O alcoolismo é um transtorno heterogêneo, por isso claramente não há um medicamento que funcione para todos |
Se o alcoolismo é uma doença, há esperança de encontrar a cura em uma pílula? Sim e não. Nos últimos anos, tendo mapeado as mudanças físicas que o cérebro sofre com anos de consumo habitual, pesquisadores descobriram um punhado de medicamentos promissores – e, dizem alguns, subutilizados – que, combinados a terapia, ajudam alcoólatras a quebrar o ciclo da dependência.
Para aqueles para quem os remédios funcionam, eles certamente podem parecer uma cura.
"Eu senti como se tivesse encontrado algo que finalmente me ajudou a enfrentar a ânsia de beber", diz Patty Hendricks, de 49 anos, que usou um desses medicamentos, a naltrexona, para ajudar a controlar o hábito de beber depois de quatro tentativas fracassadas de reabilitação.
"Acho que não teria conseguido ficar sóbria sem ele."
O problema é que os alcoólatras, como os pacientes com câncer, não são um grupo homogêneo. As pessoas bebem compulsivamente por inúmeras razões, da genética à ansiedade pós-traumática. A pílula que ajudou Hendricks a ficar sóbria talvez não faça nada, digamos, por um veterano que bebe para evitar os pesadelos.
"Assim como nem todos os cânceres de mama são iguais", afirma Nora D. Volkow, diretora do Instituto Nacional para o Abuso de Drogas dos Estados Unidos.
"O alcoolismo é um transtorno heterogêneo, por isso claramente não há um medicamento que funcione para todos."
Em vez disso, alguns especialistas em vício agora imaginam um futuro – talvez a não mais de uma década de distância – em que o tratamento para o alcoolismo imite métodos contemporâneos contra a depressão: os pacientes escolheriam entre uma variedade de medicamentos para encontrar o que melhor lhes conviesse; em seguida, recorreriam a terapia e outras ferramentas para alcançar uma recuperação a longo prazo.
"O que esperamos é realmente ter um leque de tratamentos entre os quais os médicos possam escolher", diz Raye Z. Litten, diretora adjunta do Instituto Nacional para o Abuso do Álcool e Alcoolismo.
"Se um medicamento não funcionar ou se os pacientes não conseguirem tolerá-lo", eles "poderão experimentar outro e assim por diante".
Nem todo mundo que trabalha com tratamento de alcoólatras acredita que a medicação é um bom caminho para a sobriedade. Tanto os Alcoólicos Anônimos quanto o Centro Betty Ford, por exemplo, têm programas que enfatizam a abstinência, não os comprimidos ou as injeções. Alguns críticos dizem que tratar o alcoolismo com medicamentos simplesmente substitui uma droga por outra.
Estamos muito longe dos dias em que programas de 12 passos e o autocontrole eram considerados os únicos caminhos para a sobriedade. Contudo, como os médicos passaram a ver o vício menos como uma falta de vontade do que como uma doença crônica que exige uma gestão a longo prazo, como diabetes ou pressão arterial elevada, a procura de medicamentos que podem ajudar tem se intensificado.
Entre os medicamentos atualmente disponíveis, apenas três foram aprovados pela Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) para o tratamento de alcoolismo. Entre esses, apenas dois, a naltrexona e o acamprosato, reduzem, na verdade, a ânsia de beber. O terceiro, o dissulfiram, vendido como Antabuse, faz com que os pacientes se sintam enjoados se beberem álcool, por meio do bloqueio da capacidade do corpo de metabolizá-lo.
Ao ajustar o sistema químico de recompensa do cérebro, tanto o acamprosato quanto a naltrexona reduzem os efeitos e o fascínio pelo álcool entre alguns alcoólatras. Nenhum deles é um medicamento milagroso. Em dezenas de ensaios clínicos, a naltrexona e o acamprosato, consumidos por via oral, funcionaram bem para cerca de um a cada sete alcoólicos e não tiveram praticamente nenhum efeito sobre os outros.
Litten disse que ainda não foram realizados estudos suficientes no mundo real para determinar a eficácia dos medicamentos em configurações "naturalistas", nem para identificar quanta duplicidade havia entre os dois grupos que reagiram a cada droga.
Porém, a relevância desses medicamentos não se resume, de modo algum, à sua eficácia, dizem os especialistas em vício.
"Quando eu era aluno de Medicina, se alguém sugerisse tratar o alcoolismo com um medicamento, as pessoas responderiam: 'Meu jovem, como seria possível tratar uma dependência química com outro produto químico?'", diz Markus Heilig, diretor clínico do Instituto Nacional para o Abuso do Álcool e Alcoolismo. A descoberta desses medicamentos, na pior das hipóteses, "demonstra que essa opinião tem problemas fundamentais".
Mais recentemente, os cientistas descobriram outros medicamentos, alguns já aprovados pelo FDA para outros fins, que podem ajudar a interromper o hábito de beber compulsivamente. Em 2007, Bankole A. Johnson, presidente do departamento de psiquiatria e ciências neurocomportamentais da Universidade de Virgínia, conduziu um estudo que mostrou que o topiramato, um medicamento anticonvulsivo, não só reduzia a necessidade de beber, mas ajudava a reduzir as enzimas do fígado e a pressão arterial.
"Foi apenas uma ideia que me veio à cabeça com base na química básica do composto", disse Johnson. Apesar de alguns efeitos colaterais desagradáveis (fadiga, confusão, náuseas), o topiramato se tornou um tratamento comumente prescrito para o alcoolismo, mesmo não sendo especificamente indicado contra o vício.
O baclofen, um medicamento antiespasmódico, às vezes também é prescrito para alcoólatras, embora também não seja especificamente indicado para esse fim e os resultados das pesquisas sejam heterogêneos.
Johnson também mostrou que doses baixas de ondansetron, um medicamento antináuseas há muito tempo prescrito para pacientes que fazem quimioterapia, podem vir a reduzir o consumo de bebidas por alcoólatras – particularmente aqueles que têm uma variante genética específica.
No Instituto de Pesquisa Scripps, em San Diego, George Koob está buscando desenvolver medicamentos que abordem o vício de um ângulo completamente diferente: reduzindo a gravidade dos estados emocionais negativos que levam os ex-usuários a voltarem ao vício. Um desses medicamentos, a gabapentina, originalmente desenvolvido para tratar a epilepsia, mostrou-se "muito promissor" em estudos anteriores, disse Litten, do Instituto Nacional para o Abuso de Álcool e Alcoolismo.
Embora alguns centros de tratamento tenham abraçado a farmacologia, outros dizem que a ênfase nos medicamentos pode desviar a atenção do trabalho real da reabilitação.
"Quando medicalizamos a doença e prestamos muita atenção na biologia, é fácil ouvir um paciente dizendo, 'Bem, não tenho mais ânsia, não preciso fazer mais nada'", conta Harry L. Haroutunian , diretor médico do Centro Betty Ford, em Rancho Mirage, Califórnia.
"Tentamos usar os princípios do programa de 12 passos como uma fonte de força em momentos de ânsia, para lidar com as angústias inevitáveis. Queremos que os pacientes se comprometam de verdade com isso."
Haroutunian descreveu o Centro Betty Ford como um "programa baseado na abstinência". Não se pede que os pacientes que já chegam tomando algum tipo de medicamento prescrito contra o vício parem de ingeri-lo, contou ele, mas não se costuma prescrever medicamentos aos outros, que não tomam, uma vez admitidos.
Por outro lado, a Fundação Hazelden, com sede em Minnesota, começou a prescrever medicamentos como a naltrexona e o acamprosato em várias de suas clínicas de reabilitação cerca de seis anos atrás. Hoje, 27% dos pacientes têm alta tomando algum tipo de medicação para reduzir a ânsia.
"Achamos que é algo extremamente importante", diz Marvin D. Seppala, diretor médico da Hazelden.
"Nos primeiros 12 a 18 meses, as pessoas estão altamente propensas a recaídas. Então, qualquer coisa que possamos fazer para mantê-las sóbrias durante esse período realmente afeta resultados a longo prazo."
Hendricks, que foi paciente da Hazelden em 2008, disse que ainda poderia estar bebendo, se não fosse pelos dois anos em que ela tomou a naltrexona.
"Acho que em um determinado momento me senti forte o suficiente mentalmente para saber que poderia controlar minha ânsia", disse Hendricks, que recentemente comemorou o seu milésimo dia de sobriedade.
"Mas passamos por essa carência no início, e a naltrexona ajudou a tornar os momentos de ânsia mais curtos e menos intensos."
Seppala disse que tenta levar em conta o histórico do paciente ao prescrever medicamentos. Ele sabe, por exemplo, que a naltrexona costuma agir melhor em pacientes com histórico familiar de alcoolismo.
Porém, as aplicações do mundo real não têm a clareza de um laboratório, disse ele.
"O problema é que 95% dos nossos pacientes têm um histórico familiar ligado ao álcool, o que não é um bom prognóstico."
Aplicativos incentivam a sobriedade
A medicina não é a única ciência que está abrindo novos caminhos para a sobriedade. Graças a um novo aplicativo móvel da Fundação Hazelden, hoje há alcoólatras deixando a reabilitação com uma versão interativa dos 12 passos no bolso.
Quando os usuários iniciam uma sessão no aplicativo, chamado MORE Field Guide to Life ("Guia de campo para a vida"), eles são recebidos com o número de dias que se passaram desde que beberam pela última vez. A partir desse momento, podem localizar a mais próxima reunião dos Alcoólicos Anônimos, fazer listas de obstáculos e realizações, assistir depoimentos de outros alcoólicos recuperados, ou, se estiverem com dificuldades, pressionar um "SOS" para contatar imediatamente um responsável.
"Quando saí da reabilitação, senti como se tivesse bagunçado toda a minha vida", conta Jon Hartman, de 47 anos, que foi tratado na Hazelden e agora trabalha no departamento editorial da Fundação.
"Mas há recursos do aplicativo que atribuem tarefas bem simples que podemos fazer todos os dias, e a ideia de olhar para isso e perceber que podemos fazer algo a cada dia e progredir é extremamente gratificante para mim."
O aplicativo da Hazelden não é o único que visa à recuperação de alcoólatras. Outros, como o AA Steps Away, o Sobriety Date Calculator ("Calculadora de Datas de Sobriedade") e o Friend of Bill, conectam as pessoas em recuperação ao seu próprio progresso. O aplicativo da Hazelden, lançado em janeiro, chegou rapidamente ao topo da lista de aplicativos de livros da Apple.
Fonte iG
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