Apesar de ser apontado como exemplo de sucesso mundo afora, o programa brasileiro de combate ao HIV/Aids ainda impede que uma parcela dos soropositivos tenham acesso aos medicamentos ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente quem descobre a doença precocemente. É o caso de Lucas (nome fictício).
O estudante carioca, de 27 anos, descobriu que estava contaminado pelo vírus HIV há um ano, logo após o contágio. “Eu tive uma relação desprotegida e fiquei desconfiado. Fiz o teste logo depois e tive a confirmação”, relata ele. Mas a contagem das células de defesa CD4 — que indicam o grau de evolução da doença no organismo — estava em cerca de 700 unidades por milímetro cúbico de sangue. Pelas regras do SUS, os medicamentos antirretrovirais só são oferecidos quando essa taxa fica abaixo de 500/mm³.
Nos próximos meses, porém, o tratamento contra a Aids estará disponível na rede pública logo após o diagnóstico, independentemente do estágio da doença. É o que determina o novo protocolo do Ministério da Saúde, cuja publicação deve sair até o fim deste mês. O ministério estima que a mudança amplie em até 100 mil o número de pacientes com HIV com acesso ao tratamento. Com a publicação do novo protocolo, o Brasil se tornará o terceiro país a ofertar o coquetel de remédios logo após o diagnóstico — prática já adotada na França e nos Estados Unidos.
Também têm direito aos medicamentos os pacientes que apresentam outras doenças relacionadas à Aids, como tuberculose e hepatite, e os casais sorodiscordantes (quando um dos parceiros não tem o vírus). Atualmente, cerca de 313 mil soropositivos são atendidos pela rede pública.
Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas aprovam a mudança. “O novo protocolo está de acordo com a pesquisa mais recente sobre o assunto. Quanto mais cedo se inicia o tratamento, melhor”, diz a professora Celeste Aída Oliveira, da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB). Mas ela faz uma ressalva: “Uma vez iniciado o tratamento, é muito importante que a pessoa dê continuidade. A interrupção faz com que a síndrome se torne mais resistente. O tratamento não se restringe a medicamentos”.
Gestores e especialistas da área são unânimes: é fundamental ampliar o número de testes, para que o tratamento seja iniciado ainda nos primeiros estágios da doença. “Hoje, 28% dos pacientes no Brasil iniciam o tratamento com a contagem de CD4 abaixo de 200/mm³, numa situação bem complicada. É necessário ampliar a oferta e a divulgação da testagem. É isso que garantirá que a estratégia tenha sucesso”, avalia a médica sanitarista Maria Clara Gianna, que coordena o Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo.
Ludymilla Anderson Santiago trabalha há três anos no projeto Quero Fazer, que oferece testes instantâneos de HIV para populações de risco no Distrito Federal. Ela confirma: ainda há entraves para quem quer fazer o teste. “Especialmente no caso das pessoas mais vulneráveis, existe uma dificuldade para fazer o exame no SUS. Seja pelo horário, seja pelo medo de sofrer preconceito”, comenta. O governo informou que no ano passado disponibilizou 3,7 milhões de testes rápidos de HIV e que conta com uma rede de 345 centros de testagem e aconselhamento (CTA).
Memória
A revolução do coquetel
A revolução do coquetel
A evolução dos medicamentos antirretrovirais acompanhou, nos últimos 30 anos, os avanços sobre a compreensão da Aids e do vírus HIV. Apesar de os primeiros casos da síndrome terem surgido no fim dos anos 1970, a doença só foi identificada em 1982.
Em 1984, cientistas confirmaram que o HIV era o causador da doença, o que abriu caminho para as primeiras pesquisas de medicamentos. Em 1987, surgiu o primeiro remédio capaz de conter a multiplicação do HIV: a zidovudina, ou AZT.
O AZT foi também o primeiro antirretroviral a ser distribuído gratuitamente pelo SUS, a partir de 1991. Desde então, eles se diversificaram e passaram a ser combinados nos chamados coquetéis, quando medicamentos com funções diferentes são usados em conjunto.
Estado de Minas
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