Foto: Reprodução Comum nos primeiros dias de vida, a leucinose compromete as funções hepáticas pelo acúmulo de aminoácidos |
Menos de uma semana da chegada do bebê e os pais se deparam com um quadro clínico preocupante: dificuldade de sucção, vômitos, perda de peso, crises convulsivas, sinais neurológicos de intoxicação e, em casos mais graves, o filho entra em coma. Trata-se dos primeiros sinais da leucinose, uma doença hereditária que acomete um a cada 185 mil nascidos. Faltam aos pequenos uma enzima responsável por processar os aminoácidos leucina, isoleucina e valina. Dessa forma, essas moléculas se acumulam no fígado de forma tóxica.
Apesar das consequências robustas, a doença nem sempre é identificada de imediato, segundo o especialista em genética clínica Ricardo Pires. “O paciente geralmente apresenta um quadro chamado de criança agudamente enferma, que pode ser confundido com sepses, doenças neurodegenerativas de início precoce ou ainda outros erros inatos do metabolismo”, explica. A meningite também é cogitada em muitos casos.
O engenheiro agrônomo Idário Santos conheceu a face mais crítica da doença. O filho mais novo dele começou a apresentar problemas nos primeiros contatos com o leite materno, em janeiro de 2002. “O Arthur tinha crises convulsivas e entrou em estado de coma. Primeiro, os médicos, desinformados, diagnosticaram leucodistrofia, mas o remédio não resolveu nada”, relata. A ida aos Estados Unidos, em que há um centro de referência da doença, e um transplante de fígado em 2005 mudaram a vida da família. Arthur é um dos primeiros brasileiros curados da leucinose.
As consequências da doença foram pequenas, diz o pai. “Ele teve problema motor, só conseguiu andar sozinho aos 8 anos, mas não cognitivo. Ainda assim, ao contrário de outras pessoas que têm a leucinose, Arthur não precisa ficar em constante tratamento. Pode comer de tudo, sem restrição a proteínas.” Segundo Ricardo Pires, pacientes submetidos ao tratamento correto ingerem medicamentos específicos, são acompanhados por nutricionista e seguem uma dieta restritiva de leucina, presente em proteínas, como soja, carne, peixe, ovo e leite.
Descoberta prejudicada
Pires ressalta que a maior dificuldade para tratar a doença no Brasil é falta de equipamentos que façam a dosagem dos aminoácidos no sangue. “Há também a necessidade de técnicos treinados para fazer e interpretar os resultados desses exames”, complementa. A descoberta da doença pode se dar em qualquer fase da vida, mas, como a leucinose é hereditária, o diagnóstico no pré-natal ou por meio do teste do pezinho pode tornar o tratamento precoce e, portanto, mais eficiente.
Já se sabe que a doença ocorre devido a mutações nos genes BCKDHA, BCKDHB, DBT e LDN. A condição de repasse é recessiva. Por isso, faz-se necessário que o pai e a mãe do bebê tenham esse genoma. Ainda assim, há 25% de chance de o filho herdá-la. A doença costuma se manifestar do quarto ao sétimo dia após o nascimento. Nos casos de surgimento tardio, pode ser provocada por situações em que há maior necessidade do corpo de usar energia, como uma gripe, uma infecção, uma vacinação ou um jejum prolongado.
O sinal da existência da doença em qualquer idade é um odor adocicado da urina, semelhante ao do xarope de bordo. Pires recomenda que um especialista seja procurado quando percebido esse sintoma. “Pessoas com a leucinose que não recebem o tratamento precoce evoluem com um quadro neurológico desfavorável que pode incluir irritação, edema cerebral, convulsões, alterações no tônus muscular, coma e óbito”, alerta o especialista em genética.
Correio Braziliense
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