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quarta-feira, 10 de abril de 2013

O fim da criação indiscriminada de escolas de medicina

Por Milton Leal
 
Eis o desenho do problema: o Brasil possui mais escolas de medicina que a China. No ranking mundial, ocupamos a segunda colocação, atrás apenas da Índia, que possui população seis vezes maior que a brasileira. Para chegar às atuais 197 faculdades de medicina – muitas delas de qualidade bastante questionável –, o Brasil assistiu à proliferação aleatória de instituições de ensino a partir da década de 90. De lá para cá, o aumento no número de escolas foi de 137%, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM).
 
Ainda de acordo com a entidade, o total de médicos que atua no País atingiu quase 390 mil no final do ano passado, quantidade mais que suficiente para atender a todos os brasileiros. Contudo, 73% deles estão trabalhando nas regiões Sul e Sudeste. No Maranhão, por exemplo, existe meio médico para cada mil habitantes, enquanto que no País como um todo, este índice chega a dois profissionais para cada mil pessoas.
 
Para desmontar aquilo que alguns especialistas classificam como “balcão de negócios” dos cursos de medicina e também para melhor distribuir os profissionais pelo Brasil, o Ministério da Educação (MEC), com auxílio de um estudo feito pelo Ministério da Saúde (MS), baixou, no início de fevereiro, a Portaria nº 2/2013, que estabelece os novos critérios para abertura de cursos de medicina e expansão do número de vagas daqueles já existentes.
 
A regulamentação será utilizada para analisar a fila de 70 pedidos de criação de novas escolas que está parada no MEC. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, avisou que a maioria das solicitações feitas será negada. Para futuros pedidos, outras diretrizes serão publicadas pelo governo.
Os critérios listados na portaria levarão em conta a demanda social por médicos em cada unidade da Federação, com base em dados atualizados anualmente pelo MS. O Brasil é o quinto país do mundo em número absoluto de médicos, que representam 19% dos que atuam nas Américas. Mas eles estão mal distribuídos e poucos vão para o interior. A pior situação é a da Região Norte (taxa de 0,9 médico por mil habitantes), seguida por Nordeste (1,19) e Centro-Oeste (1,99). A melhor situação fica no Sudeste (2,61) e Sul (2,03).
 
O MEC também observará a infraestrutura de equipamentos públicos e programas de saúde existentes e disponíveis no município de oferta do curso. Serão considerados, entre outros itens, o número de leitos disponíveis por aluno — deve ser maior ou igual a cinco; o número de alunos por equipe de atenção básica maior ou igual a três; existência de leitos de urgência e pronto-socorro. A portaria também determina que a avaliação do MEC para concessão da autorização depende da existência de pelo menos três programas de residência médica nas especialidades prioritárias (clínica médica; cirurgia; ginecologia-obstetrícia; pediatria; medicina de família e comunidade).
 
O governo deverá lançar editais de chamamento para interessados em implantar escolas de medicina em localidades definidas com base nos critérios da nova regulamentação. Os vencedores das licitações poderão ter acesso a recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiarem os projetos.
 
A reportagem da Revista FH tentou por diversas vezes ouvir os ministérios da Educação e da Saúde sobre a estratégia de descentralização da assistência médica. Enquanto o MEC não respondeu as perguntas enviadas por e-mail, o MS afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que somente se pronunciará depois que o estudo – aquele mesmo utilizado pelo MEC para editar a portaria – estiver totalmente finalizado.
 
Mercado de cursos
A intenção do governo em interromper a expansão de cursos de baixa qualidade foi muito bem recebida pela comunidade médica. Tanto o CFM, quanto o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), elogiaram a medida que cria barreiras para abertura de novas faculdades. O 1º secretário do CFM, Desiré Callegari, afirma que as instituições que não possuem corpo docente qualificado e não oferecem hospitais universitários devem sofrer restrições. “Queremos diminuir e até fechar faculdades que não ofereçam uma boa formação para o profissional”, opina.
 
O presidente do Cremesp, Renato Azevedo Junior, diz que a abertura de cursos no Brasil funcionava como moeda de troca política de prefeitos, deputados e senadores. “É muito forte o lobby que existe no Congresso por parte das escolas privadas”, aponta. O médico se diz muito preocupado com a qualidade dos cursos existentes. “Nos últimos 10 anos, cresceu mais de 300% o número de processos por erro médico no Cremesp”, conta. Apesar de classificar a nova portaria como um avanço, ele afirma que o MEC deveria estar preocupado em fechar escolas de medicina.
 
Quem vai?
A criação de escolas de medicina em localidades carentes de médicos é vista pelos especialistas como uma equação bastante complexa. Para o diretor do curso de medicina da Faculdade Santa Casa de São Paulo, José Eduardo Dolci, “não se cria uma faculdade de medicina onde não existe nada”. Com isso, ele quer dizer que a infraestrutura da cidade que receberá a nova instituição precisa ter condições de atrair um corpo docente qualificado. “A escola de medicina é criada em função de um grupo de professores e médicos competentes que saibam e tenham desejo de ensinar”, opina.
 
Os fatores de fixação de médicos em determinadas regiões não passam exclusivamente pela questão financeira. Dolci acredita que o conceito é mais amplo e envolve outros componentes. “O médico vai procurar condição de trabalho, reconhecimento, condições dignas para sua família viver e salário, nesta ordem”, diz. Ele clama pelo plano de carreira médico como uma alternativa. “O plano vai dar um salário digno e perspectiva de vida, mas se não der condições de trabalho, o médico não irá para lugares mais distantes”, avalia.
 
Callegari, do CFM, vê como uma incógnita se a criação de escolas de medicina em localidades com deficiência de assistência fixará médicos nestas regiões. Azevedo Junior, do Cremesp, ressalta que os profissionais não atuam fora do eixo Sul-Sudeste por falta de condições de trabalho.
 
390 mil médicos atuam no Brasil
73% deles estão trabalhando nas regiões Sul e Sudeste
2, 64 médicos por mil habitantes estão no estado de São Paulo0,5 médico por mil habitantes no Maranhão
1, 95 médico pormil habitantes no interior de São Paulo
4,48 médicos por mil habitantes na capital paulista
 
Fonte Saudeweb

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