Câncer: bortezomib apresenta efeitos colaterais importantes – dentre os quais
se destaca a neuropatia periférica
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Em artigo, pesquisadores descrevem mecanismo inédito de inibição
da atividade do proteassomo – complexo proteico considerado um alvo
terapêutico contra o câncer
Um novo mecanismo de inibição do proteassomo – complexo proteico
considerado um alvo terapêutico contra o câncer – é o tema de um artigo
publicado na revista Chemistry & Biology.
A primeira autora do trabalho é a brasileira Daniela Trivella,
pesquisadora do Laboratório Nacional de Biociências do Centro Nacional
de Pesquisa em Energia e Materiais (LNBio/CNPEM).
Os resultados do estudo, feito com apoio da FAPESP e parceria de
pesquisadores da University of California em San Diego, nos Estados
Unidos, e da Technische Universität München, na Alemanha, abrem caminho
para o desenvolvimento de uma nova geração de drogas quimioterápicas
mais eficiente e menos tóxica.
“Já desenhamos uma série de moléculas com base nesse novo mecanismo
identificado. Pretendemos agora sintetizá-las em parceria com a
pesquisadora Marjorie Bruder, também do CNPEM, e testar sua potência. O
objetivo é otimizar o efeito de inibição do proteassomo, tornar o
composto ainda mais seletivo para as células tumorais e driblar os
problemas de resistência observado nas drogas disponíveis no mercado”,
contou Trivella.
Pertencente a uma classe de enzimas conhecidas como proteases, o
proteassomo é um complexo proteico responsável por diversas funções
importantes no interior das células, como a eliminação de proteínas
danificadas ou não funcionais e a regulação de processos de apoptose
(morte programada), divisão e proliferação celular.
Desde a aprovação do fármaco bortezomib, em 2003, ficou demonstrado
que moléculas capazes de inibir a atividade do proteassomo matam as
células tumorais com grande eficiência e têm efeito menor sobre as
células sadias.
“As células do câncer são mais dependentes do proteassomo que as
demais, pois seu metabolismo é acelerado, sua taxa de divisão e
proliferação é alta e, por isso, vivem sob um estado crônico de estresse
oxidativo e proteico. Acabam sintetizando proteínas em excesso, muito
rapidamente e com baixa qualidade. O proteassomo é o grande lixeiro que
tenta limpar a bagunça na célula tumoral”, contou Trivella.
Além disso, acrescentou a pesquisadora, sabe-se que, ao inibir o
proteassomo, é possível aumentar as taxas de apoptose e reduzir as de
divisão e proliferação celular, que estão alteradas no tumor.
Embora o bortezomib venha sendo usado com sucesso desde então,
principalmente no tratamento de mieloma múltiplo (câncer na medula
óssea), a droga apresenta efeitos colaterais importantes – dentre os
quais se destaca a neuropatia periférica, caracterizada por
formigamento, dor ou perda de sensibilidade nos braços e pernas.
De acordo com Trivella, isso ocorre porque o quimioterápico inibe não
apenas o funcionamento do proteassomo como também de outras proteases
importantes para o organismo.
Em 2012, foi aprovado o fármaco carfilzomib inspirado em uma molécula
natural chamada epoxomicina. Apesar de mais seletivo e eficaz contra o
câncer, o medicamento inibe o proteassomo de forma irreversível tanto
nas células tumorais como nas sadias – o que prejudica seu uso
prolongado em razão da alta toxicidade.
Com o tempo, contou Trivella, verificou-se que certas mutações no
proteassomo e mecanismos bioquímicos alternativos conferiram ao tumor
resistência às drogas disponíveis no mercado. Além disso, essa primeira
geração de inibidores não apresenta muito efeito no tratamento de
tumores sólidos, o que limita sua aplicação.
Em busca de alternativas
Também em 2012, pesquisadores norte-americanos e brasileiros isolaram
em cianobactérias oriundas do Caribe uma molécula natural nomeada
carmaficina, que possui o mesmo grupo reativo (porção da molécula que
interage com o proteassomo) do carfilzomib, conhecido como epoxicetona.
“Epoxicetonas são inibidores muito potentes e seletivos do
proteassomo por interagirem com esta enzima em duas etapas reacionais,
sendo a primeira uma fase reversível e a segunda, irreversível”,
explicou Trivella.
Mas, além de inibir o proteassomo de forma irreversível, o composto
apresentava certos problemas de instabilidade química. Com o objetivo de
otimizar seu efeito e encontrar novos grupos reativos, pesquisadores do
Scripps Institution of Oceanography, da University of California em San
Diego, desenvolveram uma série de análogos sintéticos com pequenas
modificações estruturais.
Esses compostos foram testados por Trivella durante estágio realizado
na Califórnia em seu pós-doutorado, quando ainda estava vinculada ao
Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Minha missão era comparar a potência dos diversos compostos e, caso
encontrássemos algo interessante, partiríamos para estudos mais
aprofundados. Para isso, foram realizadas curvas concentração resposta,
nas quais se verifica a concentração da droga necessária para causar a
inativação de 50% do proteassomo (IC50) ou, em experimentos paralelos, a
morte de 50% das células tumorais em cultura”, contou a pesquisadora.
Uma das moléculas testadas tinha como grupo reativo uma enona e
congregava características da carmaficina e de outra molécula natural
denominada siringolina, isolada a partir de patógeno de plantas.
“A siringolina já havia sido reportada como inibidora irreversível do
proteassomo em uma única etapa reacional, com IC50 na ordem de
micromolar – o que não é muito potente. Queríamos verificar os efeitos
da combinação do esqueleto químico da carmaficina com grupos reativos
mais similares ao da siringolina. Imaginávamos que essa nova molécula
com grupo reativo enona teria efeito parecido, mas foi 10 vezes mais
potente que a siringolina”, disse Trivella.
Ao investigar os mecanismos reacionais da nova molécula – denominada
carmaficina-siringolina enona –, a pesquisadora verificou que, ao
contrário da siringolina e assim como a epoxicetona, a enona interage
com o proteassomo em duas etapas, sendo que a segunda reação é do tipo
irreversível.
No entanto, Trivella observou que, no caso da enona, a segunda reação
ocorre de forma mais lenta, aumentando a duração da fase reversível da
inibição da carmaficina-siringolina enona.
“Como a inativação irreversível do proteassomo tem efeitos tóxicos, a
maior janela de reversibilidade observada para a
carmaficina-siringolina enona potencialmente reduzirá a toxicidade desta
nova classe de inibidores do proteassomo”, disse Trivella. “O composto
apresentaria, assim, um equilíbrio entre seletividade e potência.”
Os testes de toxicidade ainda estão em andamento, segundo Trivella.
Paralelamente, foram feitos estudos com auxílio de técnicas de
cristalografia (que consiste em formar um cristal a partir de soluções
concentradas da enzima de interesse purificada e então estudá-lo por
difração de raio X) para desvendar exatamente como ocorre a interação
entre o alvo enzimático e o inibidor carmaficina-siringolina enona.
“Descobrimos que ocorre uma reação química chamada hidroaminação,
nunca antes observada em condições fisiológicas. Esse tipo de reação é
muito usado por químicos sintéticos no preparo de substâncias, mas,
normalmente, são necessárias condições muito específicas de temperatura,
pH e uso de catalisadores para que ocorra. Como mecanismo de inibição
enzimática nunca havia sido reportado”, disse Trivella.
Inspirado por esse novo mecanismo de inibição do proteassomo, o grupo
do LNBio planeja sintetizar e testar uma nova série de análogos da
carmaficina-siringolina enona para verificar efeitos sobre a janela
terapêutica (morte preferencial de células tumorais em relação às
células sadias) e avaliar se são capazes de reagir também com
proteassomos resistentes aos inibidores tradicionais.
Outra meta de Trivella é buscar na biodiversidade brasileira
compostos naturais que possam servir de inspiração para o desenho de
outras classes de inibidores do proteassomo.
“Precisamos de um pouco de inspiração da natureza para ampliar as
opções de grupos reativos e de estrutura de moléculas. Analisando a
diversidade química disponível em nossa biodiversidade, aumentaremos
nossas chances de encontrar alternativas ainda mais inovadoras para
otimizar propriedades como potência, seletividade e farmacocinética”,
afirmou.
Exame
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