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terça-feira, 23 de julho de 2013

Clínica particular na favela atende pacientes de bairros de classe média

Maria Fernanda Ziegler
Clínica do Dr. Consulta em Heliópolis: 80% dos pacientes
 vêm de fora da comunidade
Com quase dois anos de funcionamento, clínica popular em Heliópolis montada por médicos do Sírio-Libanês e Albert Einstein vai expandir para mais quatro unidades
 
A sala de espera invariavelmente cheia lembra a de qualquer outra clínica particular da cidade, não fossem a localização e os preços populares. Trata-se da Clínica Dr. Consulta, que fica na rua principal de Heliópolis, a segunda maior favela de São Paulo, e oferece consultas médicas por R$ 60 para pacientes idealmente de renda entre um e dois salários mínimos, que não tenham plano privado de saúde, mas que não querem esperar por mais de um mês para agendar consultas em hospitais públicos.
 
A ideia de oferecer consultas médicas e exames laboratoriais para esta fatia da população deu tão certo que quase dois anos depois da sua inauguração, o Dr. Consulta atende cerca de 150 pacientes por dia e tem planos de criar quatro novas unidades ainda em 2013. Não faltaria clientela, segundo os idealizadores do projeto: o país tem cerca de 200 milhões de habitantes e destes, apenas 50 milhões têm plano de saúde privado.            
         
A prova que a demanda existe é que, embora o endereço seja em Heliópolis – com quase 200 mil habitantes –, quase 80% dos pacientes atendidos são de bairros de classe média próximos, como Ipiranga e Sacomã. “Não fazemos caridade, assistencialismo nem trabalhamos com planos de saúde.
 
Fazemos um negócio viável com médicos ganhando salários compatíveis ao mercado”, diz César Câmara, urologista que além de clinicar no Sírio Libanês, Einstein e Hospital das Clínicas, e um dos sócios do Dr. Consulta. “A ideia é quebrar o ciclo vicioso que é o convênio que dá acesso a tratamento mas também limita o paciente, além de cercear os médicos”, completa.
 
Entre os estabelecimentos próximos ao Dr. Consulta há um açougue, dois consultórios de dentista, barbeiro e três salões de beleza. A 200 metros dali fica a “concorrência”: um posto de Atendimento Médico Ambulatorial (AMA), mantido pela prefeitura.
 
Impacto social com oportunidade econômica
A ideia da clínica surgiu há sete anos, quando Thomaz Srougi, filho do urologista Miguel Srougi e então aluno do Harvard Business School, nos Estados Unidos, buscava temas para montar negócios. “Nós somos amigos de infância e o Thomaz queria algo de alto impacto social, que ajudasse as pessoas e que tivesse uma oportunidade econômica junto”, diz Guilherme Azevedo, sócio administrador da clínica. Em 2011, um grupo de investidores privados se interessou pelo projeto e o Dr. Consulta foi lançado.
 
A clínica também faz exames a preços que variam de R$ 5, por um exame mais simples de sangue , a até R$ 190, por um ultrassom obstétrico 3D. “Não temos tomografia, por exemplo, porque é muito cara e o fluxo não é alto. Trabalhamos com margens baixas, por isso conseguimos estes preços”, explica Azevedo.
 
Preços que atraem até quem mora longe e precisa vir de ônibus ou carro, como foi o caso de Noemi Machado, 26 anos, que chegou a bordo de um Renault Megane. “Vim porque não tenho paciência nem tempo de esperar pelo atendimento do SUS que demora séculos e precisa voltar mil vezes. Eu trabalho, não tenho tempo para isso”, disse a paulistana, antes de entrar no consultório para mostrar os exames para a ginecologista.
 
Rosilda Santana estava há cinco anos sem ir ao médico. “Fui na ginecologista e já fiz todos os exames. Graças a Deus está tudo bem. No próximo mês, quero marcar oftalmo e cardiologista”, disse a cozinheira baiana de 52 anos que mora no Clímaco e trabalha num restaurante de comida natural no Bixiga. “Eu não gosto de pagar um dinheirão por um convênio que eu nem sei se vou conseguir marcar consulta. Prefiro aqui”.            
        
De acordo com Rosilda, um convênio particular lhe custaria mais de R$ 200 por mês. “Prefiro pagar e ser atendida logo. Aqui a gente marca rapidinho, coisa de uma semana. Se tiver que operar ou precisar de um atendimento de emergência aí só indo para o SUS mesmo. Mas acho que não vou precisar, minha bisa morreu com 115 anos lá na Bahia”, ri.
 
A cozinheira só lamenta a clínica não ter pediatra. “Moro com um sobrinho de cinco anos. Queria trazer ele aqui, mas fiquei sabendo que não tem pediatra”.
 
SUS é concorrência
Câmara conta que quando o Dr. Consulta começou a funcionar havia pediatra, mas ele era pouco procurado. “Foi quando ficamos sabendo que os pediatras do AMA são muito bons. Isso mostra que quando o SUS funciona, o serviço de baixa renda não vai pra frente. Isso vale também para os convênios e laboratórios que no geral são muito ruins”, disse.
 
A atendente de supermercado Simone Paiva concorda com Câmara. Na semana passada ela levou a filha Ágata, de quatro anos, para o AMA, apesar de morar nos arredores do Ipiranga. “Ela está com tosse. Demorou quase um mês para marcar a consulta, mas os médicos aqui são ótimos. Venho sempre. Tenho dois filhos pequenos, um de 13 que vêm aqui. O outro é mais velho”, disse.
 
Já Alessandra Oliveira, moradora de Heliópolis, usa os dois serviços. Ela teve o filho Roni, hoje com seis meses, num hospital público do Ipiranga. “A minha ginecologista é do Dr. Consulta e o Roni vai ao pediatra do AMA”, diz a mãe.
 
Não resolve tudo
Câmara afirma que o objetivo do Dr. Consulta é “dar atendimento de começo, meio e fim ao paciente”. Mas atualmente eles só conseguem oferecer consultas agendadas e exames laboratoriais. A clínica também não funciona 24 horas por dia. “Serviços de saúde precisam trabalhar em rede para que o paciente tenha atendimento de início, meio e fim. Conseguimos dar o diagnóstico, mas não temos UTI, que é muito caro, precisaria de uma parceria público-privada”, disse. Atualmente, casos de emergência e cirurgias, fora retirada de pintas, precisam ser encaminhados para outros locais.
 
“Hoje tive uma paciente que está com um cisto no ovário e nem sei onde e quando ela vai ser atendida. Vou pesquisar para descobrir para onde devo encaminhá-la”, disse a ginecologista Carolina Ohi. Ela trabalha há um mês no Dr. Consulta, e também atende no Hospital do Servidor Público e nos hospitais de Vila Alpina, Penha e de Diadema. “Tirando o Dr. Consulta e o Hospital do Servidor, é tudo público. Esse é o tipo de paciente que eu realmente gosto”, diz a médica cearense, formada na Universidade Federal do Piauí e que fez residência e três especializações no Hospital do Servidor Público.
 
“No hospital público o atendimento demora, mas acontece. O problema é que esta demora dá um desânimo no paciente e também muitas vezes ele não pode esperar”, disse. Ela afirma que os casos que mais atende, tanto no Dr. Consulta quanto na rede pública, são de consulta de rotina, sangramento por mioma (um tumor benigno) e irregularidade menstrual. “O que me dá pena é que eu preciso pedir muitos exames de rotina e eu sei que mesmo sendo mais barato [no Dr. Consulta], as minhas pacientes continuam tendo que pagar por eles. O que eu faço é dizer ‘olha, estes aqui são imprescindíveis e estes aqui também são muito importantes. Você deve fazer todos”.
 
Câmara conta que por não poder fechar o ciclo do atendimento na clínica popular, ele também já teve que fazer muita pesquisa. “Já operei dois pacientes que eram do Dr. Consulta. Um do Butantã para reversão de vasectomia e outro de Heliópolis com câncer de próstata . Os dois foram para um hospital em Itatiba por causa do preço. Conseguimos agendar com os médicos e fizemos lá”, disse.
 
Uma das dificuldades que fizeram com que a Dr. Consulta não se expandisse ainda é a falta de médicos; não são todos que se encaixam no perfil da clínica. “Médicos são desconfiados. Têm medo de levar calote ou de ter o carro roubado”.             
 
Fonte iG

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