O assédio sexual contra pacientes foi responsável por 44% das cassações
de registros profissionais de médicos ocorridas no País desde 2009,
conforme dados inéditos do CFM (Conselho Federal de Medicina) obtidos
pelo Estado. De 2009 até julho deste ano, 61 médicos brasileiros
perderam em definitivo o direito de trabalhar após serem julgados
culpados pelo conselho por algum tipo de delito ético. Em 27 dos casos,
mostram os dados, o motivo da cassação foi assédio sexual.
O recorde de cassações por esse motivo aconteceu em 2011, mesmo ano em
que Roger Abdelmassih perdeu o registro após ter sido considerado
culpado pelo CFM nas investigações de violência sexual contra pacientes
de sua clínica de reprodução assistida. Além de ser impedido de exercer a
medicina, ele foi condenado pela Justiça a 278 anos de prisão por 48
estupros contra 37 pacientes.
Naquele ano, das 13 cassações referendadas pelo CFM, dez estavam
relacionadas com denúncias de assédio sexual, o que representa 77% do
total
Nos outros anos, os casos de abuso foram responsáveis por, no máximo,
58% das cassações. No ano anterior ao recorde, 2010, apenas quatro
médicos tiveram seu registro cassado, nenhum por assédio.
Segundo Roberto Luiz dAvila, presidente do CFM, embora não haja um
estudo que comprove a relação do caso Abdelmassih com o aumento de
denúncias, a ampla divulgação da história pode ter estimulado vítimas de
outros médicos a procurar os conselhos de classe para denunciar o
delito.
— Ao verem a possibilidade de justiça [com a punição de Abdelmassih],
as pessoas que vivenciaram essas situações e não viam, até aquele
momento, perspectiva de buscar a punição dos culpados podem ter tomado
coragem para ir até a polícia, ao Conselho de Medicina ou até dividir
seu trauma com um amigo, que, por sua vez, dá o apoio para que ela rompa
seu silêncio.
São Paulo
No Estado de São Paulo, o caso Abdelmassih também teve reflexo no
número de denúncias de assédio sexual. Em 2009, quando os primeiros
relatos de pacientes vieram a público, o Conselho Regional de Medicina
do Estado (Cremesp) recebeu 82 denúncias do tipo, mais do que o dobro do
registrado no ano anterior.
Entre 2008 e 2013, foram 286 denúncias de assédio praticado por médicos
em São Paulo. Desse total, 114 viraram processos éticos até agora,
abertos quando o conselho constata que há, de fato, indícios do delito.
As especialidades que registram o maior número de queixas de assédio são
ginecologia, psiquiatria e clínica geral.
— Nem todas as denúncias se transformam em processos éticos
profissionais. Já identificamos uma minoria de situações em que o
paciente quer extorquir o médico ou faz a denúncia por vingança.
A declaração é de Maria do Patrocínio Tenório Nunes, coordenadora da Comissão Técnica de Assédio do Cremesp, criada em 2007.
Até agora, 14 processos já foram julgados e em 11 casos o profissional
foi considerado culpado. Os demais procedimentos estão em apuração — o
Cremesp tem cinco anos para julgar o processo e, quando a pena aplicada é
a cassação, a decisão precisa ser referendada pelo CFM.
Para Maria do Patrocínio, é importante que qualquer caso de assédio seja comunicado aos conselhos regionais.
— A medicina é uma profissão que depende da confiabilidade e da
lealdade. Aqueles que não têm condições de exercê-la devem ser
removidos. É nosso dever avaliar isso.
Estadão Conteúdo
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