Conhecida como 'pílula da inteligência', a droga tem sido usada por
estudantes que querem melhorar o desempenho acadêmico; pesquisa revela que
medicamento não beneficia a atenção nem a memória; remédio costuma ser obtido no
mercado negro
A Ritalina não promove melhora cognitiva em pessoas saudáveis. Indicada para
transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), ela tem sido usada
por estudantes que buscam melhor desempenho em provas e concursos. Apesar da
fama - que lhe rendeu o apelido de "pílula da inteligência" ou "droga dos
concurseiros" -, uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
mostra que o medicamento não beneficia a atenção, a memória e as funções
executivas (capacidade de planejar e executar tarefas) em jovens sem o
transtorno.
A psicóloga Silmara Batistela, autora do estudo, decidiu investigar o tema ao
perceber a popularização da prática de doping mental. "É muito comum ouvir o
relato de pessoas que, para passar a noite estudando antes da prova, tomam
Ritalina", diz. O objetivo da pesquisadora era avaliar se o consumo do
medicamento, cujo princípio ativo é o cloridrato de metilfenidato, realmente
trazia vantagens cognitivas.
Para a pesquisa, foram selecionados 36 jovens saudáveis de 18 a 30 anos. Eles
foram divididos aleatoriamente em quatro grupos: um deles tomou placebo e os
outros três receberam uma dose única de 10 mg, 20 mg ou 40 mg da medicação.
Depois de tomarem a pílula, os participantes foram submetidos a uma série de
testes que avaliaram atenção, memória operacional e de longo prazo e funções
executivas. O desempenho foi semelhante nos quatro grupos, o que demonstrou a
ineficácia da Ritalina em "turbinar" cérebros saudáveis.
"O uso não alterou a função cognitiva. A única diferença que observamos foi
que os que tomaram a dose maior, de 40 mg, relataram uma sensação subjetiva de
bem-estar maior em comparação aos demais", diz Silmara.
Perigos
O psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, diretor do Programa de Orientação e
Atendimento a Dependentes (Proad) da Unifesp, observa que o mito de que a
Ritalina teria o potencial de tornar alguém mais inteligente não faz sentido. "A
pessoa fala que consegue estudar a noite inteira com o remédio. Isso é porque
ela fica acordada e não porque tem uma melhora na atenção", diz. Ele observa que
o aprendizado sob o efeito da droga consumida inadequadamente é de má
qualidade.
Silveira destaca que existem perigos relacionados ao uso inadequado do
medicamento. O consumo aumenta os riscos de problemas do coração e pode levar a
um quadro de arritmia cardíaca. O especialista acrescenta que, tratando-se de
uma anfetamina, a droga apresenta também um potencial de abuso, razão pela qual
é controlada e só pode ser comprada com receita especial.
A alternativa para os que resolvem usar a Ritalina sem ter indicação é
recorrer ao mercado negro. Estudantes relatam que não é difícil encontrar
fornecedores anunciando o produto em fóruns de discussão na internet.
Um estudante de Economia de 22 anos, que preferiu não se identificar, conta
que soube dos efeitos da Ritalina por um amigo. "Ouvi falar de uma droga que
todos universitários estavam usando na Europa e nos Estados Unidos para aumentar
a concentração. Li sobre seus efeitos colaterais, para o que servia e, como
sempre me achei um pouco hiperativo, resolvi experimentar."
As duas primeiras caixas foram compradas de um conhecido. Depois, encontrou
um fornecedor na internet que atende aos pedidos dele e de seus amigos. "A gente
pede de uma vez só várias caixas." Para o universitário, que toma o remédio para
estudar aos fins de semana ou à noite, quando pretende varar a madrugada entre
os livros, a principal vantagem é tirar o sono. "O ganho está nas horas a mais
que estudo na madrugada."
Segundo ele, também há um aumento na concentração e na atenção. "Não fiquei
mais inteligente, mas meu tempo de dedicação aos estudos aumentou", relata. Ele,
que foi um dos primeiros entre seus amigos a usar o recurso, conta que hoje
conhece cerca de 15 pessoas que aderiram.
Um de seus amigos, também estudante de Economia, conta que aderiu à pílula
por ter dificuldade de ler textos longos. "Eu começo a me dispersar no meio
deles. Como trabalho o dia inteiro, acaba me faltando tempo para conseguir ler
volumes grandes." Para ele, a Ritalina o ajuda a ler bastante sem se dispersar.
Encenação
Outra estratégia que tem sido adotada para obter o remédio é simular os
sintomas do TDAH na esperança de ganhar uma receita. O neuropediatra Paulo Alves
Junqueira, membro da Academia Brasileira de Neurologia (Abneuro), conta que tem
existido essa demanda, principalmente entre os concurseiros. "O médico precisa
ter a habilidade de identificar esses casos: o TDAH não vem de uma hora para
outra. É um transtorno incapacitante que acompanha o paciente ao longo da vida."
Segundo levantamento feito pelo Sindicato da Indústria de Produtos
Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma) a pedido do Estado, houve um
crescimento de quase 50% na venda de remédios à base de cloridrato de
metilfenidato no Brasil entre 2008 e 2012. Entre setembro de 2007 e outubro de
2008 foram vendidas 1.238.064 caixas, enquanto entre setembro de 2011 e outubro
de 2012 as vendas cresceram para 1.853.930 caixas. Nesse intervalo, os valores
gastos com a medicação passaram de R$ 37.838.247 para R$ 90.719.793.
Fonte Estadão
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