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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Maternidade de Uberlândia proíbe realização de partos humanizados

Chris Bonfatti
A recém-nascida recebe os primeiros carinhos da mãe logo
após o nascimento
Ele é o único hospital da cidade que realizava o procedimento até então; mães e gestantes da cidade preparam manifestação para o próximo sábado
 
Apesar de terem o direito legal de escolher a forma como irão dar a luz,  as mulheres, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, não podem mais optar pelo parto humanizado - um procedimento no qual a gestante pode escolher a posição em que se sentir mais confortável para ter o bebê de forma natural. O motivo é que o único hospital particular que realiza o procedimento na cidade, o MadreCor, decidiu proibir a prática sob a justificativa de que as mulheres gritavam demais. A ação gerou revolta entre mãe e gestantes de Uberlândia e também simpatizantes do procedimento, que irão realizar uma manifestação na porta do hospital neste sábado (27), às 16h.
 
A enfermeira Adriana Scalia, de 33 anos, teve seu último filho no MadreCor, em julho do ano passado, por meio do parto humanizado. "Meus outros dois primeiros partos não foram humanizados. E após realizar o último parto por meio deste processo, eu percebi a enorme diferença. O hospital não disponibilizava os mecanismos para a paciente, mas ela podia levar o que quisesse, como banheira, por exemplo. O meu foi na água, em um quarto com uma luz baixa, música de fundo, e recebi muito apoio. Foi acolhedor, a água quente alivia a dor. No parto humanizado, esse ambiente acolhedor é fundamental, não precisa sair do quarto onde está para ir para o bloco cirúrgico, como eles estão querendo volta a fazer. Eu pude escolher a posição que eu me senti melhor para ter o meu filho, e não a posição que é mais confortável para o médico, como acontece nos partos normais nos hospitais. Com isso, a dor diminuiu, e eu pude pegar o meu bebê assim que ele nasceu. Além disso, foi mais rápido, eu estava me sentindo tranquila e segura", contou.
 
Sobre a proibição do procedimento no hospital, Adriana acredita que é um retrocesso. "Ao invés de ir atrás do que o Ministério da Saúde está pregando, do que a própria Organização Mundial da Saúde prega, que o ambiente deve ser acolhedor para a mulher, o hospital está indo na contramão. Agora as mulheres de Uberlândia estão desassistidas, pois este era o único hospital da cidade que fazia o procedimento na rede particular, e nele, são apenas três os médicos que faziam o parto humanizado, e mesmo assim, sofriam muito preconceito porque os outros médicos não aceitam muito bem ainda a prática, porque ela vai contra o que eles aprenderam na faculdade", disse.
 
A professora Clarissa Borges, de 38 anos, também já foi paciente do MadreCor, onde passou por dois partos humanizados, um em março de 2011 e outro em setembro de 2012. "Os dois partos foram ótimos, a gente entrava em um quarto, fazia o pré-parto todo ali e podia levar o que achasse melhor. No meu primeiro parto eu levei uma banqueta, e no segundo eu fiquei embaixo do chuveiro pra aliviar as dores, meu marido pode ficar comigo o tempo todo. E no quarto a gente pode ficar a vontade, eu ficava nua e não tem nenhum procedimento que te impede o movimento. Além disso, o parto aconteceu na posição que eu queria. Pra mim foi tranquilo, o pós-parto aconteceu também no mesmo local, e o bebê ficou comigo. Eu optei por ter o parto humanizado no hospital, porque eu tinha segurança de que se acontecesse qualquer imprevisto, poderia ser encaminhada para o centro cirúrgico", relatou.
 
Para ela, o uso do centro cirúrgico para realização do parto é desnecessário. "No comunicado do hospital eles disseram que os partos normais poderão continuar acontecendo, mas parto normal não é igual parto humanizado, porque ele acontece no centro cirúrgico, onde eu não posso usar uma bola de pilates se eu quiser pra me deixar mais relaxada, não posso usar a banheira, não posso beber água. E se o parto durar 12 horas? Eu vou ocupar o centro cirúrgico durante todo esse tempo? Sem falar que são ambientes frios, nada acolhedores e aconchegantes para este momento. Acho que o nascimento de uma criança não combina com nada disso", contou ainda a professora.
 
Procurada pela reportagem, o hospital e maternidade MadreCor enviou um comunicado em relação ao ocorrido, esclarecendo que decidiu "interromper a modalidade do parto humanizado por causa de vários processos judiciais nos quais foi envolvido".
 
Além disso, o hospital também informou que "ainda está sujeito a enfrentar novos processos em virtude de complicações clínicas dos recém-nascidos, além de não possuir um espaço físico adequado a este tipo de procedimento.
 
O MadreCor também frisou que o parto normal convencional e o parto cesárea continuam sendo realizados normalmente no centro cirúrgico.
 
O que é o parto humanizado
A fotógrafa e doula - profissional treinada para acompanhar mulheres em trabalho de parto, função reconhecida no ano passado como ocupação - Kalu Brum, de 35 anos, é uma entusiasta do parto humanizado e teve o seu filho, hoje com sete anos, também assim. Atualmente, ela trabalha também para conscientizar as mulheres que desejam ter um parto literalmente natural e informar e orientar as gestantes na escolha de profissionais e locais para dar a luz desta forma.
 
"Quando a gente fala em parto natural, muita gente confunde e diz que é um parto sem assistência. Mas na verdade, é um parto baseado em evidências científicas, diferente do procedimento da medicina obstetrícia, onde os procedimentos não tem uma base, nem análise, nem revisão. Por exemplo, eles acham normal realizar o corte do períneo para realizar o parto, mas as revisões científicas já mostram que este corte é considerado há mais de 50 anos como uma mutilação genital, e no Brasil ele ainda é feito como sendo um procedimento necessário. Outra prática utilizada é a manobra de kristeller, que é subir na barriga ou pressionar e empurrar. É um procedimento agressivo que pode causar lesão no baço, quebrar a costela da mulher e que ainda é realizado em 90% dos partos ditos normais no país", explica.
 
Além disso, no parto humanizado, a mulher pode escolher a posição em que se sentir mais confortável para dar à luz, e em um ambiente propício, bem diferente de um bloco cirúrgico. "Os hospitais tradicionais, principalmente no interior, só aceitam que o parto seja feito no bloco cirúrgico com a mulher deitada e com as pernas no estribo. Nesta posição, você diminui em 30% a abertura vaginal, causando ainda mais dificuldade. Sem falar que essa mulher, geralmente, está anestesiada, e acaba não sentindo a hora certa de fazer força. O parto humanizado traz muito mais satisfação pra mulher e muito menos encargos para o sistema, porque diminui o tempo de internação, algumas vezes não precisa de anestesia e a taxa de hemorragia é bem menor no pós-parto. Mas, infelizmente, ainda há muito preconceito e desconhecimento por parte da sociedade em relação ao parto humanizado", explicou a doula.
 
"Quando a gente vê uma notícia dessas, de que a mulher que grita no trabalho de parto atrapalha outras pacientes, só mostra que o sistema quer que todas as mulheres estejam anestesiadas e naquela falsa paz, cheia de drogas, com o bebê sendo retirado fora do tempo, com sete camadas de pele cortada e sendo mãe e filho separados logo após o nascimento por cerca de quatro horas, sendo que a primeira hora é a mais importante para o contato pele a pele, o aleitamento materno. Sem falar que quando o bebê passa pelo canal vaginal, ele naturalmente se "imuniza" e evita uma série de doenças. E quando você toma anestésico, isso vai pra corrente sanguínea e afeta diretamente o bebê. O parto humanizado promove um parto muito menos doloroso e permite que o bebê e a mãe tenham um estreitamento de laços nos primeiros momentos de vida. Quando ele passa pelo canal vaginal os líquidos ficam, o bebê respira melhor, ele olha para a mãe melhor, alguns bebês nem choram. Essa passagem é muito mais suave", diz Brum.
 
Uma das opções do parto humanizado, é realizar o processo na água. "Quando o parto acontece na água, por exemplo, o bebê fica um tempo embaixo d´água e depois vai para o colo da mãe. Além disso, 30% do sangue do bebê fica na placenta, então quando você espera o cordão umbilical parar de pulsar, você evita uma grave hemorragia no primeiro dia de vida. Quando o bebê nasce de parto natural, ele já mama na primeira hora, já procura o seio muito rapidamente. Quando nasce de cesárea, é mais dificultoso, ele demora um pouquinho, ele nasce menos ativo. É um bebê que também recebeu uma carga de anestésicos", explica.
 
A doula Poliana Amaral, de 35 anos, também passou a militar em prol do parto humanizado, logo após o nascimento de sua primeira filha, por cesárea. "Há oito anos, o médico me impôs essa cesárea e depois eu fui descobrir que ela nem era necessária. A Organização Mundial da Saúde recomenda que o índice de cesáreas seja no máximo de 15%, mas no Brasil, esse número chega a mais de 80%. Senti na pele a diferença entre o nascimento da minha primeira filha e o da minha última filha, que foi por meio de parto humanizado na água. A diferença é total. A cesárea é um procedimento cirúrgico, frio, e no parto natural, o bebê saiu direto e foi para o meu colo, eu mesma peguei ele. Eu senti meu corpo funcionando", contou. Atualmente, ela participa de um grupo sobre o assunto chamado Parto do Princípio e coordena outro grupo de gestantes, orientando-as em relação ao parto humanizado.
 
Uma surpresa
Outra adepta do parto humanizado, Camila Santos, de 25 anos, teve o primeiro filho por meio do parto convencional realizado no hospital, e os outros dois últimos humanizados no Hospital e Maternidade Sofia Feldman, em Belo Horizonte, que conta com uma ala específica para este tipo de parto. "O primeiro foi na cama de hospital mesmo, deitada, com as pernas abertas. Eu achei os partos humanizados muito melhores. Acho que fazem mais bem para a mãe e o bebê. É um momento muito especial para ser feito de qualquer forma, não respeitando o processo natural do parto. Quanto a dor, eu achei o humanizado muito melhor , porque no outro, você toma anestesia e não sente direito as pernas. Então atrapalha sentir o bebê nascendo. Eu fiz força demais no meu primeiro parto e acabei tendo que levar alguns pontos por causa disso. Nos outros não, foram bem menos doloridos, e muito melhores", contou.
 
O último parto de Camila, realizado há dois meses, foi mágico, segundo a mãe e os amigos. Isso porque a pequena Gaia nasceu na água e ainda dentro da bolsa. "A bolsa não tinha rompido e eu já estava com 7 centímetros de dilatação e dores fortes. Aí fui para o chuveiro, aliviar a dor, e de repente eu senti. Fui para a banheira e em poucos minutos a minha filha nasceu ainda na bolsa. Eles disseram que é comum, e que às vezes acontece mesmo. Pouco depois, eu  vi ela abrindo os bracinhos e rompendo a bolsa na água", lembra.
 
Aplicativo
Com o objetivo de facilitar a busca das gestantes por orientações em relação a escolha do procedimento, o médico Gustavo Landsbergh, especialista em família e comunidade, criou, junto ao desenvolvedor Daniel Diniz, o aplicativo "Programa Canguru", que expõe todas as informações sobre o parto humanizado. "A gente criou com o objetivo de entregar às futuras mães todas as informações possíveis para que ela possa tomar as decisões sobre a própria saúde", explicou o médico.
 
O profissional também alerta sobre o alto índice de cesarianas feitas no Brasil. "Um dos nossos objetivos também é impactar alguns indicadores de saúde materna no país. O alto número de nascimentos prematuros é também por causa do parto cesariana, devido a ansiedade da mãe, ao fato de algumas delas acharem que a cesárea é o melhor procedimento, mas na verdade, a mortalidade no procedimento de cesariana é três vezes e meio maior do que o normal. No ambiente público é menor, mas na rede privada, 88% dos partos são feitos por cesárea. Por isso, a gente não vai nem conseguir atingir as metas da Organização Mundial da Saúde, que determina em até 15% esse ideal para os nascimentos por cesárea. É uma epidemia que temos que combater, mas vale lembrar que a cesárea, em casos específicos, pode salvar vidas. Ela só não é necessária quando as condições para o parto natural são favoráveis", explicou.
 
O aplicativo também acessa uma agenda com todos os procedimentos feitos durante o pré-natal, a frequência com que eles devem ser feitos, além de orientações sobre como evitar ou lidar com os sintomas da gravidez. A plataforma também integra a mãe diretamente ao médico, que acessa o aplicativo por meio da internet e pode ter acesso as informações compartilhadas pela paciente.

O Tempo

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