Um dos maiores desafios da bioengenharia é o desenvolvimento de próteses que cheguem o mais próximo possível do membro amputado.
Há décadas, cientistas buscam materiais e novas tecnologias que possam proporcionar ao usuário qualidade de vida e independência. Porém, no caso das peças que tentam reproduzir o movimento das mãos, não foi possível, até agora, resolver uma das maiores reclamações dos usuários: o motor que as colocam em funcionamento tem engrenagens barulhentas e pesadas, que não permitem a articulação de todos os dedos. Sabendo dessa lacuna, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram um equipamento elétrico menos barulhento, mais leve e que pode acionar todos os dedos, simulando o movimento humano.
Os motores utilizados nas próteses atuais são chamados de rotativos — aqueles que giram como se fossem um ventilador — e se localizam nas falanges de cada dedo artificial. Para que haja o movimento, é preciso uma série de engrenagens, formada por roldanas e polias, que abrem e fecham. Com isso, em apenas um dedo, há três motores atuando, com peso entre 400g e 500g. Por conta dessas características, as próteses só acionam os dedos indicador e médio, restringindo o movimento da pessoa apenas no agarrar e soltar. Além do peso, ao girar, o motor faz um barulho descrito pelos usuários como um som robótico, provocando o maior número de reclamações de quem utiliza as próteses.
No projeto desenvolvido pelos pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, que faz parte da tese de doutorado da engenheira eletricista Aline Durrer Patelli Juliani, o motor atua como se fosse um músculo, fazendo com que o dedo seja flexionado. No lugar de polias e roldanas, molas localizadas em pontos semelhantes às juntas do dedo humano se encarregam de fazer o movimento de retorno (veja infografia). “Utilizamos um mecanismo desenvolvido por pesquisadores italianos por ser semelhante ao movimento do tendão da mão humana”, diz Aline.
O tipo de motor desenvolvido no projeto pela USP é da classe linear, pois ele atua em linha reta — igual a de um trem —, sem precisar girar seus componentes, como ocorre com o motor rotativo.
A maior vantagem, em relação aos rotativos, é que os lineares não necessitam de adaptação mecânica, como engrenagens, e não geram barulho.
Ao substituir as engrenagens do motor rotativo pelas molas, como propõe o estudo, o peso pode cair pela metade, facilitando sua utilização para todos os cinco dedos. “Ainda não podemos mensurar o peso correto do motor, mas temos a certeza de que será muito mais leve que o existente”, conta Diógenes Pereira Gonzaga, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da EESC/USP e orientador do projeto.
Segundo Aline, o motor linear aplicado à bioengenharia é pouco explorado no Brasil e, também, mal descrito pela literatura. “Isso nos motivou a estudar o tema”, diz. O grande desafio, porém, estava em desenvolver sistemas eletrônicos de acionamento e controle do motor linear para a bioengenharia. “No Brasil, não temos conhecimento de ninguém que se debruce sobre o tema”, lamenta Gonzaga. Por isso, Aline precisou ir à Universidade de AACHEN, na Alemanha, para se aperfeiçoar na criação desses sistemas aplicados à bioengenharia.
De volta ao Brasil, a engenheira eletricista realizou o projeto em três etapas. Na primeira, foi feita uma pesquisa na área de bioengenharia para saber quais eram os requisitos necessários, como a intensidade da força, o movimento e a velocidade que o dedo deve apresentar. Na segunda etapa, o motor foi projetado, construído e testado; e, na última, foi construído o dedo indicador, conectado ao motor.
Já o sistema de acionamento eletrônico foi desenvolvido em conjunto com os professores José Roberto Monteiro e Manoel Aguiar, ambos do Departamento de Engenharia Elétrica da EESC/USP. “Conseguimos chegar à velocidade, à força e aos movimentos ideais para empurrar e puxar um objeto”, comemora o orientador do projeto.
Arimoramentos
Contudo, os pesquisadores admitem que ainda falta percorrer um longo caminho até que o projeto possa ser utilizado na prática, em membros superiores. “Essa pesquisa é apenas um primeiro protótipo, projetado para a realização de testes e para validar a metodologia do projeto. Além de possibilitar a verificação dos cumprimentos das exigências da aplicação”, explica Aline.
Segundo Gonzaga, é preciso realizar outros estudos; entre eles, a implementação do controle do motor, além de buscar materiais nobres, que possibilitem diminuir as dimensões da prótese, já que o motor foi concebido para caber dentro do antebraço de um indivíduo.
Com esses aprimoramentos, o projeto poderá ser utilizado na área de engenharia de reabilitação, possibilitando o uso da tecnologia de estímulos mioelétricos: por meio de sensores conectados no antebraço, as contrações dos músculos são captadas, e os sinais chegam até o cérebro. “Vencemos um primeiro obstáculo muito importante ao criar uma metodologia de uso do motor linear aplicado à bioengenharia. Nesse momento, é isso que importa”, acredita o engenheiro.
Segundo ele, já existem empresas interessadas em desenvolver, com a universidade, sistemas eletrônicos para o controle e articulação de membros amputados, já que o número de pessoas que necessitam de próteses em todo o mundo chega a 18 milhões — pelo menos 30% dos casos são de membros inferiores e superiores. “Para nós, é gratificante atuar na criação de dispositivos que possam trazer de volta a qualidade de vida para pessoas que já sofrem tanto”, finaliza Gonzaga.
Fonte Correio Braziliense
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