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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Portugal: Uma outra forma de cortar no peso

São pouco mais de três dezenas de cirurgiões que conseguem, no mundo, colocar uma banda gástrica através de uma simples incisão no umbigo. Um deles é português.

Com 102 quilos, Ana Cristina já é considerada obesa. É pelo menos isso que garante o seu índice de massa corporal (35), mas não era necessária confirmação científica para atestar os problemas que os quilos a mais causaram.

«Tenho dificuldade em andar, as pernas sempre muito inchadas, dores nas articulações... Não posso car-regar pesos e até o simples gesto de limpar as costas depois do banho me custa muito», confirma. No quarto número 11 da Clínica de Santo António, na Reboleira, concelho da Amadora, aguarda pela cirurgia de colocação de uma banda gástrica que lhe devolveu a esperança de recuperar um corpo que os excessos fizeram desaparecer.

Depois de uma depressão nervosa, que forçou a um internamento psiquiátrico, não voltou a ser a mesma. Em apenas seis meses engordou 30 quilos, peso do qual nunca se conseguiu livrar. «Fui a nutricionistas, segui as regras todas - comer de duas em duas horas, ter cuidado com os alimentos, não estar muito tempo sem comer -, mas os medicamentos que tomava abriam-me muito o apetite», admite ao Destak.

Confessa-se incapaz de gostar da imagem devolvida pelo espelho, sem forças para lidar com um corpo que já não controla. Sem conseguir esconder a ansiedade, sobretudo para recuperar o que diz ter perdido, entra numa das salas do bloco operatório da clínica pouco depois das 11h00, momentos antes da equipa liderada pelo cirurgião Rui Ribeiro, que lhe vai 'apertar' o estômago quase sem recurso ao bisturi. De facto, este servirá apenas para fazer uma incisão no umbigo, o local a partir de onde tudo vai acontecer.

Minúcia e experiência

Embora a colocação de uma banda gástrica - uma espécie de anel colocado à volta do estômago, que o aperta, reduzindo a sua capacidade - seja um procedimento relativamente vulgar, aquele a que Ana Cristina se submeteu foge à regra. Isto porque é feito com recurso a uma abordagem diferente: a SILS (Single Incision Laparoscopic Surgery - laparoscopia de incisão única). O mesmo é dizer que tudo é feito por via umbilical, com apenas uma incisão.

Rui Ribeiro é o precursor da técnica em Portugal e um dos 30 cirurgiões a nível mundial com formação para a realizar. São as suas mãos experientes que guiam os instrumentos, graças ao apoio de uma câmara de vídeo, que permite à equipa visualizar o que se passa no interior do corpo de Ana Cristina.

Em busca do amor-próprio

A gordura é bem visível, como que um mar amarelo que torna difícil uma observação mais pormenorizada. Mas o médico sabe bem onde se tem de dirigir. É por baixo do fígado que tudo se passa, levantado com recurso a instrumentos que dispõem de umas pequenas pinças nas pontas, como que substituindo as mãos do cirurgião. E é também através delas que é colocada e apertada a banda, um trabalho de minúcia e paciência, que termina, com sucesso, cerca de duas horas depois do seu início.

O fim da intervenção é o arranque, para Ana Cristina, de outra fase: a de recuperar a figura que tinha e o amor-pró-prio que o peso a fez perder.

Cirurgia com menos dor, menos risco de lesões e sem cicatriz

«Menos dor, menor risco de lesões e complicações, melhores resultados estéticos - a cicatriz não é visível.» Estas são algumas das vantagens da abordagem SILS, às quais Rui Ribeiro junta ainda «uma recuperação mais rápida».

A novidade chegou a Portugal em 2008, contando-se já 45 doentes operados no nosso país, número que nos torna «uma das experiências mais extensas da Europa», apressa-se a esclarecer o médico. Mas apesar das vantagens, esta é, para os especialistas, uma técnica mais complicada, que exige mais conhecimentos. Por isso, nem todos os doentes podem ser submetidos à intervenção por este meio. «Têm de ser doentes mais fáceis, ou seja, não muito obesos, sem grandes complicações associadas», acrescenta.

Mais ainda, nem todos os que sofrem de excesso de peso têm indicação para colocar uma banda gástrica. De facto, apenas 5% o têm. «Trata-se de uma terapêutica muito usada há dez anos, mais simples, mais barata, mas puramente restritiva», explica o cirurgião, acrescentando que «aperta a entrada do estômago, fazendo com que os alimentos passem lentamente». O que significa que «não deixa comer muito de uma vez, mas não impede os obesos de comerem doces, não disciplina», sendo ainda menos resistente ao passar do tempo.

O esperado, após a colocação de uma banda gástrica, é que o doente perca 60% do seu peso no prazo de um ano, sendo depois a perda mais gradual.

Combate via cirúrgica

Para além da banda gástrica, os médicos têm ainda ao seu dispor outro tipo de intervenções cirúrgicas igualmente capazes de intervir na luta contra a obesidade. Entre elas contam-se o balão, que é uma forma de ajudar a perder peso temporária, que visa causar uma sensação de plenitude gástrica, diminuindo o consumo de alimentos. Ou ainda o bypass gástrico, uma técnica que permite criar um estômago mais pequeno, separado do resto do estômago.

Fórmula para calcular os quilos a mais

Chama-se índice de massa corporal - ou IMC - e trata-se da fórmula que mais facilmente permite determinar o excesso de peso. E é fácil de conhecer. Qualquer um pode saber o seu, bastando apenas ter à mão a altura e o peso. Depois, é só introduzir os dados nas muitas calculadoras disponíveis na Internet e confirmar se tem ou não peso a mais. Contas que podem ajudar a determinar se é hora de começar a olhar para a balança de outra maneira.
Via cirúrgica não é a solução

Num país onde 17% da população já sofre com obesidade e mais de metade tem peso a mais, destacando-se, no caso das crianças, como um dos piores na Europa - 30% dos mais pequenos apresentam sobrepeso e mais de 10% são obesos -, Rui Ribeiro não tem dúvidas de que este é «o principal problema de saúde pública do século XXI».

Uma situação que deveria preocupar a sociedade e os governantes, já que «os custos associados a esta doença são enormes. Estas pessoas têm mais doenças cardiovasculares, mais cancros, é maior a destruição das articulações, o que aumenta o consumo de anti-inflamatórios, sofrem de depressões, o que contribui para o aumento do consumo de ansiolíticos e antidepressivos. Por isso, ao resolver a obesidade, resolvemos outras coisas».

E o caminho não é, segundo o especialista, o da via cirúrgica. «A solução tem de ser civilizacional, temos de fomentar a prática de exercício, ensinar a comer... Esse é um esforço que vai ter de ser feito», acrescenta ainda o médico cirurgião.

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