Nicolas, 4, só come macarrão, arroz com carne e arroz com frango. Um legume no prato pode fazê-lo gritar, e um molho a mais ou um orégano salpicado fazem a refeição toda ser recusada.
É o chamado "picky eater" ou, em bom português, uma criança bastante seletiva.
"Quando ele era pequeno e começou a comer coisas mais sólidas, já começou a entortar o nariz.
Depois dizia com o dedinho que não queria nada. Até hoje é muito difícil fazer ele experimentar algo diferente", diz a blogueira Milene Massucato, de São Bernardo do Campo (SP).
Ela não está sozinha: a queixa "meu filho não come" é uma das mais frequentes nos consultórios pediátricos.
Um estudo no "Journal of Clinical Gastroenterology" diz que 35% das crianças têm esse comportamento.
Outra pesquisa, encomendada pela Abbott Nutrition e realizada com 954 famílias brasileiras, mostrou que 50% delas relatam dificuldades alimentares em crianças com idade pré-escolar.
"Se causa preocupação para os pais e gera um grande estresse na hora da refeição, é um problema que merece atenção. Os médicos até chamavam essa dificuldade de falsa anorexia.
Diziam que o peso e a altura estavam normais e desqualificavam a queixa da mãe. Preocupa-nos essa falta de resposta", diz Mauro Fisberg, pediatra, nutrólogo e professor da Unifesp, que vai coordenar o Centro de Dificuldades Alimentares a ser aberto no mês que vem no Hospital Infantil Sabará, em São Paulo.
O centro oferecerá tratamento multidisciplinar (com pediatras, nutricionistas, fonoterapeutas etc.), treinamento profissional e cursos e oficinas para os pais. A unidade também contará com a estrutura do hospital para exames e consulta com outros especialistas e um centro de pesquisas.
"O espectro das dificuldades alimentares é grande. Algumas crianças têm traumas porque foram forçadas ou entubadas numa internação, por exemplo. Temos que analisar se há alguma doença por trás, se o problema é comportamental", afirma.
Segundo ele, a seletividade exagerada pode causar uma carência nutricional e, ao mesmo tempo, obesidade, se a criança se concentrar só em junk food.
Idade
Em geral, o período crítico é quando os alimentos são introduzidos na dieta da criança e o leite deixa de ser a única fonte da alimentação.
"A maioria das mães tem receio de que o filho não vá conseguir comer e bate toda a comida. Isso não ensina a criança a mastigar e a experimentar diferentes sabores e texturas", afirma a nutricionista Priscila Maximino, que integrará o centro do Sabará.
Segundo ela, as causas dos distúrbios envolvem, além de problemas orgânicos, genética e traumas, a participação dos pais e cuidadores e outros fatores ambientais.
"Não há como desvincular isso dos pais. São eles que compram a comida, permitem que certos alimentos sejam ingeridos ou deixam de permitir", afirma.
Ela lembra que é próprio da criança ter medo da novidade. "Cada refeição é uma descoberta. Quanto maior a variedade, menor a chance de ela ser seletiva no futuro. Se a comida é monótona, a mensagem é que a criança deve comer só aquilo."
Para diversificar o cardápio de seu filho Lucas, de 1 ano e 5 meses, a veterinária Adriana Lopes, 26, de São Paulo, recorreu a dois grupos no Facebook: Delícias do Dudu e Alimentação Consciente, este último da nutricionista Karine Nunes Durães.
"Quando eles não comem o que a gente oferece, ficamos desesperadas. Participar dos grupos me trouxe tranquilidade porque vi que não sou a única", afirma Adriana.
E os especialistas são unânimes: de nada adianta oferecer espinafre se os próprios pais só comem pizza.
"Toda vez que desanimo lembro do estrogonofe. Meu marido não gosta, mas o Nicolas experimentou um dia desses e já pediu 'estrogongofe' de novo. Há uma luz no fim do túnel", brinca Milene.
Fonte Folhaonline
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