Recente no Brasil, documento garante que pessoa
saudável registre procedimentos aos quais não quer ser submetida em caso
de doença terminal; ato não tem relação com eutanásia
Uma idade marca a vida da psicanalista Marion Vera Dayan. Tanto o pai
quanto o avô paterno morreram aos 68, exatamente a idade que ela tem
atualmente. Os dois tiveram uma doença metabólica que resulta em
pré-diabetes, colesterol no limite e pressão alta. Marion sofre do mesmo
mal. Na dúvida se faz parte de uma espécia de "clube dos 27" [idade em
que morreram vários astros do rock como Jimi Hendrix e Amy Winehouse ],
ela decidiu tomar as rédeas da própria morte.
Neste ano, após
conversar com o seu médico e um advogado, Marion fez seu testamento
vital. No documento, registrado em cartório, ela descreve quais
tratamentos aceita e quais não deseja receber quando estiver diante de
um diagnóstico de doença terminal e impossibilitada de manifestar sua
vontade. "Não quero, de forma alguma, ficar como se estivesse
vegetando".
Comum em países como o Reino Unido e os Estados Unidos -
onde 90% das pessoas internadas ou em lares de idosos têm documentado
como querem viver seus últimos dias -, o testamento vital ainda é
recente no Brasil. Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil, em 2009
foram feitos cinco documentos. Em 2013, o número saltou para 471 e nos
três primeiros meses deste ano já foram 74.
Vale
ressaltar que testamento vital é completamente diferente de eutanásia -
procedimento proibido no Brasil e que ocorre quando o médico induz a
morte do paciente. O que consta no testamento vital são os desejos da
pessoa em situações de doenças incuráveis, progressivas e sem proposta
terapêutica. É, em suma, a escolha antecipada pelos cuidados paliativos
em detrimento da luta pela manutenção artificial da vida.
Não vale esconder
Os
especialistas explicam que definir as diretrizes sobre o fim da vida é
bom tanto para o paciente como para os familiares. Para o doente, é a
segurança de que, se estiver entubado ou com demência, por exemplo, suas
escolhas serão respeitadas. Para os familiares, o documento os poupa de
tomar uma decisão difícil sobre a vida de um ente querido.
A
médica Cristiana Savoi, de Belo Horizonte, afirma ter visto situações
delicadas como briga entre parentes sobre o melhor tratamento ao
familiar que não tinha possibilidade de cura e casos extremos como o de
uma paciente com câncer irreversível que não foi sedada por determinação
de um parente e acabou morrendo em pleno sofrimento.
Para evitar
que isso aconteça na sua família, Cristina fez seu testamento vital e
pediu para que seus parentes também façam.
“Trabalho no hospital com
cuidados paliativos em pacientes terminais ou que tenham doenças sem
cura. Sei o que eles passam e quanto o documento bem feito pode ajudar a
garantir um fim de vida digno em situações que não há recuperação,
respeitando os desejos de cada um”, diz.
Mas não adianta fazer o
documento e guardar segredo sobre o assunto. Afinal, se ninguém souber,
quem é que vai fazer o documento valer? Outro ponto importante, explica
Luciana Dadalto, advogada especializada no tema, é deixar o documento
bem explicado e de acordo com o próprio perfil.
“As pessoas acham
que é simplesmente colocar o que ela quer ou não quer, mas é importante
que o testamento vital não seja um formulário fechado, preenchido apenas
com "x". A pessoa que está fazendo o testamento vital precisa deixar
explícitos seus desejos e valores, situações pessoais, que variam de
caso a caso”, afirma.
Pacientes com alguma doença específica, ou
histórico familiar tendem a fazer documentos mais específicos, de
qualquer forma é possível fazer textos mais genéricos sobre o tema,
completa Luciana.
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