Valentim Gentil, do HC, fala sobre angústias modernas, esquizofrenia e como interpreta o episódio de Realengo
Wellington Menezes, o homem que matou 12 crianças no Rio, era esquizofrênico ou psicopata? Valentim Gentil, diretor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, à frente de 500 atendimentos diários, não faz diagnóstico: “Acho antiético e tecnicamente errado. Mas, certamente, não o considero uma pessoa equilibrada”. Gentil lembra que na literatura e na humanidade há casos de indivíduos em estado mental agudo fazendo coisas tresloucadas. Entretanto, da forma como ocorreu a matança, a ação de Wellington não é padrão de comportamento de esquizofrênico. “Não há evidências de que ele delirava”, diz.
O professor titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP interrompeu sua rotina para receber a coluna e defender inflamadamente o uso criterioso de antidepressivos. Avalia que as críticas a essas drogas ocorrem justamente por causa do seu sucesso comercial. Acredita que os benefícios dos remédios superam os efeitos colaterais, mas esclarece que eles em si não trazem alegria: “O antidepressivo não é a pílula da felicidade”. Alerta, ainda, sobre preconceito crescente contra esquizofrênicos pós-massacre de Realengo. Para ele, Wellington era alterado, não necessariamente doente.
O que levou o atirador de Realengo àquela atitude?
Ao que parece, ele estava agredindo, deliberadamente, pessoas que tinham a ver com a história dele. Eram da mesma escola e da mesma idade que ele tinha quando estudou lá, numa tentativa de se vingar em gerações subsequentes. Sabia exatamente o que estava fazendo. Acho perigoso bater na tecla da esquizofrenia porque 1% da população tem essa doença e, coitados, eles já sofrem o suficiente.
Qual é a vantagem de um diagnóstico precoce?
Se for um problema médico, dá para prevenir. E seria muito legal que escolas, famílias e grupos sociais, ao detectarem algo anormal, encaminhassem a pessoa para uma avaliação. Assim, evitariam sofrimento.
Com a desospitalização, aumentam-se os riscos de os doentes ficarem à solta?
Não. O que aumentam são os riscos de gente doente ficar sofrendo sem atendimento. Os doentes não são necessariamente perigosos. Há muita gente perigosa, que não é doente, solta.
A criança que sofre bullying tem mais chances de se tornar um adulto com problemas emocionais e até de cometer crimes?
Dependendo da capacidade de superação, isso pode prejudicar a autoestima. Mas não há nenhuma epidemiologia mostrando que os criminosos sofreram bullying. Quem sofreu, normalmente não é agressivo.
A esquizofrenia, a depressão e a bipolaridade são consequências do meio ou do DNA?
Das duas coisas. Algo que é conhecido há mais de 5 mil anos não é modismo, não é fruto do estresse contemporâneo e nem só dos hábitos das pessoas.
Mas são mais frequentes hoje?
Muita coisa que se faz hoje aumenta o risco. O uso de cafeína, de remédios para emagrecer ou para tratar o déficit de atenção em crianças, além do abuso de álcool, podem despertar transtorno bipolar ou o primeiro ataque de pânico. Isso pra não falar de cocaína ou crack, que aumentam o risco de quadros paranoicos.
Há exagero nas prescrições dos remédios atualmente?
Talvez existam pessoas hipermedicadas. Mas em termos de saúde pública, não. A população ainda é subtratada.
Quais são os efeitos colaterais dos antidepressivos?
Depende do tipo de antidepressivo. Há secura de boca, prisão de ventre, queda de pressão, sedação, excitação, ganho de peso, inibição de orgasmo e até do interesse sexual. Quando bem utilizado, a relação entre efeitos terapêuticos e colaterais justifica sua manutenção para tratamento.
Por que os antidepressivos são tão estigmatizados? Por causa dos efeitos colaterais?
Não, acho que porque eles são bem sucedidos comercialmente. Por que os banqueiros são estigmatizados?
Como o consumo desses remédios altera os relacionamentos?
Os antidepressivos são capazes de produzir uma alteração na resposta emocional. Não de alegria, nem de euforia, mas de mais tranquilidade ou de mais indiferença. As pessoas que tomam antidepressivos não ficam mais felizes, a não ser que elas tenham transtorno bipolar. O antidepressivo não é a pílula da felicidade.
Qual é a diferença entre tristeza e depressão?
Depressão é um conjunto de sintomas. Tristeza é só um deles.
Quando se define que uma pessoa precisa ser tratada?
Não é o tamanho da crise, é a qualidade. Até quando você deve aguentar uma depressão e correr o risco de um infarto?
Só remédio adianta ou há necessidade de terapia?
Quando se está com determinada forma de depressão, com prejuízo de atenção, raciocínio e concentração, fica difícil aproveitar a terapia.
E como saber a quantidade do medicamento?
São anos e anos de pesquisas para descobrir a faixa terapêutica de cada medicamento.
É na base de teste?
Não é como se fosse tratar de cobaias. Seguimos padrões de diagnósticos, construímos uma hipótese. E indicamos um tratamento: psicanálise, psicoterapia de família, antidepressivo, eletrochoque. Usamos todo o conhecimento disponível para ajudar as pessoas. Essa é a história da medicina.
Psiquiatra é caro?
Se estiver falando de uma consulta de alguém de classe média alta no Rio e em São Paulo, por 40 minutos, num consultório particular, com hora marcada, com direito a cafezinho, é caro. Mas isso não tem a ver com modelo de assistência em saúde pública, que é muito barato: custa R$ 10 uma consulta pelo SUS no HC.
Pode explicar o que é a síndrome de burn out?
O burn out é um esgotamento. Significa que você queimou todas as suas reservas.
Está muito frequente entre empresárias…
As mulheres estão pagando um preço grande por virar homem: fumar, trabalhar muito, carregar peso, coisas assim. O organismo não foi feito para isso. A Marta (jogadora de futebol) é muito melhor do que eu em qualquer esporte, mas ela paga caro por isso.
A felicidade é química?
Não. É biológica. Você já viu alguma pedra feliz?
Os psiquiatras têm problemas mentais?
Não, imagina! Quando entramos na faculdade de medicina a gente toma uma pilulazinha da felicidade e da saúde mental e nunca mais acontece nada com a gente. (risos)
Os psiquiatras, então, se tratam como seus pacientes?
Não deveriam. Mas espero que reconheçam em si mesmos algumas das coisas que eles são treinados para reconhecer nos outros.
PAULA BONELLI
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