 tipos de doenças tropicais negligenciadas pelas autoridades
nacionais e internacionais e pela indústria farmacêutica. A informação faz parte
do relatório Combatendo a Negligência, documento lançado ontem (26) pela
organização humanitária Médicos sem Fronteiras (MSF). Segundo o documento, é
possível reverter esse quadro com estratégias inovadoras de diagnóstico e
controle, desenvolvidas ao longo dos 25 anos de trabalho da organização na
América Latina, África Subsaariana, Sul da Ásia e no Cáucaso.
O estudo foi apresentado durante o 18º Congresso Internacional de Medicina
Tropical e Malária e teve como foco o combate a três das enfermidades com menos
investimentos por parte de doadores internacionais e dos países afetados: doença
de Chagas, doença do sono e calazar, enfermidades altamente tratáveis e curáveis
e causadas por parasitas Tritryps.
Para a consultora do MSF para doenças negligenciadas, Gemma Ortiz Genovese,
que coordenou a produção do relatório, não há desculpas para que os governos não
implementem e aumentem os programas e investimentos em pesquisas para essas
doenças que têm tratamentos obsoletos e ainda não têm vacinas comercialmente
disponíveis.
“Essas três enfermidades são sempre excluídas de financiamento para pesquisa
e desenvolvimento de novos medicamentos, porque alegam que é muito caro e
difícil tratar e que faltam ferramentas”, disse a especialista.
“Nós demonstramos que essas três doenças matam as populações mais pobres e
podem ser tratadas. Esperamos, com esse relatório, que a Organização Mundial da
Saúde [OMS] reveja sua posição e influencie os doadores a investirem mais em
programas nacionais e em pesquisas para combater essas doenças”, completou.
Das três doenças, a de Chagas é a única endêmica entre algumas das populações mais pobres da América do Sul, sobretudo, na Bolívia e no Paraguai. No Brasil, dados do Ministério da Saúde apontam que cerca de 5 mil pessoas morrem anualmente em decorrência da infecção causada pelo parasita que é transmitido pelos mosquitos barbeiros. Cerca de 2 milhões de brasileiros estão infectados com a doença de Chagas, embora 90% desse total não tenham sido diagnosticados.
A técnica em doenças emergentes da MSF, Lucia Brum, explicou que o governo
brasileiro é pioneiro em pesquisa de doenças tropicais. Entretanto, quando o
assunto é diagnóstico e tratamento da doença de Chagas, a atuação brasileira
ainda é muito tímida.
“No Brasil só é obrigatória a notificação de casos agudos e o protocolo
nacional, do ponto de vista de saúde pública, diz que o tratamento só deve ser
oferecido a pessoas com infecção até 12 anos. Achamos que é um direito humano
ter acesso ao diagnóstico a esse tratamento, apesar das limitações, efeitos
adversos, complicações durante o tratamento que é longo e com efeitos adversos”,
disse a médica.
Segundo Lucia Brum, o Brasil enfrenta agora um novo desafio que é a infecção
por alimentos. “Houve uma transição epidemiológica. A infecção dentro das casas
está controlada, mas o barbeiro passa a invadir fontes alimentares, como o açaí
e a cana-de-açúcar, por exemplo. E ainda existe a transmissão congênita e por
transfusão de sangue e transplante de órgãos.”
Os medicamentos usados para o tratamento da doença de Chagas foram
desenvolvidos nas décadas de 60 e 70. Até o ano passado, o Laboratório
Farmacêutico do Estado de Pernambuco era o único fabricante de Benzonidazol,
principal medicamento para tratamento da doença de Chagas. Recentemente, a
Argentina passou a produzir o medicamento e o Brasil começou a fabricar a versão
pediátrica.
Segundo a Médicos sem Fronteiras, os Estados Unidos e a Europa recentemente
se opuseram, na OMS, à tentativa de dar às inovações médicas para doenças
negligenciadas um novo caráter, que priorize os pacientes nos países pobres.
“Não há interesse por parte da indústria de insumos médicos, pois essa
população afetada não tem poder aquisitivo para comprar esses remédios. Cerca de
90% dos investimentos em pesquisa são em cosméticos e apenas 0,1% vão para as
doenças negligenciadas que afetam 80% da população mundial. Quando falamos de
doenças negligenciadas, falamos de pessoas negligenciadas. Por isso os governos
precisam atuar mais para amplificar os programas de prevenção e combate às
doenças tropicais”, disse Lucia Brum.
Fonte Agência Brasil
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