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quarta-feira, 7 de maio de 2014

Profissão 'cuidador de idoso': cresce demanda, mas faltam serviços públicos

Maria Fernanda Ziegler / iG
Wanda é cuidadora de Nelson Bernardo, 65 anos, há 11 meses
Aumento da longevidade faz crescer procura por cuidadores; grande parte das famílias não pode arcar com os custos e ainda são escassas as redes de proteção oferecidas pelo governo
 
O segredo de Wanda Aparecida da Silva, 45 anos, é fazer tudo como se fosse o último dia. Ela é cuidadora de idosos: nas tardes de segunda à sexta vai à casa de Nelson Bernardo, de 65 anos, que tem Alzheimer avançado e sequelas de um AVC. Nas manhãs, ela se alterna na casa de outros dois idosos. Como se fosse a última vez, ela dá o almoço, o banho, faz a barba, põe música para eles escutarem e bota numa área externa para pegar sol.
 
Wanda, funcionária de uma ONG que cuida de idosos, é representante de um nicho com mercado em expansão. Segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) , de todos os brasileiros com 60 anos ou mais (cerca de 20 milhões de acordo com o último Censo), aproximadamente 13% tem dificuldade em executar pelo menos uma atividade diária e, por isso, precisam de cuidadores. Dentre os mais idosos, com 80 anos e mais, 40% caem a cada ano. Em 20 anos, com o aumento da população de idosos no País, a situação vai ficar ainda mais delicada.
 
O problema é saber quem vai pagar a conta. Uma família que opta pela contratação de uma pessoa ou de uma empresa de home care vai desembolsar uma média de R$ 2 mil ao mês, valor superior ao que muitas famílias têm de renda total. E ainda é muito escassa a oferta de redes de proteção e suportes formais por parte do Estado a essa população.
 
“Às vezes é muito difícil, pois a família não tem estrutura nenhuma para cuidar do idoso, ou o vínculo familiar é muito fraco. Já cheguei a trabalhar em uma casa que ficava em local de risco. Era toda torta e ainda por cima o idoso precisava de cadeira de rodas. Dá para imaginar? A idosa morava com uma filha que precisava trabalhar o dia inteiro e não tinha como cuidar”, diz Wanda.
 
Ela é um dos 40 cuidadores do projeto Vincular, um dos trabalhos da ONG Grupo Vida, que atende a 100 idosos em parceria com a prefeitura de Barueri (SP). “Os governos ainda não entenderam que precisam investir nisso, que precisam lidar com esta população que está crescendo e que vai precisar de cuidados”, diz Neuma Nogueira, coordenadora da ONG. Além do cuidador, uma equipe multidisciplinar – com médico, enfermeiro, assistente social, psicólogo e fonoaudiólogo - também acompanha cada paciente.
 
De acordo com Neuma, o custo do idoso se atendido em sua própria casa é um terço do valor cobrado se ele fosse morar em um asilo, em média de R$ 6 mil. Hoje, segundo o IPEA, apenas 0,8% dos idosos brasileiros vivem em asilos. Seria uma boa notícia, desde que houvesse garantia de cuidado domiciliar.
 
“Temos que levar em conta que as famílias estão ficando cada vez menores. O que vemos são situações do idoso cuidando do idoso. Ou a esposa de 85 anos cuida do marido de 90, ou a responsabilidade recai sobre uma filha de 60”, analisa a gerontóloga Magherita de Cassia Mizan.
 
É o que estava acontecendo com Miralva, mulher do seu Nelson, paciente atendido por Wanda. Até encontrar a ONG, era ela quem cuidava sozinha do marido, que teve Alzheimer e AVC, e foi aposentado por invalidez de seu trabalho como auxiliar de enfermagem. Hoje, ele não fala e nem anda. Precisa de uma cadeira de rodas adaptada para sustentar o corpo de 1,90 m de altura. Pouco a pouco, está esquecendo como se faz para deglutir e frequentemente tem convulsões. O máximo de comunicação que tem é chorar, ou rir, principalmente quando a esposa pergunta se ele aceita casar com ela.
 
“Além da dificuldade emocional de tudo isso, era impossível que eu conseguisse dar banho nele sozinha”, diz Miralva, que chora só em pensar na morte dele. “Me dei conta que precisava de ajuda quando mandei uma mensagem de madrugada para os meus filhos dizendo que quando isso terminasse, não iria sobrar nada de mim. Me arrependo até hoje de ter mandado esta mensagem. Deixei eles preocupados”, lembra.
 
Hoje, Miralva e Wanda formam uma dupla incansável. Miralva por amor ao marido. Wanda, pela paixão à profissão que escolheu. “Eu trabalhava só há 15 dias como cuidadora, quando minha primeira paciente morreu. Foi muito triste. Pensei que não iria aguentar. Por isso que eu penso que todo dia pode ser o último e faço tudo com muito carinho. Para ser cuidador, é preciso ter amor. Acho que levo jeito para isso.”
 
Num País que envelhece a passadas largas, é preciso uma política pública que contemple o cuidador no rol de direitos do idoso. O atendimento particular é praticamente inviável para a maioria da população e as poucas ONGs dedicadas a isso têm dificuldade em arrecadar fundos, explica Neuma, da ONG Grupo Vida. “As pessoas não doam muito para idosos. A criança tem o sorriso, o idoso tem a dor.”

iG

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