Cumprir as promessas feitas à população, lidar com questões orçamentárias, crises financeiras e políticas, e ainda aparecer em uma série de eventos públicos com boa aparência. A rotina de presidentes é tão cansativa e estressante que é comum causar uma multiplicação de cabelos brancos naqueles que ocupam os cargos.
Não foi diferente com o mandatário dos Estados Unidos, Barack Obama, cuja cabeça grisalha e rugas viraram tema comum na imprensa americana. O tema também chamou a atenção de S. Jay Olshanky, demógrafo da Divisão de Epidemiologia e Bioestatística da Universidade de Illinois em Chicago (UIC), que se perguntou se o estilo de vida a que os líderes de países são submetidos pode fazer com que morram mais cedo. E a resposta que ele encontrou foi não, muito pelo contrário. O poder costuma ser exercido por pessoas que costumam viver mais tempo que a média das demais.
“Para minha análise, avaliei a expectativa de vida de cada presidente levando em consideração o envelhecimento acelerado desde o dia que assumiram o poder e comparei com o quanto eles realmente viveram. Dos 34 presidentes dos Estados Unidos que morreram de causas naturais — porque excluí da pesquisa os quatro assassinados —, 23 superaram a idade esperada, mostrando que a presidência não encurta, em geral, a vida de seus ocupantes”, detalha Olshanky, em entrevista ao Correio.
O estudo, publicado este mês no Journal of the American Medical Association, aponta que os presidentes avaliados viveram até em torno dos 78 anos, enquanto a expectativa média de vida para as pessoas de suas épocas era de 67 anos. “Embora seja possível que os presidentes dos EUA fiquem grisalhos e com rugas mais rapidamente, as pessoas não morrem por esses fatores. Os primeiros oito líderes viveram mais ou menos 79,8 anos, em um período que a expectativa de vida no país era metade disso”, ressalta o pesquisador.
De acordo com o demógrafo, a pesquisa não indica que o cargo simplesmente forneça anos de vida a mais a quem o ocupa, mas ilustra bem os benefícios do alto status socioeconômico. Afinal, só chegaram à presidência do país pessoas com uma vida bem mais confortável que a média da população. Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer, a conclusão de Olshanky faz sentido. “Isso porque quando chegam à presidência, esses homens são pessoas bastante ricas, mesmo os que vieram de famílias classe média. Outra questão é que, durante o governo, eles têm acesso aos melhores cuidados médicos do período”, enumera. Fleischer destaca que Obama é uma exceção, por a família paterna dele ser de origem africana.
Fenômeno mundial
O médico Alexandre Kalache, ex-chefe do Programa de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), diz que pessoas com nível universitário, acesso a bons tratamentos médicos e a uma alimentação adequada evidentemente vivem mais tempo. E isso vale tanto para os Estados Unidos quanto para qualquer lugar do mundo, em qualquer época. “Veja o (ex-presidente Bill) Clinton: com seu sobrepeso e passado médico de problemas no coração, possivelmente estaria morto se não tivesse tido acesso a uma cirurgia cardíaca. Esse procedimento e todo o apoio hospitalar que teve sem dúvida explicam, em grande parte, por que continua vivo”, exemplifica.
“No Brasil, veja o exemplo de Fernando Henrique Cardoso, que está com 80 anos. A maioria dos homens nascidos em 1931 morreu há muito tempo. Poucos sobreviveram e menos ainda estão tão bem de saúde como ele. Sua vida foi marcada por estresse, mas ele não apresenta nenhum sinal de envelhecimento precoce”, esmiúça. “Fundamentalmente, isso acontece porque ele nasceu em berço privilegiado. Compará-lo com homens de sua época sem considerar o contexto em que viveram é covardia”, determina o doutor em saúde pública.
O especialista em longevidade Rodrigo de Abreu e Lima, hematologista e presidente do Grupo Acreditar, garante que as principais variáveis que contribuem com o aumento da expectativa de vida são o acesso a saneamento básico, educação e boa alimentação. “Esses fatores fazem com que a população deixe de morrer por doenças infecciosas. Além disso, pessoas com mais condições financeiras costumam ter a possibilidade de adotar hábitos saudáveis, fazer exercícios físicos habitualmente e se alimentar melhor. Elas também apresentam menores níveis de vícios como tabagismo e alcoolismo”, detalha Lima.
Ele acrescenta que presidentes têm uma equipe médica própria, com assistência de mais qualidade do que a grande maioria da população. “Eles são mais preparados para controlar fatores de risco e ter acompanhamento médico em qualquer ocasião, quando surge qualquer sintoma de um problema de saúde”, ressalta. Embora considere que o estresse devido à pressão do trabalho seja um fator que pode diminuir — e muito — a qualidade de vida, Lima afirma que essa característica pode ser administrada de forma que o indivíduo continue a ter saúde. Kalache complementa: “Quem vive bem sob estresse tem um estímulo para continuar vivo. E há outro fator presente na vida desses líderes que certamente os ajuda na longevidade, mas é difícil de medir. Chama-se poder. Quem tem poder sabe que é bom e dele desfruta, desde que tenha vocação para tal”, afirma. Ele diz que a autoestima elevada é mais uma questão ligada à qualidade de vida de qualquer pessoa, inclusive chefes de Estado e governo.
Crítica
Segundo o ex-chefe do Programa de Envelhecimento e Saúde da OMS, o artigo relaciona a vida dos presidentes com a de analfabetos, negros —notoriamente discriminados nos Estados Unidos —, trabalhadores braçais, enfim, grupos de indivíduos que certamente não tiveram as mesmas condições de vida dos chefes de Estado. “A grande falha metodológica do artigo é comparar a duração da vida de homens de alto nível educacional e socioeconômico com a de homens comuns. Para o método ser realmente correto, seria necessário avaliar qual a probabilidade de os presidentes americanos viverem tanto ou mais do que homens de mesma idade e com o mesmo nível educacional, social e financeiro de sua época”, aponta. “Isso seria virtualmente impossível de fazer, no entanto”, pondera.
Dos 34 presidentes dos Estados Unidos que morreram de causas naturais, 23 superaram a idade esperada, mostrando que a presidência não encurta, em geral, a vida de seus ocupantes"
Fonte Correio Braziliense
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