Sergio Lima/Folhapress Agenor Alvares, que deixou nesta semana o cargo de diretor da Anvisa |
Diz ter uma frustração: de não ter visto regulamentada, até agora, a lei
federal que delimita ambientes livres de fumo. A norma, de responsabilidade do
Ministério da Saúde, está pendente desde 2011.
Nos últimos anos, Álvares se destacou pela defesa do veto aos aditivos no
cigarro, de restrições ao fumo em locais fechados e de maiores limites à
propaganda do cigarro.
Em 2005, como ministro interino da Saúde, Álvares assinou mensagem ao Senado
em defesa da aprovação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (acordo
internacional que pressiona pela redução do tabagismo).
No ano passado, o diretor recebeu da OMS (Organização Mundial da Saúde) um
prêmio pela atuação na área.
À Folha, Álvares disse que o Brasil avançou no controle do tabagismo,
mas defende o veto total aos aditivos do cigarro --não só os de sabor
característico, como o mentol-- e um papel maior do Estado no incentivo para que
fumicultores possam diversificar as culturas.
Folha - Como o Sr. avalia o desempenho do governo quando o assunto é o
tabaco?
Agenor Álvares - A principal coisa que conseguimos alcançar nessa área
foi a credibilidade internacional da política pública, que busca reduzir a
prevalência de fumantes nesse país.
O governo como um todo, Ministério da Saúde e Anvisa, conseguiu. Associar as políticas de regulação do tabaco com as políticas de combate ao tabagismo fez com que a prevalência de fumantes na população acima de 15 anos diminuísse em mais de 50% em pouco mais de 20 anos.
O Sr. conseguiu fazer tudo o que pretendia nessa área?
A gente avançou muito, mas temos que entender que, muitas vezes, você avança
cinco passos e recua dois. Na próxima, avança três e recua dois. Alguma
frustração? Sim, de a gente não ter ainda regulamentado, na lei federal aprovada
em 2011 pelo Congresso, os ambientes livres.
Entendo que, nesse momento, deve estar havendo algum estudo no governo para
ver até que ponto você pode, realmente, propor uma regulamentação. O grupo
técnico que foi designado para fazer um texto, sob a coordenação do Ministério
da Saúde, fechou a proposta para avaliação do ministério.
Há mais de um ano...
Exatamente. É um tema controverso. Eu entendo isso. Mas o ministro [da Saúde,
Alexandre] Padilha sempre falou sobre seu compromisso em avançar na política.
Fica aquela coisa de "o ministro não quer". Pelo menos o que ele falou comigo
foi sobre o seu compromisso.
Já me perguntaram se houve muita pressão da indústria do tabaco sobre a nossa
política de vetar os aditivos ao cigarro. Eu nunca recebi nenhuma pressão da
indústria do tabaco. Se houve pressão no Congresso Nacional, em outros setores
do governo, eu não posso dizer. Eu nunca recebi esse tipo de pressão.
Então, eu não tenho por que desacreditar de uma fala do ministro. Agora, em
que pé ela está, eu não sei dizer.
Essa política vai ser importante também para outro segmento, dos bares e
hotéis. Em todos os lugares do mundo onde a política de ambientes livres foi
implantada, ficou mais agradável estar nesses lugares e, detalhe, não houve
redução do lucro dos empresários. O lucro aumentou. São Paulo mostrou isso.
Em julho, o Sr. foi voto vencido numa decisão sobre aditivos ao cigarro. A
Anvisa manteve o veto aos aditivos de sabor, mas liberou os que não são de
sabor. Ficou a dúvida se os aditivos liberados estavam ou não proibidos na norma
anterior. Houve flexibilização?
Estavam proibidos. A resolução [de 2012] proibiu tudo. Mas abria algumas
exceções [para novas solicitações]. Nessas exceções, a indústria do tabaco pediu
que fossem contemplados 181 aditivos.
A posição da área técnica é clara: mostra que os aditivos são usados para que
você possa potencializar a obtenção da nicotina e melhorar a palatabilidade.
Como existe uma espécie de queda de braço entre o que a indústria fala e o que
os técnicos da Anvisa dizem, a diretoria optou por chamar um grupo técnico ""que
não tenha a presença da indústria"" para analisar.
O Sr. acredita que eles vão ser vetados ao final dessa análise, prevista
para durar um ano?
Acredito de maneira total. Tenho a impressão que, ao final desse prazo, a
gente vai ter, com apoio da comunidade científica, todas as informações para
mostrar que esses aditivos são maléficos.
O Sr. fez quase um manifesto contra o tabagismo nesse seu voto. Gostou da
decisão?
Muitas vezes você tem que deixar uma mensagem do que você acredita ser o
correto. O meu voto não foi totalmente rechaçado, não me frustrei em hipótese
alguma. Podia ter sido aprovado por unanimidade, mas não foi. O que eu posso
fazer? [risos].
Onde ainda falta avançar?
Essa é uma luta de muitos anos. Fui um dos signatários da mensagem ao Senado
pedindo autorização para a ratificação da Convenção-Quadro [acordo internacional
pela redução do tabagismo].
Nessa convenção, houve vários compromissos de governo, em alguns avançamos e
em outros ainda estamos buscando alternativas políticas, de políticas públicas,
para avançar mais. Temos que buscar o avanço principal: fazer com que produtores
rurais não tenham nenhuma perda. O Estado brasileiro incentivou os produtores
rurais a plantarem tabaco e tem que dar a eles condições de fazer a reconversão
das culturas.
O setor do tabaco é uma atividade legal, mas considerada letal. É a única
atividade regulamentada pela Anvisa que não ganha um "selo de qualidade".
Regulamenta-se o que é maléfico para a saúde.
Folhaonline
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