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A pediatra Magda Carneiro Sampaio defende mudanças na forma de cuidado dos bebês e das crianças brasileiras. Presidente do Conselho Diretor do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a pernambucana afirma que falta conversa nos consultórios, assim como exames clínicos cuidadosos.
Os diagnósticos baseados em radiografias e exames de sangue, segundo ela, se tornaram uma rotina na vida das crianças. Eles podem prejudicar a longa expectativa de vida que ela prevê para muitos bebês: 100 anos. “O pediatra precisa entender que o cuidado dele nos primeiros anos de vida da criança terá impacto ao longo de toda a vida e, se as posturas dele forem adequadas, elas poderão chegar aos 90, 100 anos com qualidade de vida”, afirma.
As doenças crônicas – como as cardiovasculares, diabetes, hipertensão, osteoporose – devem ser cuidadas desde muito cedo. A história genética da família deve ser valorizada pelos médicos e a prevenção precoce pode mudar a trajetória desses bebês. Magda diz que, hoje, os pediatras têm condição de evitar a manifestação de doenças na idade adulta que “começam muito cedo”.
“O exemplo mais conhecido e bem estudado é o das doenças cardiovasculares. A deposição de gordura nos vasos começa muito cedo, ainda nos primeiros anos de vida”, ressalta. Em parceria com o médico João Guilherme Bezerra Alves, do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco, Magda escreveu um guia para futuros pediatras, cujas orientações para esse novo modelo de pediatria foram listadas ao iG.
Doutora em imunologia pela USP, Magda cuida também de outro projeto inovador, que pretende tornar o diagnóstico das crianças mais humano e seguro. Leia os principais trechos da entrevista concedida ao iG:
iG: A senhora tem um projeto que defende prevenção precoce de doenças crônicas, que aparecem na vida adulta, ainda nos bebês e nas crianças. Qual é a necessidade de se pensar em hipertensão, diabetes e doenças do coração logo cedo?
Magda Sampaio: Esse é um projeto que busca conscientizar os pediatras de que nós temos um papel importante para a saúde da pessoa ao longo de toda vida. O pediatra, junto com o hebiatra, atende nas duas primeiras décadas apenas, mas a qualidade desse atendimento pode ser fundamental para a pessoa ter vida longa e de boa qualidade. Muitas doenças que se manifestam na idade adulta começam muito cedo.
O exemplo mais conhecido e bem estudado é o das doenças cardiovasculares. A deposição de gordura nos vasos começa muito cedo, ainda nos primeiros anos de vida, mas a obstrução que provoca os primeiros sintomas só aparece bem mais tarde. Isso precisa ser revertido cedo, com boa alimentação, atividade física e cuidados nas consultas pediátricas, para que a carga genética familiar seja avaliada também.
O pediatra precisa saber, por exemplo, quando a família tem histórico de osteoporose, doenças cardíacas, diabetes. Muitas atitudes preventivas podem ser tomadas a partir disso, já que a criança terá uma forte predisposição a desenvolver essas doenças no futuro. É um projeto conscientização, que sugere mudança de atitude do pediatra. O papel dele é muito mais importante do que só cuidar do bebê.
iG: A senhora acredita que, se essa nova forma de pediatria for colocada em prática, com a mudança na formação desses profissionais, essas crianças vão viver até 100 anos. É isso mesmo?
Magda: O pediatra precisa entender que o cuidado dele nos primeiros anos de vida da criança terá impacto ao longo de toda a vida e, se as posturas dele forem adequadas, elas poderão chegar aos 90, 100 anos com qualidade de vida. O fato de muitas residências em pediatria passarem a ter três anos de duração é ótimo, porque os pediatras terão uma formação melhor.
Defendemos alguns passos básicos para garantir a esses bebês uma vida longa: assistência pré-natal; aleitamento materno; hábitos alimentares saudáveis desde bebês; vigilância do crescimento e desenvolvimento (com consultas regulares); prevenção de infecções, em especial por meio de vacinas; estímulo à atividade física e combate ao sedentarismo; prevenção do tabagismo, alcoolismo e uso de drogas; identificação precoce de hipertensão, diabetes, dislipidemias e tendência à osteoporose; cuidados com a saúde mental e prevenção da violência.
É o pediatra quem conseguirá acompanhar esse desenvolvimento e defender diagnósticos que evitem exposições a exames desnecessários.
iG: De que tipos de exames a senhora está falando? A senhora acredita que os diagnósticos pediátricos têm sido feitos da maneira incorreta hoje?
Magda: O desdobramento desse primeiro projeto é o “Diagnóstico Amigo da Criança”. Esse é um projeto que estamos desenvolvendo aqui no Hospital das Clínicas desde 2012 para reduzir o impacto negativo dos procedimentos diagnósticos usados pelos pediatras atualmente. Nossa tarefa é explicar aos pediatras e à população a importância de reduzir a exposição da criança e do adolescente à radiação.
A cada resfriado, os médicos já pedem raio-x, exame de sangue. E já sabemos que a exposição a essa radiação aumenta as chances de desenvolver câncer, como leucemia, linfoma e no sistema nervoso central. Não estou desmerecendo os exames, porque eles são muito importantes, mas o diagnóstico bem feito é clínico em primeiro lugar. É preciso lembrar que 85% das crianças chegam sadias aos consultórios.
Os exames deveriam ser complementares e não a base do diagnóstico. Temos substituído raios-x por ultrassonografias para reduzir essa exposição, por exemplo, e diminuído a quantidade de sangue que se colhe da criança, com tubos bem menores que os convencionais, porque há desperdício de sangue na avaliação e, para as crianças, essa quantidade faz diferença.
iG: A senhora fala que o exame clínico e a análise da história familiar são fundamentais para o bom atendimento do pediatra e a prevenção de doenças, mas as consultas estão cada vez mais rápidas...
Magda: Esse é um grande mal: os médicos estão deixando de ser clínicos. As coisas estão sendo colocadas de ponta cabeça. Quando vejo que não tem médico que queira ir para áreas mais carentes, no fundo, é porque ele não se sente preparado, não sabe examinar. Sem o aparelho que faça o exame, ele se sente inseguro.
Claro que existem dificuldades, mas saber examinar e tomar atitudes vai resolver a maior parte dos problemas. O essencial é o pediatra conversar com a mãe e o adolescente. Ter tempo, gosto pelo que faz, ouvir, perguntar. Isso traz quase todas as informações que ele precisa.
A informação e o exame físico mostram tudo. Os modelos de clínicos que gostam de interagir com a família e o paciente estão se acabando. Com todo o progresso tecnológico, as pessoas não mudaram fundamental na hora da doença. Tem de olhar no olho, conversar, saber a história da família, as doenças da família.
iG: Nesse sentido, a família também precisa mudar de atitude? Muitos médicos comentam que os próprios pais se incomodam quando nenhum exame é solicitado...
Magda: Essa mentalidade do exame passar para a sociedade é o que mais me preocupa. Se o pai não sai do médico com uma lista de exames, não está satisfeito. Médico bom não é o que pede exame. Não estou desmerecendo ninguém, mas ele tem de ter motivo para pedir um exame.
O importante é a família levar a criança ao pediatra regularmente para medir, pesar, avaliar os marcos de desenvolvimento. É importante que mãe e o pai tenham uma boa relação com o pediatra, para que ele faça o controle dessa criança e, se ele conhece bem o paciente, vai intervir se algo estiver errado com ela.
iG: As doenças crônicas são o grande desafio dos pediatras?
Magda: Algumas doenças respiratórias, como asma, bronquite e rinite alérgica são bastante prevalentes em criança. Em seguida, a obesidade surge de maneira galopante. Nossa ideia deve ser diminuir a quantidade de sal e de açúcar na dieta das crianças desde sempre.
O ideal é que elas aprendam a comer sem ou com pouco açúcar e sal, aprender a comer fruta e verdura para isso não seja um sacrifício ou tenha de ser uma mudança de hábito mais tarde. Mas, na realidade, as doenças mentais são o grande desafio.
A depressão é um problema gravíssimo, cada vez mais prevalente. É importante que o pediatra observe essas relações da família, o afeto, os valores que o bebê recebe. Não temos fórmulas prontas, mas a prevenção às doenças mentais deve ser uma preocupação precoce também.
iG
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