Brasília – O embaixador especial da Organização Mundial da Saúde (OMS) para
Eliminação da Hanseníase, Yohei Sasakawa, lamentou ontem (18) o fato de o Brasil
ainda não ter atingido o patamar estabelecido pelo organismo para erradicação da
doença, que é menos de um caso da doença a cada 10 mil habitantes. Ao lembrar os
avanços da ciência, que garantiram tratamento e cura, ele enfatizou que é
preciso intensificar os esforços para atacar a doença, marcada pela
discriminação e pelo estigma.
"O Brasil é um país capacitado para sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas,
mas é o único que não conseguiu eliminar a doença. É uma questão muito
estranha", disse o embaixador, durante solenidade, na Câmara dos Deputados, da
qual também participaram integrantes da Frente Parlamentar de Erradicação da
Hanseníase e Doenças Elimináveis.
Sasakawa destacou, por outro lado, o empenho do Brasil para garantir o
pagamento de indenização a pacientes que foram segregados em razão da doença.
"Neste aspecto, o Brasil é o país mais adiantado e deve servir de modelo para o
mundo", acrescentou.
De acordo com o Ministério da Saúde, a meta é eliminar a hanseníase - menos
de um caso para cada 10 mil habitantes - até 2015. "Para a eliminação da
hanseníase é necessário a execução de ações programáticas, como diagnóstico,
tratamento, vigilância dos contatos, prevenção de incapacidades e reabilitação
física, além da educação em saúde. Atualmente, essa endemia atinge cerca de 29,3
mil pessoas em tratamento no país. A doença tem cura e o tratamento é gratuito
pelo SUS", informou a pasta.
Conforme o ministério, país registrou cerca de 33 mil casos novos em 2012,
queda de 32,6% em comparação a 2002, quando foram identificados 49 mil novos
casos. "De acordo com a Organização Mundial da Saúde, Sudão do Sul e Libéria
também são países que buscam eliminar a carga dessa endemia", diz, acrescentando
que, neste mês, foram repassados R$ 15,6 milhões a 40 municípios para o combate
da doença – essas cidades respondem por cerca de 24% dos casos novos de
hanseníase. Em março, uma campanha foi lançada para diagnosticar casos suspeitos
de hanseníase em escolas públicas, quando 9,3 milhões de estudantes em cerca de
750 municípios foram examinados.
Para o deputado Nilmário Miranda (PT-MG), coordenador da frente parlamentar,
ainda que o Brasil seja referência na reparação às violações de direitos
humanos, é já pague indenizações a ex-pacientes, é preciso avançar mais e
estender essa reparação aos filhos que foram separados dos pais que tinham
hanseníase até a década de 1980. O isolamento de pessoas com a doença, imposto
oficialmente pelo governo, durou pelo menos 40 anos.
No fim da década de 1940, uma lei federal determinou o afastamento
compulsório de recém-nascidos filhos de vítimas da doença, o que provocou a
separação de milhares de famílias. Muitos dos filhos desses pacientes, nascidos
nos chamados leprosários, foram abandonados à própria sorte ou levados para
unidades conhecidas como preventórios.
"Temos que trabalhar em duas frentes: na erradicação da doença e pela
reparação dos direitos humanos também dos filhos, na medida em que se retirou
dessas crianças o direito do convívio familiar, tendo sido internados em
condições de alta violação [de direitos]. Isso tem que ser reparado", disse.
A Comissão Nacional dos Filhos Separados pelo Isolamento Compulsório calcula
que o número de brasileiros nessa situação possa chegar a 40 mil. Em agosto, o
governo anunciou que pretende indenizar os filhos separados dos pais em decorrência
da doença.
Após a solenidade na Câmara, representantes do Movimento de Reintegração das
Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) e filhos que viveram a separação
compulsória foram recebidos pela ministra Maria do Rosário, na sede da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Ela assinou o Apelo
Global contra a Hanseníase, movimento que reúne diversas entidades
internacionais e manifesta o compromisso de luta contra a discriminação global
das pessoas atingidas pela hanseníase.
O coordenador do Morhan, Arthur Custódio, que também participou do ato na
secretaria, defendeu a intensificação das campanhas ligadas à doença no Brasil,
para garantir que a população saiba identificar os sintomas e procure
atendimento médico para identificar precocemente os sintomas. Ele lembrou que
são registrados cerca de 33 mil novos casos a cada ano no Brasil, o que faz com
que o país, em números absolutos, fique atrás apenas da Índia que, com uma
população cinco vezes maior, tem 127 mil novos casos por ano.
"Além disso, a distribuição dos casos pelo território brasileiro é irregular
e acompanha o mapa da pobreza, com maior incidência nas regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste. O problema é que temos percebido que as pessoas estão tendo
diagnóstico mais tardio e, em decorrência, ficando com mais sequelas. Por isso,
é fundamental fazer mais campanhas que alertem a população sobre a importância
de buscar atendimento médico assim que surgirem os sintomas ", disse. Estudos
indicam que, se a doença for logo diagnosticada, a cura pode chegar a mais de
80% dos casos.
A goiana Marísia da Silva, de 47 anos, foi levada a um preventório, junto com
suas três irmãs, aos 5 anos de idade, quando seu pai foi diagnosticado com a
doença. Ela permaneceu no local, sem qualquer contato com outros parentes, até a
adolescência. Hoje, ainda precisa de tratamento psicológico para superar o
trauma.
"Foram anos de muito sofrimento, uma verdadeira tortura, porque a gente não
entendia direito o que estava acontecendo e não podia chorar, abraçar, dar um
beijo no nosso pai. Coisas simples que a maioria dos filhos faz, nos foi
negado", contou Marísia, que há cerca de três anos foi diagnosticada com a
doença. "Eu passei pelo tratamento, já estou na fase final, mas não preciso
ficar longe das minhas filhas. Isso não tem preço", acrescentou.
A hanseníase é uma doença infectocontagiosa crônica que atinge,
principalmente, a pele e os nervos dos braços, mãos, pernas, pés, rosto,
orelhas, olhos e nariz. O tempo entre o contágio e o aparecimento dos sintomas
varia de dois a cinco anos. Se for logo diagnosticada, a cura pode chegar a mais
de 80% dos casos. Os sintomas mais comuns são manchas brancas, vermelhas ou
marrons em qualquer parte do corpo, com alteração da sensibilidade, caroços,
algumas vezes avermelhados e doloridos, perda de sensibilidade ao calor, à dor e
ao tato, febre, edemas e dores nas juntas. O tratamento pode durar de seis meses
a um ano e é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Agência Brasil
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