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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A Geladeira e a Saúde

O mercado de geladeiras vem sofrendo a influência do efeito estufa e da mudança de clima que afeta o mundo nas últimas décadas. A utilização do CFC e do consumo de energia elétrica é objeto de regulação em muitos países, a qual a indústria tem respondido com eficiência produzindo novos modelos desprovidos desse gás e cada vez mais eficientes do ponto de vista do uso de energia elétrica.

O aumento de temperatura do globo terrestre tem ampliado a expectativa de vendas e o número de modelos é cada vez maior, com duas portas, freezer na parte superior, na parte inferior, com dispensador de água ou gelo na porta, tamanhos e capacidades das mais diversas, estilos modernos ou retrô, cores e tonalidades das mais variadas, além da incorporação da tecnologia digital que possibilita a programação do descongelamento de alimentos automaticamente ou controlados por wireless.

Com toda essa diversidade o consumidor tem sempre alguma dificuldade para escolher o refrigerador que melhor se adapta a sua necessidade, mas o processo de comparação de tamanhos, design, consumo de energia, preços, estilo da cozinha onde será colocada e de outras informações que estão totalmente disponíveis nos manuais e que podem ser constatadas in loco, permitem que esse consumidor compre o produto que o atenda integralmente.

Assim é o mercado de geladeiras, em que há a necessidade de propaganda para que os atributos dos produtos sejam divulgados e gerem a vontade no consumidor de trocar de equipamento e onde o vendedor é treinado pela indústria para destacar esses atributos e ajudar a esclarecer as dúvidas que eventualmente surjam nesse processo.

Vamos pensar agora no mercado da saúde e compará-lo com o mercado de geladeiras: na saúde o consumidor ou paciente não tem a sua disposição todas as informações para fazer a escolha do melhor tratamento que atenderá suas necessidades. Essas informações são do médico e essa decisão é realizada por esse profissional, que detém todo o conhecimento sobre a tecnologia a ser utilizada para o diagnóstico e o tratamento do paciente, de forma isenta e sempre pensando no melhor resultado para esse, ou deveria ser dessa forma.

Será que é assim que acontece? Será que a indústria de equipamentos, medicamentos, materiais e de prestação de serviços de saúde não atua como a indústria de geladeiras, fazendo propaganda de seus produtos e treinando os seus vendedores para que os pacientes consumam mais das suas marcas e produtos? Será que a indústria da saúde, com o seu aspecto social e relevância para as populações deve estar submetida a esse modelo de mercado, colocando o cuidado do paciente como uma forma de comercialização de produtos?

Esses questionamentos têm sido feitos já há muitos anos por todos os governos e países no mundo e alguns escolheram por transformar a indústria da saúde num modelo de pleno mercado, como é o caso dos Estados Unidos, em que a propaganda de medicamentos e de tratamentos é feita em todas as mídias, os especialistas nas tecnologias são a maioria dos profissionais médicos e os hospitais são os locais preferidos para o cuidado do paciente. Esse modelo tem se mostrado muito caro e de pouca eficiência para resolver o problema dos pacientes, por outro lado a indústria tem bons resultados.

Em outros países, como em quase toda a Europa, Canadá, Austrália, entre outros, se resolveu que a indústria estaria a serviço das suas populações e que o modelo teria um controle maior por parte do Estado. Nesses o cuidado do paciente é feito por um médico generalista, que é muito prestigiado pelo amplo conhecimento que detém e pelos resultados que consegue, e o especialista está no ápice de uma pirâmide como referência para os casos mais complexos e que necessitam da sua intervenção. Nesse modelo o número de médicos generalistas e especialistas é controlado pelo Estado, que define o número de vagas para sua formação de acordo com as necessidades da população, sendo que em nenhum deles há menos do que 35% de vagas para especialização em medicina geral. Os resultados obtidos com esse modelo são melhores e com menores custos que o do mercado (vide http://gamapserver.who.int/mapLibrary/).

E no Brasil que modelo adotamos? Ambos, com predominância do modelo de mercado, pois esse tem um volume maior de recursos (56% dos gastos do país) e detém o poder de direcionamento da formação de especialistas, que sobram nos grandes centros e estão ausentes nas periferias e interior do país.

Já no sistema público, o SUS, o modelo é do médico generalista que, entretanto, não tem candidatos para suas vagas, por total falta de prestígio, num mercado que dá muito valor e propagandeia a sofisticação tecnológica como a melhor forma resolução dos problemas de saúde.

O brasileiro sabe escolher geladeiras e o faz bem, porém tem sido levado a achar que saúde também segue o mesmo modelo de compra, apesar de que as lojas públicas não tem o produto que procuram.

Com perspectivas de aumento de recursos para o SUS, através da regulamentação da emenda 29, está na hora de se repensar o modelo da indústria da saúde no Brasil. O médico, figura central desse processo, tem papel importantíssimo na mudança e deve rever conceitos e bandeiras, defender um SUS que remunere de forma adequada o médico, ampliando em muito o número de generalistas, que controle as vagas das residências médicas, priorizando as de generalista e das especialidades básicas.

As escolas médicas não devem ser fechadas, mas sim melhoradas – no Brasil há 17 médicos para cada 10 mil habitantes, na Europa a média dos países é de 35 médicos para cada 10 mil habitantes (1).

Os profissionais da saúde não médicos contribuirão com a melhoria e ampliação da assistência assumindo maiores responsabilidades no atendimento dos pacientes, deixando para os médicos os problemas que necessitam do seu conhecimento e habilidade – em grande parte dos países uma receita de óculos é fornecida por um profissional técnico e os oftalmologistas estão centrados nas doenças dos olhos que somente eles podem tratar (catarata, glaucoma, degeneração macular), por exemplo.

A discussão desses temas deve ser ampliada de modo a permitir que o cidadão brasileiro possa optar entre consumir saúde como geladeiras ou ter um sistema que atenda suas necessidades e que melhore sua vida.

Referencias:
1. World health statistics 2011; WHO Library Cataloguing-in-Publication Data; World Health Organization; http://www.who.int/whosis/whostat/EN_WHS2011_Full.pdf

Por Silvio Possa

Fonte saudeWeb

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