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sexta-feira, 18 de julho de 2014

Da saberia curandeira à ciência tradicional

Tribo Huni Kuin, do AC, apresenta plantas medicinais no ‘Livro da cura’

Na entrada da oca de dez metros de altura feita de madeira e palha, uma placa tem os dizeres hanlishli kayanai. É um “espaço de cura” esse lugar erguido em pleno Parque Lage, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio, para abrigar uma série de eventos que começa hoje e gira em torno do lançamento de “Una Isi Kayawa — Livro da cura” (Dantes Editora), uma publicação que apresenta informações detalhadas sobre o poder medicinal de plantas usadas há gerações pelo povo indígena Huni Kuin, do Acre.

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Chegada. Canto e prece para agradecer a vinda ao Rio e pedir proteção dos espíritos na oca montada no Parque Lage - Agência O Globo

São 32 tribos com cerca de 7.500 pessoas da etnia em torno do rio Jordão. Ontem, chegaram alguns de seus representantes e integrantes do projeto. Com rostos pintados, colares de miçangas e trajes de linhas coloridas, eles se reuniram para um canto de chegada. De mãos dadas, o pajé José Matus Itsairu puxava um rito, seguido pelos demais.

— É um canto para agradecer pela nossa vinda, além de chamar as forças dos espíritos para proteger esse lugar — explicou.
Itsairu é filho do pajé Agostinho Ïka Muru, o idealizador do projeto, que morreu em 2011 ainda durante a fase de pesquisa. Ele tinha cadernos de anotações cheios de desenhos de plantas, e seu sonho, conta Itsairu, era sistematizar e difundir o conhecimento ancestral não só para seus pares, mas abri-lo à sociedade.

— Agostinho era um cientista da floresta. Ele vinha há mais de 30 anos registrando informações e tinha medo de que o saber fosse perdido — comentou o taxonomista Alexandre Quinet, que se incumbiu da difícil tarefa de fazer a ponte entre o conhecimento indígena oral e a ciência tradicional. — São lógicas diferentes, por isso o que fizemos foram transcrições literais das palestras gravadas. Até porque o livro também é para eles.

Não à toa, os primeiros mil exemplares foram produzidos com papel feito de garrafas PET para resistir à umidade das florestas. Foram necessárias várias viagens e oficinas, além de registros fotográficos e audiovisuais. Das 351 amostras dos cadernos do pajé, 109 estão descritas no livro, com informações catalogadas por taxonomistas do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico.

Registro da tradição milenar
Há um mês, a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso um anteprojeto de lei obrigando empresas interessadas nos conhecimentos de povos indígenas a obter a autorização deles. Esse livro, diz Quinet, dá poder às etnias e registra oficialmente sua sabedoria.

A programação intensa se estende de hoje ao dia 27 e inclui conversas, cantos, exposição fotográfica e exibição de vídeos de Zezinho Yube, ativista indígena:

— Eles contam a história do nosso povo, que vivia em malocas, teve contato com seringueiros no início do século XX, começou a trabalhar com isso e, depois, recuperou seu território e está revitalizando sua cultura.

Até o final da estada, o grupo aproveitará para conhecer o Rio. A primeira atividade do casal Adelino e Maria Kaxinawá (outro nome dado à tribo) foi ver o mar pela primeira vez:

— Era exatamente o que imaginava: o som, o movimento. Ficamos gratos com a experiência.

O Globo

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