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segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Preconceito e desinformação levam médicos a dispensar lésbicas de Papanicolau

Médicos desencorajam mulheres lésbicas a realizar exame e
 não indicam métodos de proteção
Contrariando a recomendação do Ministério da Saúde, mulheres que têm relações homossexuais deixam de fazer exames preventivos e de ser orientadas por seus ginecologistas sobre sexo seguro
 
A professora Melissa Navarro, de 34 anos, foi ao ginecologista pela última vez há um ano e meio. Como em todas as outras consultas desde a primeira, aos 19 anos, sua sexualidade não foi questionada pela médica. Ativista de uma associação lésbica, ela fez questão de deixar clara sua orientação. E, como em outras ocasiões, ouviu da profissional que não precisava fazer o Papanicolau.
 
O relato de Melissa é comum entre as lésbicas. Dentro dos consultórios, seja por desconhecimento, preconceito, constrangimento ou até falta de tempo nas consultas, as conversas sobre orientação sexual são deixadas de lado. Tanto médicos quanto pacientes não mencionam práticas sexuais, importantes para garantir prevenção de doenças e levar a orientações adequadas sobre sexo seguro.
 
O Papanicolau é um exame importantíssimo para detecção precoce de lesões precursoras do câncer de colo uterino. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca) e o Ministério da Saúde, deve ser feito por todas as mulheres que já iniciaram a vida sexual, preferencialmente entre os 25 e 64 anos de idade, qualquer que seja a orientação sexual da mulher. Os dois primeiros devem ser feitos a cada ano e, se os resultados forem normais, a cada três anos.
 
“Aos 19 anos, quando fui pela primeira vez ao ginecologista, não me importei com isso. Achei até melhor não falar sobre sexualidade para não me expor. Fiquei cinco anos sem voltar ao médico.
 
Depois, quando já tinha mais informação, provoquei a conversa com a médica. Ela disse que eu não precisava do Papanicolau porque não tinha relações com homens. Ninguém nunca me pediu o exame. Eu que insisti para fazer”, conta Melissa.
 
Karen Lúcia Borges Queiroz, 30, fisioterapeuta e assessora em saúde das mulheres da Associação Lésbica Feminista de Brasília Coturno de Vênus, conta que muitas lésbicas têm dificuldade de procurar esse tipo de atendimento médico, por medo da discriminação, da dor do exame ou simplesmente por não saber que precisam fazer prevenção. Há dois anos, Karen propôs um exercício às amigas militantes do grupo.
 
A sugestão de Karen, após discutir sobre a necessidade de consultas regulares, foi para que todas fossem a ginecologistas e relatassem a consulta. Os médicos prescreveram anticoncepcionais, não questionaram a orientação sexual e, quando as meninas se diziam lésbicas, dispensavam exames e sugeriam o uso de camisinha masculina em brinquedos eróticos.
 
O diálogo entre médico e paciente sobre as práticas sexuais dessas mulheres não é franco. Afinal, numa relação sexual entre duas mulheres também há troca de fluidos, mesmo sem penetração. Há manipulação das partes íntimas com as mãos, sexo oral, compartilhamento de brinquedos eróticos.
 
“A conduta médica ainda é muito normatizada pela heterossexualidade”, critica Karen.
 
Invisibilidade e mudança lenta
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) reconhece que a falta de conhecimento sobre a homossexualidade e o preconceito entre médicos existem. “Como na sociedade em geral, essa ainda é uma questão mal compreendida. Alguns preconceitos podem geral mal entendidos, mas essa não é nossa recomendação. As mulheres homossexuais devem ser encaradas como qualquer outra e as relações sexuais, estudadas”, afirma o ginecologista Jesus Paula Carvalho, da Febrasgo.
 
Carvalho lembra que a transmissão do vírus HPV, maior causador de câncer do colo uterino, ocorre também nas relações sexuais entre mulheres, mesmo que em índices menores. “O vírus também pode aparecer na vulva. A medicina sofreu mudanças brutais de conceito, seja de privacidade quanto de sexualidade, por causa de conquistas da sociedade”, comenta.
 
Carla Martins, ginecologista especialista em reprodução humana e integrante da diretoria da Sociedade Brasiliense de Ginecologia e Obstetrícia do Distrito Federal, acredita que o intervalo curto entre uma consulta e outra também leva os médicos a deixar a conversa sobre a sexualidade das pacientes de lado. Ela critica também a formação nas escolas médicas.
 
“Há um acordo silencioso. Os médicos não perguntam e as pacientes não falam. O preconceito existe em qualquer classe social, mas não acredito que esse seja o maior impedimento para que a sexualidade não seja abordada nas consultas. Acho que os médicos preferem não abordar o assunto porque não foram preparados para dar solução ás queixas das pacientes”, diz.
 
A professora Andrea Rufino, do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Saúde da Mulher (Nupesm) da Universidade Estadual do Piauí, estuda o tema em seu pós-doutorado, em desenvolvimento na Universidade de Brasília (UnB). Primeiro, ela fez uma pesquisa nacional sobre como as escolas médicas ensinam sobre sexualidade. Agora, quer saber como as mulheres homossexuais realizam suas práticas sexuais, se previnem de doenças e se relacionam com ginecologistas.
 
Na primeira investigação, Andrea descobriu que poucos professores tratavam de temas como homossexualidade e bissexualidade. Há um constrangimento em conversar abertamente sobre as práticas, segundo ela. Para ela, a crença de que as lésbicas que só se relacionam com mulheres têm menos chance de desenvolver doenças sexualmente transmissíveis pode levar os médicos a dispensar os exames preventivos.
 
“Não há necessidade de penetração vaginal para que se tenha contato com o HPV, por exemplo. Mesmo mulheres heterossexuais que não têm interesse de perder a virgindade podem realizar brincadeiras sexuais e ficar expostas ao vírus. A prática sexual é uma coisa e a identidade é outra. A prática é liberta e pode ser bastante variada. O importante é o médico perguntar sobre isso de forma franca e acolhedora”, avalia.
 
Andrea lembra que a única diferença que deve existir no exame Papanicolau de mulheres heterossexuais e homossexuais é o tamanho do espéculo (instrumento utilizado para coleta da mucosa do útero para o exame). “Existem espéculos vaginais de vários tamanhos. Os mais finos são os indicados para as mulheres que não têm prática sexual com pênis”, recomenda. A médica defende que essas mulheres deixem de ser “invisíveis” para a medicina.
 
“Há uma invisibilidade sobre a abordagem da homossexualidade e as orientações para um sexo seguro nas relações homossexuais, especialmente de mulheres. Nas políticas públicas, isso já melhorou, mas no dia a dia dos consultórios ainda não. Acho que a mudança vai demorar gerações para acontecer”, lamenta Karen.
 
iG

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