Volta ao peso saudável nem sempre significa a cura total. Questão é polêmica inclusive entre especialistas no assunto
A médica Suzanne Dooley-Hash acredita que nunca conseguirá se recuperar totalmente da anorexia que a acometeu quando tinha apenas 15 anos de idade. Durante muitos anos, ela não costumava tomar laxantes constantemente na tentativa de perder peso, coisa que começou a fazer na metade dos anos 80, quando sua saúde estava “relativamente boa”.
Os pensamentos sobre seu peso não ocupavam cada segundo de cada minuto de cada dia seu. Mas em 2005, ela teve uma recidiva, e foi quando perdeu um terço de seu peso corpóreo em apenas seis meses. Durante 19 meses, afastou-se de seu emprego como médica de pronto-socorro da Michigan Medical School, em Ann Arbor para se dedicar à recuperação.
Assim como muitos pacientes com distúrbios alimentares, ela não tem certeza sobre o que de fato significa recuperação. “Por acaso significa 'funcional’?”, perguntou Dooley-Hash, 45 anos.
“Eu sou médica de uma instituição muito bem conceituada e nunca publiquei um artigo em algum jornal de respeito – e eu sou funcional. Não creio que funcionalidade seja necessariamente uma boa forma de medir isso”.
Dooley-Hash não está sozinha em sua dúvida. A maioria dos especialistas em medicina concorda com o fato de que um terço das pessoas que sofrem de distúrbios alimentares permanecerão cronicamente doentes, um terço delas irão morrer por essa causa e outro terço terá a chance de se recuperar – com uma restrição significativa. A concordância de opiniões é considerada incrivelmente baixa quando se trata de o que “recuperação” significa para pessoas com anorexia.
Na verdade, nas últimas décadas, foram feitos apenas alguns estudos de índices de recuperação em longo prazo e diferentes parâmetros foram usados em cada um.
“Sem consistência, fica difícil fazer uma comparação entre um estudo e outro”, afirma Michael Strober, professor de distúrbios alimentares e psiquiatra da Universidade da Califórnia, Los Angeles.
“Basta saber como a recuperação é definida em cada estudo para que se tenha uma interpretação balanceada”.
É difícil definir recuperação de uma doença que impacta dimensões físicas e mentais de um ser humano. Se, por exemplo, uma paciente atinge um “peso normal”, definido pelos pesquisadores como 85% ou 95% do peso ideal de uma pessoa, e começa a menstruar novamente, ela é considerada recuperada na maioria dos casos.
E se ela ainda tiver o costume de se pesar diariamente, fazer dieta, monitorar suas calorias de forma excessiva e tiver obsessão por comida e pelo tamanho de seus tornozelos? Ou, como geralmente acontece, se ela vai da anorexia à bulimia ou compulsão alimentar?
“Aproximadamente 50% das pessoas anoréxicas podem alcançar e manter um peso normal, mas a maioria delas expressa muita preocupação com a taxa calórica dos alimentos”, explica Katharine Halmi, professora de psiquiatria da Weill Cornell Medical College em New York City.
Ainda assim, ela acrescenta, “Muitas pessoas que nunca tiveram anorexia mantêm uma dieta rigorosa. Portanto, a grande questão é: de que forma se define recuperação? Ao manter o peso normal, a recorrência da menstruação é fácil de documentar. Já o estado mental é um problema diferente”.
Tendo isso em mente, as vítimas de anorexia preferem enxergar a recuperação da mesma forma como fazem os alcoólatras – a doença pode ser remitente, mas o potencial de recaída sempre paira em segundo plano.
“Algumas pessoas se sentem confortáveis em dizer 'em recuperação’, pois não têm aquela responsabilidade de estar recuperadas, que significa 'Nunca mais terei recaída”', explica Aimée Liu, 57 anos, autora do livro “Restoring Our Bodies, Reclaiming Our Lives”. Outras, continua ela, comparam seu distúrbio alimentar ao controle de uma doença crônica, como o diabetes, que requer cuidados constantes.
“Costumo dizer aos meus pacientes: 'Este é o seu calcanhar de Aquiles”', diz Daniel Le Grange, professor adjunto de psiquiatria da Universidade de Chicago e diretor do programa de distúrbios alimentares na Universidade da Chicago Medical Center.
“Se você tiver outra crise, terá predisposição a valer-se da fome como forma de administrar esse problema. Seria imprudente de nossa parte, como médicos, não alertar nossos pacientes para a incidência de uma recidiva”.
Muitos médicos acreditam que a recuperação da anorexia é raramente total e que, cada vez mais, acontece por etapas. Embora os pacientes possam apresentar melhoras, os aspectos da doença continuarão persistindo neles.
“Os livros sugerem que você pode ter uma recuperação física da perda de peso, mas os sintomas cognitivos podem não apresentar melhoras”, diz Kamryn T. Eddy, psicóloga do Massachusetts General Hospital.
“Os pacientes de fato melhoram, mas um dos fatores que questionamos é até que ponto o paciente precisa chegar para estar 'recuperado’ e até que ponto ele realmente chega”.
Na ausência de um consenso, pacientes e pessoas próximas tiram suas próprias conclusões a respeito de recuperação. Harriet Brown, autora do recém-lançado “Brave Girl Eating” (ainda sem tradução para o português), biografia de sua filha anoréxica de 14 anos, define recuperação como “relações extremamente comuns com os alimentos”. E o que exatamente vem a ser “comuns” nesse caso?
“Pensar sobre comida não consome ampla quantidade do seu tempo e energia”, ela explicou na entrevista. “Você gosta de comer, não deixa de comer nem come em excesso com frequência, ou seja, você não se encaixa em nenhum dos critérios de diagnóstico da anorexia. Seu peso está em uma faixa saudável. E, mais importante, você é capaz de viver de uma forma que não seja completamente moldada em torno de comida”.
Para Liu, recuperação é uma “restauração completa da saúde nutricional, física, emocional e psicológica”. Contudo, em conversa por telefone, ela, que foi ativamente anoréxica dos 13 aos 20 anos, reconhece que sem um bom tratamento, muitas pessoas passam anos naquilo que ela chama de “meia vida” de anorexia.
“Elas se recuperam no âmbito nutricional e suspendem os comportamentos ligados a fome, excessos e purgação”, explica Liu, que sofreu uma recidiva há 11 anos.
“Mas a autocrítica, o autoabuso, o perfeccionismo, o julgamento e a mentalidade restrita continuam”.
Ainda assim, tanto médico como pacientes enfatizam a importância de acreditar que a recuperação total seja uma opção. Kathleen MacDonald, assistente de orientação política da Eating Disorders Coalition em Washington, teve anorexia e bulimia durante 16 anos, mas se considera totalmente recuperada desde 2004.
“As pessoas sempre dizem que, uma vez que você contraiu um distúrbio alimentar, estará sempre com ele”, ela diz. “Eu costumo dizer a elas: 'Em algum momento da minha vida, eu não tive um distúrbio alimentar. Então, se isso é possível, tudo também é possível”'.
Para Dooley-Hash, o futuro parece um pouco mais sombrio. “Eu sinto como se nunca pudesse me descuidar”, alerta.
"Da próxima vem em que me sentir sobrecarregada ou estressada, meu primeiro instinto será voltar à restrição. Seria muito ingênuo eu pensar que isso não fará mais parte da minha vida’'.
* Por Abby Ellin
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