Projeto para tornar linguagem mais compreensível já reescreveu 163 bulas de remédios para problemas cardiológicos e gestantes
Preocupados com a baixa adesão de pacientes aos tratamentos, médicos do Hospital Universitário de Brasília (HUB) decidiram estudar os motivos que impediam a população atendida de seguir as recomendações.
Identificaram que a incompreensão sobre o uso correto dos medicamentos, as indicações e os possíveis efeitos colaterais – dados que estão nas bulas dos remédios – contribuíam de forma significativa para que apenas metade dos pacientes seguisse as orientações médicas prescritas por eles.
Hervaldo Carvalho, coordenador da emergência do hospital, conta que, no mundo inteiro, a taxa de adesão de pacientes aos tratamentos fica entre 40% e 60%.
“Isso é muito pouco e decidimos compreender as razões para tanto”, afirma. Carvalho e os colegas do Laboratório Interdisciplinar do HUB (onde trabalham psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e farmacêuticos) perceberam que, além de bulas indecifráveis, o baixo poder aquisitivo para seguir as dietas recomendadas ou fazer os exercícios são outros empecilhos à boa adesão aos tratamentos.
Foi então que o grupo decidiu atuar onde era possível: combatendo a falta de informação. Os alunos de um curso de especialização em Farmacologia oferecido pela universidade assumiram a missão de transformar as bulas dos medicamentos mais receitados pelos cardiologistas e pela equipe que acompanha as gestantes do hospital.
linguagem técnica e própria apenas profissionais de saúde teria de dar lugar a termos simples, sem deixar informações importantes de lado. Além disso, criaram panfletos explicativos sobre doenças e dietas alimentares para distribuição entre os pacientes.
“Um paciente só vai usar um medicamento ou mudar um hábito se achar que aquilo serve para ele. Precisamos fornecer o máximo de informações e orientações para que ele tome essa decisão. Esse é o nosso objetivo”, destaca Carvalho.
A tarefa de “traduzir” as bulas não foi simples. Depois de os farmacêuticos criarem as primeiras bulas simplificadas, os cardiologistas revisaram o material. Em seguida, um grupo de pacientes avaliou as novas orientações. Os ajustes foram feitos após cada passo. O mesmo foi feito com os medicamentos para as gestantes.
Ao todo, foram elaboradas 68 novas bulas para os remédios mais comuns para o tratar doenças cardiológicas e 95 para os medicamentos indicados para grávidas ou mulheres que estão amamentando.
O projeto deve ser expandido para outras áreas médicas em breve. O grupo também planeja diversificar as mídias utilizadas para transmitir as orientações. As bulas já estão disponíveis em sites específicos de cardiologia e gravidez e lactação, e em livro. O próximo passo é criar vídeos com o conteúdo.
“Pela nossa experiência de ensino, sabemos que as pessoas aprendem melhor com linguagens diferentes às vezes diferentes. Nosso objetivo é atender a essas necessidades”, ressalta Carvalho.
Desafio linguístico
As dificuldades dos farmacêuticos e dos pacientes extrapolaram também as fronteiras da língua. Carvalho conta que muitos pacientes não compreendem expressões muito simples, como a palavra “vômito”. “Por incrível que pareça, há muitas palavras que não entendidas.
"Tivemos de enfrentar os regionalismos da linguagem dos pacientes para elaborar o material”, conta o cardiologista.
Além da linguagem simples, os farmacêuticos e os médicos criaram símbolos coloridos para ajudar na identificação de riscos de reações. Um exemplo foram as cores do semáforo: vermelho para proibido, amarelo para precaução e verde para liberado.
Hoje, os médicos entregam aos pacientes atendidos pelo grupo de especialistas do laboratório os remédios, as bulas simplificadas e ainda um receituário com tabela de horários para cada medicamento. Símbolos como o Sol e a Lua também são usados para ajudar os pacientes a identificar o horário certo para tomar cada remédio.
As bulas entregues aos pacientes são impressas em papel A4, nas impressoras disponíveis no hospital. O problema é que nem sempre são coloridas e não há recursos para imprimi-las em escala ampla, como os médicos gostariam. Carvalho conta que eles estão buscando parcerias com gráficas para ampliar a entrega do material.
Determinação
Desde 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que as bulas de remédios tivessem textos mais acessíveis aos pacientes, com linguagem mais didática e letras maiores, outra reclamação e dificuldade dos pacientes. Para Carvalho, no entanto, as mudanças não tiveram eficácia.
Fonte IG
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