Tomar uma cervejinha para relaxar depois de um dia estressante de trabalho pode até parecer uma boa ideia. Mas, na medida em que o estresse altera as reações psíquicas e fisiológicas em relação ao álcool, a pessoa pode ser levada a beber além da conta e ainda ver seu problema tornar-se crônico.
Uma pesquisa da Universidade de Chicago, que será publicada na edição de outubro da revista científica Alcoholism: Clinical & Experimental Research, indica que a relação entre álcool e estresse é intensa e bidirecional: tanto o estresse pode estimular o aumento de consumo de álcool, como o álcool expõe quem o consume ao risco de desenvolver distúrbios permanentes de estresse.
Na opinião da psiquiatra Ana Cecília Marques, da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (Uniad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o estudo confirma uma ideia que vinha sendo sugerida por pesquisas anteriores. “Essa relação é realmente muito forte. Outros estudos mostram que as doenças que mais vêm associadas ao abuso de álcool ou alcoolismo são as dos transtornos de ansiedade”, comenta.
O estudo norte-americano submeteu 25 homens saudáveis, entre 18 e 32 anos, a duas tarefas: uma estressante e outra livre de estresse. Após cada atividade, os participantes recebiam uma dose de álcool por via intravenosa, equivalente a dois drinques. A reação variou de um indivíduo para outro. Nos participantes em que o álcool normalmente exercia um efeito estimulante, a presença do estresse diminuiu esse estímulo e aumentou a sensação de sedação.
Já nos homens que relataram não sentir estimulação por meio do álcool, o estresse diminuiu a sedação e aumentou a vontade de ingerir mais álcool. Em todos os participantes, o álcool injetado logo depois da situação estressante bloqueou o aumento do hormônio cortisol, fator diretamente relacionado ao estresse.
Segundo a autora do estudo, Emma Childs, os achados ilustram uma interação complexa entre estresse e álcool.
“O álcool diminui a resposta hormonal ao estresse, mas também estende a experiência negativa do evento”, afirma. Segundo ela, as respostas do estresse são benéficas porque ajudam o indivíduo a reagir contra eventos adversos. Assim, alterando o modo como o corpo lida com essa sensação, seria possível interferir no risco de desenvolver doenças relacionadas ao estresse. “Por outro lado, o estresse pode também mudar o modo como o álcool nos faz sentir, de forma que ficamos mais propensos a consumir mais álcool.”
Segundo o psiquiatra Vladmir Bernik, coordenador da Psiquiatria do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, usar o álcool para amenizar o estresse é uma forma de fugir dos problemas. “Quando o indivíduo está inapto para lutar, ele foge, tanto usando ansiolíticos como consumindo álcool”. Para ele, a bebida tende a aliviar os sintomas psíquicos e físicos do estresse, mas quando existe um abuso, a substância interfere no ciclo do hipotálamo, no cérebro, e produz uma resposta paradoxal: em vez de relaxar, a pessoa passa a ter sintomas de ansiedade e depressão.
“Pessoas altamente estressadas usam a bebida como se fosse um remédio, pois ela desliga a chavinha da ansiedade”, diz Ana Cecília, da Unifesp. “Mas indivíduos dependentes podem apresentar distúrbios. Como a substância age nas mesmas vias do estresse, ela pode desregular essas vias.”
Fonte Estadão
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