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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Por que os médicos odeiam os prontuários eletrônicos

Teriam os incentivos à adoção apenas impulsionado as vendas de muitos softwares vagabundos?
 
Talvez essa seja uma pergunta cuja resposta é “claro que não!” para aqueles que trabalham com saúde ou TI em saúde, mas muitos médicos realmente odeiam o software de registro eletrônico de saúde (electronic health records, ou EHR).
 
Tendo sido recentemente encarregado de escrever sobre o assunto após ter coberto apenas ocasionalmente o segmento de TI para saúde, fiquei surpreso quanto ao quão unanimemente insatisfeitos estão a maioria dos médicos com relação à usabilidade do software, que eles enxergam como atraso, e não melhoria, da produtividade. Tenho certeza que há exceções, médicos mais entusiastas com a tecnologia ou que usam softwares de melhor qualidade, ou um pouco dos dois. Mas ao começar uma conversa sobre o quão horrível os softwares de registro médico são, a papo durará um tempo.
 
Eis no que estou me baseando. Tendo passado os últimos meses escrevendo sobre cursos online abertos de massa (massive open online courses, ou MOOCs) para a área de educação, fiquei feliz ao descobrir um curso na Coursera [empresa americana de tecnologia educacional] sobre Health Informatics in the Cloud (informática de saúde na nuvem) começando bem a tempo de obter mais informações sobre minha empreitada em saúde.
 
Fiquei feliz ao saber que o instrutor, o médico Mark L. Braunstein, da Georgia Tech [Instituto de Tecnologia da Geórgia], contribuirá como colunista da InformationWeek. Braunstein passou a maior parte da carreira na área de TI para saúde, então acredito ser justo dizer que ele realmente acredita no potencial e na necessidade da digitalização de informações médicas. Entretanto, quando fui em busca das discussões em fóruns do curso, encontrei um tópico intitulado “Health IT Doesn’t Fix Problems – Good Health IT Does” (TI em saúde não acaba com os problemas – Boa TI em Saúde sim).
 
Um dos meus colegas de curso era um pediatra chamado Dave Denton, e ele dizia não ter encontrado muita TI para saúde de qualidade. “Uso inúmeros EHRs em minha clínica e hospital”, escreveu Denton, que é médico na cidade de Portneuf, estado de Idaho. “Nenhum deles possibilita a transmissão de dados entre os sistemas. Todos estão sobrecarregados com gráficos e interfaces de usuário pobres que tornam difícil a visualização de dados do paciente de forma que faça sentido ou que ajude na assistência. Na verdade é muito mais difícil prestar atendimento a pacientes em Unidades de Terapia Intensiva com sistemas hospitalares novos. O sistema também tende a esconder os dados pertinentes ao dispersá-los no programa e mostrar todos os tipos de dados auxiliares, contadores de tempo e observações formatadas que são inseridas para garantir a codificação adequada, mas que só atrapalham a visualização do que é realmente importante. Cometi inúmeros erros por não conseguir achar a informação correta no prontuário porque estava enterrada nas observações. Encontrar o que é importante tornou-se uma caçada ao tesouro”.
 
Em outra postagem falando sobre o workflow disfuncional imposto pelo software, ele acrescentou: “Não sou um dos médicos resistentes às mudanças e à implementação do HER. Essa tecnologia pode acrescentar muito valor à medicina. Sou o porta-voz do comitê de sistema de informações no nosso hospital que luta para fazer as coisas funcionarem, mas frustrado com a baixa qualidade de produtos que entraram no mercado abruptamente, forçados por deadlines surreais”.
 
Em suas postagens e em uma entrevista em que falou sobre o mesmo tema, ele deixou claro que percebe potencial na TI de Saúde, mesmo estando até o momento muito desapontado com a realidade. Ao mesmo tempo em que me informava sobre as ideias de Denton no fórum do curso, uma conversa negativa similar apareceu, vinda do grupo HIMSS do LinkedIn, sob o título “Can we turn EHR dissatisfaction around?” (Podemos reverter o descontentamento com o EHR?) – conversa iniciada por Jennifer Bresnick, editora da Xtelligent Media.
 
A resposta para a maioria (e não todos) os médicos e funcionários da área de saúde que estavam na discussão foi, essencialmente, não, não acontecerá enquanto houver tanta disparidade entre o software, a saúde funcional e a forma como as pessoas da área trabalham. Claramente, as agências do governo são escravas dos fornecedores de software. De outra forma, por que estariam obrigando o uso com tanto empenho?
 
Reclamação típica: “Como a área de TI tem mais poder do que as pessoas que verdadeiramente cuidam dos pacientes? A resposta é que a área de TI cobra por hora, enquanto os médicos trabalham mais por menos dinheiro, isso é, acrescentam duas horas a mais de trabalho por dia sem compensação adicional. Se pedirmos para a área de TI fazer o trabalho pesado, teremos que pagá-los”. Não quero citar nomes sem permissão, mas outro comentarista, identificado como um diretor médico para um grupo de saúde, apontou que qualquer medicação ou dispositivo médico teria que ser aprovado pela FDA em testes antes de ser adotado em um hospital, enquanto o software EHR “impacta na qualidade do atendimento e a expectativa de aprimorá-lo ‘durante o trabalho’ gera atrasos no atendimento, complicações e morte. Um conselho: se você ou sua família precisar ir ao um hospital, fique com o paciente, porque as enfermeiras estarão nos computadores”.
 
Fora do mundo virtual, ouvi comentários similares no grupo Toastmasters de um amigo que é um médico de pronto socorro. Treinando para um discurso que daria em uma organização de saúde na qual trabalha, deu quase tanta ênfase na queda da produtividade por causa dos registros eletrônicos (e os horrores que virão com a expansão dos números e códigos ICD-10 para lembrar) quanto aos aspectos do estrangulamento de recursos do Obamacare.
 
Nas duas discussões online que citei, há pessoas da área de tecnologia defendendo as boas intenções da área de TI. Eles propõem soluções como um software melhor orientado para separar recursos generalizados das exigências de uma instituição específica, ou melhor uso do reconhecimento de voz ou transcrições para evitar que os médicos tenham que inserir tantos dados. Mas mesmo aqueles que argumentam que um bom EHR é possível tendem a reconhecer que muitos dos softwares atuais são ruins. Ouvi o mesmo de fornecedores de EHR quando falam sobre os produtos da concorrência.
 
Até o momento, os únicos médicos que ouvi elogiar os EHRs são os que dão referências para os fornecedores de software. (Vale lembrar, sou novo na área, então há tempo para mudanças a respeito disso.)
 
Seria fácil diminuir as reclamações dos médicos e enfermeiros dando ênfase à história do gerenciamento, onde as pessoas reclamam de tudo com que não estão acostumadas. Provedores de saúde não são a primeira força de trabalho a reclamar da mudança do papel para os computadores, com pedidos de que mudem seus hábitos de trabalho para ficar de acordo pelo workflow ditado pelos softwares. Os trabalhadores que reclamaram do advento do automação ou se adaptaram ou encontraram outro emprego, e, uma vez que está tudo em ordem, a automação tem uma eficiência indiscutível. Eventualmente, o EHR pode realizar todas as promessas de eficiência e segurança do paciente. Mas foi um erro apressá-lo?
 
Os partidários de Obama também podem ficar tentados a verem uma crítica antiObama, já que este é um elemento de sua reforma de saúde, juntamente com as mudanças nas regras de seguro saúde. Mas é sentimento muito amplo para ser menosprezado.
 
Por telefone, Denton reiterou que vê “um grande potencial de benefício” para a TI de Saúde. O problema: “Muito disso foi empurrado à força por causa do uso significativo”.
 
Quer dizer, antes do governo federal introduzir seu sistema de incentivos imediatos para implementação do EHR, combinado com as eventuais penalidades pela falta de uso, seu hospital estava começando a introduzir a tecnologia, mas devagar. “Estava acontecendo aos poucos porque os produtos não eram muito utilizáveis”, disse. O HITECH Act, estabelecendo os objetivos do uso significativo, foi registrado como lei em 2009 como parte das medidas de estímulo econômico, apesar de poder ser visto como um acompanhamento da reforma de saúde O Affordable Care Act veio em seguida, em 2010. De repente, a implementação do EHR virou algo que tinha que ser feita, estando o software pronto ou não.
 
Se não fosse pela intervenção governamental, a tecnologia teria sido introduzida de forma mais lenta e cuidadosa, com tempo para correções, ele acredita.
 
Enquanto isso, o uso significativo “desviou parte do desenvolvimento” voltando-se para tornar os produtos de EHR melhores, explicou Denton. Ou isso é parte de sua teoria sobre as coisas terem dado tão errado. Em vez de trabalhar em melhorias na interface de usuário, fornecedores desviaram seus esforços para satisfazer as exigências do governo para ter seus produtos certificados como apoiadores do uso significativo, ele suspeita.
 
Uma das justificativas para a implementação da TI em saúde é que ela deveria reduzir os erros médicos causados pela papelada desorganizada e as prescrições ilegíveis. Mais uma vez, Denton diz “o potencial para isso existir é um sistema bem-projetado”, mas o software genérico que tenta suprir toda a população e especialidade médica pode ter o efeito exatamente contrário, ele disse. Truques em interface de usuário com o objetivo de melhorar a produtividade pode levar a erros.
 
A autocomplet search (pesquisa de autocompletar) quando uma palavra começa a ser digitada e aparece uma sugestão para o médico, a partir das primeiras letras, de uma medicação, pode tornar a escolha de um remédio na lista que está abaixo do que era o intencional. Como resultado, ele já viu remédios de doenças cardíacas prescrito no lugar de um remédio para dor, por exemplo. “Então ele apresenta novas erros potenciais”. Mesmo quando o software está tentando se livrar de potenciais erros, por exemplo, ao detectar possíveis interações medicamentosas, é “realmente fácil se cansar de todos os pop-ups” e não prestar mais atenção.
 
Seu hospital usa um produto McKesson, Paradigm, e gastou bastante dinheiro com ele e provavelmente não mudará. Então, como chefe do comitê que fiscaliza a área de TI, o papel de Denton é buscar maneiras de melhorar a implementação do produto. Ainda assim, mesmo o EHR e os sistemas relacionados do hospital supostamente estarem em conformidade com a HL-7, não compartilham dados e eles ainda lutam para produzir os documentos de “continuidade de atendimento” que os provedores de saúde supostamente têm que conseguir compartilhar de forma online no novo mundo de TI digital.
 
“Mesmo na nossa própria clínica, nos sentimos presos”, Denton acrescentou. Sua clínica pediátrica teve que abrir mão do primeiro EHR com base na nuvem porque era simplesmente inútil.
Adicionando ainda mais problemas, ele teve que pagar 10.000 dólares em multa por quebra de contrato e exportação de seus dados. Parte do acordo continha ordem de sigilo, então ele não pode revelar a empresa de software, apesar de ter revelado que “não é uma das grandes”. A partir daí ele passou a usar a OfficePracticum, mas também não parece tão entusiasmado.
 
Uma das razões para seu desapontamento é que quando na época de sua residência no Intermountain Healthcare, nos anos 90, ele trabalhou com um sistema personalizado de registro eletrônico de saúde construído para seu hospital e ficou impressionado. Apesar de não ter todos os recursos dos EHRs de hoje “funcionava de uma maneira que permitia realmente uma melhor realização de seu trabalho. Mas era próprio deles, e passaram anos e anos o desenvolvendo”.
 
Em contraste, os softwares EHR comerciais têm que ser genéricos suficientes para funcionar em muitos hospitais e com todas as especialidades. O resultado é um projeto comprometido que não atende realmente bem as necessidades de ninguém, explicou Denton.
 
Assim, Denton chegou ao curso de informática Coursera querendo estudar como toda essa tecnologia deve funcionar. Tive que perguntar se ele acha que nosso professor, Dr. Braunstein, estava descrevendo um mundo diferente em TI de Saúde do que aquele no qual ele está trabalhando.
 
“Acredito que esse mundo exista”, Denton afirmou. Parece havar lugar nos Estados Unidos, provavelmente hospitais acadêmicos com as fontes para invesitir no aperfeiçoamento de TI, onde resultados positivos do compartilhamento do EHR e informações de saúde entre provedores é uma realidade. Mas o efeito do uso significativo tem o fodo em espalhar a tecnologia através do país em comunidades que não têm essas fontes. “É provavelmente o caso de tentativa de fazer muita coisa ao mesmo tempo”, ele finalizou.
 
* Por David F. Carr, da InformationWeek Healthcare USA
** Tradução por Alba Milena, especial para o InformationWeek Brasil
 
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