O Brasil atravessa um momento econômico que tem provocado uma dinâmica social de forma a se construir uma sociedade menos desigual. Um dos desejos das classes C e D é o de adquirir um plano de saúderivaquelhe permita um melhor atendimento. A população enxerga no SUS um serviço deficiente, cuja estrutura em mais de 300 municípios não apresenta um médico sequer. Um sistema que nasceu para ser universal acaba por significar a exclusão de muitos a um direito básico: viver com dignidade.
Impressionam, porém, as contradições existentes entre essa aparente verdade de que o SUS não funciona. Demonstram os números: o Brasil gasta 8% de seu PIB com Saúde. Deste percentual, 3,4% é destinado para a saúde pública.
Essa foi a tônica da discussão da 16ª Conferência Municipal de Saúde de São Paulo, como etapa da Conferência Estadual de Saúde, realizada nos últimos dias 28 e 29 de junho. O tema do encontro não poderia ser mais apropriado: “Todos usam o SUS! SUS na Seguridade Social – Política Pública, Patrimônio do Povo Brasileiro.”
Pelas palavras da assessora do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, há iniciativas que demonstram a eficiência na gestão do SUS. Ela usou durante a conferência paulista, o exemplo da compra centralizada pelo Ministério da Saúde do medicamento Glivec, para tratamento de câncer. O objetivo foi reduzir o custo da quimioterapia no SUS e aumentar o acesso da população brasileira a esse tratamento. O acordo com o laboratório fornecedor permitiu uma redução de 50% no valor do medicamento.
Segundo o Ministro da Saúde, entre os 45 milhões de usuários da saúde privada há 90% de procedimentos de alta complexidade são realizados pelo SUS, pela ausência de cobertura. Medicamentos caríssimos prescritos na saúde privada são oferecidos pelo SUS, normalmente após a provocação do Poder Judiciário. Muito embora, se o medicamento estiver disponibilizado no SUS, desnecessária tem sido a propositura de uma ação.
Outro índice interessante: do número total de leitos oferecidos pelo SUS, contabiliza-se que 51% sejam usados pelo setor privado, contratados sem regulamentação. Entende-se, destarte, a razão de uma das propostas mais aclamadas pelos delegados, representantes das 24 regiões onde se localizam as subprefeituras do município, para que um modelo de gestão seja “100% SUS, com financiamento exclusivamente público e operando com uma única porta de entrada.
De outro lado, vê-se que onde o SUS não oferece leitos o suficiente para a demanda local, não possui um equipamento para um exame ou os equipamentos existentes encontram-se sem manutenção. Restará ao sistema a locação desses recursos da rede privada, os quais serão pagos com recursos da saúde pública. Fácil chegar à conclusão de que falta uma gestão mais eficiente.
São Paulo tem-se mostrado um modelo de privatização da gestão de saúde. As Organizações Sociais de Saúde (OSS), representadas por pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, foram o alvo de crítica durante o encontro. Algumas das proposições que serão levadas para a Conferência Estadual passam pela exclusividade de gestão pública. A proposta “Não à privatização”, quando votada em plenária teve maioria dos votos, com direito à ovação pelos delegados presentes. “Saúde pública com gestão pública”, quando votada ratificou esse posicionamento.
Foram apresentados dados na plenária que justificam certa preocupação. Há alegações de que, em certos hospitais sob gestão de uma OSS, são reservados 25% dos leitos para atendimentos particulares ou para a clientela usuária de seguros/planos privados. O fato de a OS ser entidade de direito privado, é a busca pelo lucro com os procedimentos de saúde que parece ser seu objetivo principal. A consequência é, para os defensores de uma gestão exclusivamente pública, um prejuízo à cidadania em relação aos direitos à assistência à saúde.
Não obstante, exercendo a democracia, os gestores da Secretaria de Saúde entendem que as OSS possibilitam agilidade ao atendimento, contrapondo-se ao entendimento majoritário da plenária. O argumento da celeridade procede se considerado que uma OS pode contratar trabalhadores livremente pela CLT, dispensando os morosos concursos públicos,apenas para se citar um exemplo.
O conceito dos participantes, usuários, trabalhadores e gestores (esses em menor número) é o de que a precarização das relações de trabalho no setor de saúde começa no fato de uma instituição pública contratar desde os serviços de hotelaria até médicos de diferentes empresas privadas, a depender do modelo de gestão. Esta seria a justificativa para o não comprometimento com a qualidade do Sistema, com a humanização no atendimento e a não inclusão dos seguimentos de maior complexidade: idosos, moradores de rua, doentes mentais.
Seguindo essa lógica conceitual do SUS, não surpreende que as propostas para projetos de educação continuada envolvam apenas os trabalhadores concursados. Tal direcionamento dos recursos investidos no aperfeiçoamento profissional representaria a valorização do trabalhador e a certeza de que o usuário do sistema seria beneficiado.
O Ministério da Saúde tem acenado, por outras iniciativas, para a importância de se retomar o Pacto Interfederativo pela Saúde: Município, Estado. União. Para que o pacto tenha eficácia será importante a identificação das necessidades de saúde locais, como serão aplicados os percentuais de cada esfera, a determinação dos indicadores de avaliação e das metas de saúde, entre outros fatores. Com esses dados seria possível formalizar o Contrato Organizativo da Ação Pública na Saúde, que está contemplado na Emenda Constitucional 29/2000, a qual aguarda regulamentação por projeto de lei a ser votado na Câmara (há dez anos!).
Os objetivos daqueles que estiveram presentes a essa conferência resumem-se a três temas centrais: as políticas públicas de saúde na Seguridade Social; a participação da comunidade e controle social e, como eixo central: a gestão do SUS.
Para finalizar vale destacar uma ocorrência interessante. Um ícone da conferência: o imprescindível comparecimento a uma consulta com especialista da rede (marcada há muito tempo) foi a justificativa para a ausência de uma delegada regional de saúde, cadeirante. A interlocutora, ao usar seu direito à fala, complementou para a Plenária : “Vocês sabem como funciona o sistema. Se ela perdesse a consulta hoje, outra, só daqui a 2 (dois) anos”
*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB/SP e Presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde
Fonte SaudeWeb
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