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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Portugal: Mieloma múltiplo - Uma 'reciclagem' que pode salvar vidas

Doença ainda não é crónica, mas novos avanços dão origem a um optimismo renovado. Novos usos para 'velhos' remédios permitiram aumentar esperança para mieloma múltiplo.

Alguns já estavam disponíveis, ainda que destinados a usos diferentes. Outros estão a ser testados em várias doenças ao mesmo tempo. A procura, pela indústria farmacêutica, de caminhos e usos alternativos para medicamentos que já se encontravam à venda tornou possível que os doentes com mieloma múl-tiplo, um cancro até há bem pouco tempo sinónimo de sentença de morte, pudessem agora encarar a doença com uma esperança renovada.

Linhas de investigação abertas com medicamentos que já estavam aprovados é, de resto, uma prática cada vez mais comum, desde o remédio contra a sida que se mostrou eficaz no combate ao cancro, passando pelo fármaco contra as arritmias que resulta na luta contra os tumores da próstata. E foi também o caso da talidomida. «Este fármaco foi usado no final da década de 50 para controlar as náuseas das grávidas e como sedativo», confirma ao Destak Paulo Lúcio, hematologista do Hospital Militar e do IPO de Lisboa.

Retirada do mercado devido aos seus efeitos teratogénicos, o mesmo é dizer, à sua capacidade para criar malformações, hoje é um dos agentes que, depois de novamente estudado, mostrou ter acção sobre algumas doenças hematológicas, entre as quais o mieloma múltiplo. Acabou por ser de novo aprovado e encontra-se disponível para tratar estes doentes. Mas outros há que embora tenham como primeira indicação o tratamento do mieloma múltiplo são usados para tratar síndromes mielodisplásicos, tendo ainda sido testados, com resultados positivos, em leucemias linfocíticas crónicas e em linfomas não Hodgkin.

Nova esperança

Ainda não é crónica, mas segundo Susie Novis, presidente e co-fundadora da Fundação Internacional do Mieloma, para lá caminha. O mieloma múltiplo, doença que lhe roubou o marido em apenas dois anos, já não parece o mesmo. Em Paris, durante o 13º workshop internacional dedicado ao mieloma múltiplo, em que o Destak esteve presente, mostrou-se confiante na possibilidade, não muito distante, de uma cura.

E tudo graças aos novos agentes que, segundo Brian Durie, director médico da fundação, «podem ser usados para controlar a doença durante cinco ou até dez anos. Falamos de um tipo de cancro muito perigoso, que pode ser tratado com medicação bem tolerada».

Medicação acessível

Foi há cerca de dez anos que tudo mudou. «Desde os anos 60, assistiu-se sempre a um aumento da mortalidade destes doentes», confirma Paulo Lúcio. «A partir de 2000 a curva inverteu-se e nos últimos dez anos duplicou a sobrevivência.» E os responsáveis são os imunomoduladores, ou seja, medicamentos que «regulam o sistema imunitário, estimulam-no a rejeitar as células cancerígenas», explica Kenneth Anderson, especialista do Instituto Dana-Farber, nos Estados Unidos.

Por cá, segundo os especialistas, embora «caros», estes novos medicamentos estão acessíveis a todos. «Foram autorizados pela Agência Europeia do Medicamento e os hospitais, com mais ou menos resistência, têm permitido o seu uso», explica ao Destak Herlander Marques, presidente da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas. Até porque, acrescenta Paulo Lúcio, «estes fármacos têm uma enorme eficácia, o que faz com que não seja fácil abdicar deles».

PERGUNTAS & RESPOSTAS

O que é, quem afecta, como se faz o diagnóstico

O que é o mieloma?

Trata-se de um tumor das células plasmáticas que afecta a produção de glóbulos vermelhos e se desenvolve à custa da medula óssea.

Porque é que se chama mieloma múltiplo?

Porque afecta múltiplas zonas da medula óssea.

Quais são os sintomas?

Dores de intensidade variada, não raras vezes junto às costelas. Tem como consequências a anemia, destruição de tecido ósseo, redução do sistema imunitário, falha renal.

Quais as causas da doença?

Ainda não são totalmente conhecidas, embora se acredite resultar da influência dos factores genéticos, contacto com determinadas substâncias químicas, exposição a radiações.

Quando é mais frequente?

Afecta sobretudo as pessoas com mais idade (é menos frequente antes dos 40 anos), vitima mais homens do que mulheres e tem ainda uma maior incidência na população de raça negra.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é feito com recurso a análises ao sangue e à urina, destinadas a provar a existência do aumento de umas determinadas proteínas - as imunoglobulinas. Pode também ser feito um exame à medula óssea.

OUTROS DADOS SOBRE A DOENÇA

Mais de 100 novas drogas em análise

Embora considerada uma doença rara, não é por isso que o mieloma múltiplo tem sido negligenciado no que à busca de novos tratamentos diz respeito. Segundo a Fundação Internacional do Mieloma, mais de 100 novas drogas estão actualmente, só nos EUA, a ser alvo de ensaios clínicos destinados a avaliar a sua eficácia no combate à doença e segurança para quem a tomar. A isto junta-se ainda a possibilidade de combinar vários medicamentos e criar regimes capazes de ajudar os doentes a manter as rotinas diárias durante anos.

Doença com tratamentos diferentes

São várias as novas possibilidades de tratamento da doença, que são muitas vezes usadas em diferentes combinações. Juntam-se às novidades a quimioterapia e ainda o transplante autólogo de medula óssea, ou seja, das células do próprio doente, depois de tratadas com elevadas doses de quimioterapia, para erradicar o cancro. Quando o mieloma não apresenta sintomas, os médicos podem sugerir esperar mais um pouco antes de iniciar o tratamento, mantendo sempre o doente sob observação.

Envelhecimento faz aumentar incidência

Chama-se mieloma múltiplo, um nome que não é familiar a muita gente, ou não fosse esta uma doença considerada rara. Ao todo, por ano, 400 portugueses são obrigados a enfrentar o diagnóstico de um problema que ainda não tem cura.

Apesar de terem sido - e continuarem a ser - amplamente investigadas, «não conhecemos todas as causas determinantes da doença», confirma Graça Esteves, hematologista no Hospital de Santa Maria. Agentes químicos, radiação, assim como factores de stress físico e psicológico foram identificados como possíveis causas, mas ainda sem certezas. «O que significa», acrescenta a médica, «que não é possível prevenir o mieloma».

Com uma sobrevida média à volta dos seis anos, que se pretende ver aumentada ainda mais, a doença afecta 750 mil pessoas em todo o mundo, números que têm vindo a aumentar. «Com o envelhecimento, automaticamente aumenta a incidência do mieloma», esclarece Herlander Marques, o presidente da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas, que aproveita para explicar que a doença continua a afectar sobretudo os mais idosos.

Quanto ao facto de serem cada vez mais os casos diagnosticados em pessoas jovens, arrisca uma explicação: «As doenças são diagnosticadas cada vez mais cedo, o que faz com que consigamos apanhar as pessoas em idades ainda mais jovens.»

Sintoma: dores

Com sintomas como os problemas renais, passando pela dor óssea e muscular, o diagnóstico acaba por não ser, muitas vezes, uma tarefa fácil. «Tendo em conta que estamos a falar de pessoas mais idosas, muitas vezes estas dores são associadas ao envelhecimento e uma grande percentagem dos doentes chega até nós já depois de ter consultado um reumatologista», confirma Paulo Lúcio.

É um facto que, acrescenta o especialista, as análises de rotina ao sangue podem «levantar suspeitas», mas também é uma realidade que são referidos aos médicos cada vez mais doentes «numa fase assintomática».

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