Anna Barry Jester / Center for Public Integrity
Agricultor afetado por doença renal faz diálise
em Visakhapatnam, na Índia
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Uma doença renal misteriosa vem atacando milhares de pessoas em comunidades rurais do sudeste asiático e da América Central.
O aparecimento da doença intriga os pesquisadores, que ainda não conseguiram identificar as causas exatas da enfermidade.
No vilarejo de Halmillawetiya, na Província Centro-Norte do Sri Lanka, o agricultor Sampath Kumarasinghe, de 21 anos, descansa em um banco de madeira em frente à casa que divide com a mãe, viúva.
Apesar do calor, ele usa um gorro de lã e seus movimentos são bastante lentos para alguém de sua idade.
Como a maioria dos moradores do vilarejo, ele é um plantador de arroz, mas ultimamente ele não tem tido forças para trabalhar. Os rins de Kumarasinghe não funcionam direito. Eles não estão mais conseguindo filtrar seu sangue.
"Meu corpo está fraco", ele diz.
O agricultor é mantido vivo pela diálise, que realiza duas vezes por semana em um hospital regional. Ele espera conseguir um transplante de rim. Kumarasinghe é uma das milhares de pessoas na Província Centro-Norte sofrendo de doença renal crônica.
Segundo o Ministério da Saúde do Sri Lanka, 15% da população local foi afetada, a maioria cultivadores de arroz.
Ilha das Viúvas
A milhares de quilômetros de distância, Maudiel Martínez abre a porta de sua casa simples na comunidade La Isla, no oeste da Nicarágua. Um pano faz as vezes de porta e deixa ver o rosto pálido de Martínez, com ossos protuberantes. Ele anda como um idoso, apesar de ter apenas 19 anos. A epidemia misteriosa vem ganhando terreno na América Central e já é a segunda maior causa de mortes de homens em El Salvador. Na Nicarágua, a doença mata mais que a aids e o diabetes combinados.
"Essa doença é assim. Você me vê agora, mas em um mês eu posso não estar mais aqui. Ela pode me levar de repente", afirma Martínez.
Ele sabe do que está falando. Seu pai e um avô morreram com a doença. Três de seus irmãos também têm o problema. Todos eles trabalhavam no cultivo da cana-de-açúcar. A doença renal crônica já matou tantos homens na comunidade de La Isla que o local já é conhecido popularmente como "La Isla de las Viudas" (A ilha das viúvas, em português).
Anna Barry Jester / Center for Public Integrity
Agricultora mostra foto de seu marido e de colegas
afetados pela doença na Nicarágua
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A epidemia já atinge seis países da América Central, em suas regiões ao longo da Costa do Pacífico. Também foi identificada na Índia e no Sri Lanka. A causa ainda é desconhecida, mas os pesquisadores acreditam que as vítimas estejam sendo contaminadas como resultado de seu próprio trabalho.
As epidemias nas três regiões têm vários pontos em comum. As vítimas são em sua grande maioria relativamente jovens agricultores. Muito poucos sofriam de diabetes e de pressão alta, os fatores de risco mais comuns para doença renal. Todos sofrem com um problema conhecido como nefrite túbulo-intersticial, que provoca desidratação grave e envenenamento do sangue.
O problema afeta áreas geográficas específicas que são bastante férteis e muito quentes. As vítimas em sua maioria fazem trabalhos manuais pesados, têm pouca educação formal e pouco acesso a cuidados médicos. Em todas as áreas, os primeiros casos apareceram nos anos 1990.
Os cientistas acreditam que o problema pode estar ligado a algum produto químico presente ou utilizado nas lavouras desses locais, mas as pesquisas até hoje não conseguiram identificar exatamente o causador da doença. Com isso, não há tratamento disponível para a doença, nem uma maneira conhecida de preveni-la.
"É importante que a doença renal crônica, que afeta milhares de trabalhadores rurais na América Central, seja reconhecida pelo que é – uma grande epidemia com um tremendo impacto na população", afirma Victor Penchaszadeh, epidemiologista da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, e consultor da Organização Pan-Americana de Saúde sobre doenças crônicas na América Latina.
Estudo
Apesar de o mistério ainda permanecer sobre as causas da doença, uma pesquisa iniciada há quatro anos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo governo do Sri Lanka começa a indicar possíveis caminhos.
Os pesquisadores testaram a população e o ambiente, tomando amostras de sangue, urina e tecidos das pessoas e de alimentos, de água e do ar da região. Os resultados, divulgados há poucas semanas, sugerem que os culpados podem ser dois metais tóxicos – cádmio e arsênico – que estariam contaminando os alimentos e o ar.
Segundo o Ministério da Saúde do Sri Lanka, os exames indicaram níveis relativamente altos dos dois metais no sangue e na urina da população da Província Centro-Norte. Apesar de os níveis estarem geralmente dentro do que é considerado seguro, a exposição contínua a esses elementos pode ser prejudicial.
O novo estudo também indica que os metais poderiam estar vindo de fertilizantes e pesticidas, baratos e superutilizados na região.
Muitos médicos e cientistas familiarizados com o estudo concordam que mais pesquisas ainda são necessárias, mas acreditam que os químicos usados na agricultura são ao menos parcialmente responsáveis pelo problema.
Mas ainda há muitas questões sem resposta: os níveis de cádmio e arsênico encontrados nos corpos das pessoas são altos o suficiente para provocar danos? Qual metal provoca a doença, o cádmio ou o arsênico? Ou uma combinação dos dois? Os metais vêm principalmente de pesticidas ou de fertilizantes? E se esses produtos são a causa da doença, por que os agricultores de outras partes do país, que também os usam, não estão sendo afetados?
As perguntas ainda são muitas, mas os especialistas esperam estar um pouco mais próximos de conseguir finalmente resolver o problema.
* The World é um coprodução de rádio do Serviço Mundial da BBC com a americana PRI e a emissora WGBH, de Boston. Esta reportagem foi produzida com a colaboração do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ), um projeto do The Center for Public Integrity.
Fonte iG
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