150 casais com o vírus da aids já começaram o tratamento especial de reprodução assistida em SP e cinco estão “grávidos”
A sala de espera tinha 12 casais, sentados em fileira e esperando a consulta para começar o tratamento de reprodução assistida. O silêncio marcava o pré-atendimento. Silêncio, este, estendido para a vida social, para a família e também para o trabalho. Na história deles, além da vontade de ter filhos, também há a convivência com o vírus HIV.
A sala de espera tinha 12 casais, sentados em fileira e esperando a consulta para começar o tratamento de reprodução assistida. O silêncio marcava o pré-atendimento. Silêncio, este, estendido para a vida social, para a família e também para o trabalho. Na história deles, além da vontade de ter filhos, também há a convivência com o vírus HIV.
“Na área da reprodução humana, a paciente que engravida com o auxílio da medicina, fala com uma amiga que está com dificuldade de ter filhos e ela vem nos procurar. A propaganda do serviço é boca a boca. Entre os soropositivos não existe isso. O segredo é forte”, explica o médico obstetra Waldemar Carvalho, responsável pelo ambulatório público de fertilização assistida para casais que convivem com a aids, em São Paulo.
Por suas mãos, no último ano, passaram 150 casais em busca de uma gravidez segura. No prontuário deles, ou o homem é infectado pelo HIV ou a mulher. Em alguns casos, ambos têm a doença. Entre os pacientes, cinco mulheres estão grávidas e vão gerar crianças sadias e nascidas sem o vírus da aids. Também é por causa deste tratamento específico, que o risco de contaminar o parceiro (a) chega próximo a zero.
O Delas passou um dia neste consultório do Sistema Único de Saúde (SUS) paulista e encontrou homens e mulheres ansiosos para a gestação e com medo da exposição. Nenhum deles quis revelar a identidade verdadeira para a reportagem com medo do preconceito.
Ela pedagoga, 25 anos. Ele engenheiro, 27. Em uma viagem de Réveillon, os dois se encontraram e não se largaram mais. Namoro, planos e a ideia de casar e constituir família veio um ano e meio depois do primeiro beijo. “Fizemos uma bateria de exames pré-nupciais só para aproveitar a lua de mel com a certeza de que nada de mal nos afetaria”, conta ela.
“Mas quando fui buscar os resultados, voltei não apenas com o meu mundo destruído como com a certeza de que iria perder a mulher dos meus sonhos”, lembra ele. “O resultado positivo para a aids me desesperou e tive certeza de que enfrentaria isso sozinho. Aí veio a surpresa.”
Ela ficou chocada, perdida, mas respirou antes de terminar o relacionamento. Resolveu investir no compromisso, já que ele continuava sendo o mesmo homem por quem tinha se apaixonado. Casaram. “E temos uma vida sexual ótima e normal”, diz a mulher. “Claro que no começo parecia que uma nuvem negra de tensão pairava em cima da nossa cama. Era tanto medo de infectá-la, que era difícil pra mim”, conta ele.
A camisinha trouxe a tranquilidade que faltava e, um ano depois do casamento, a vontade de ter filhos ficou forte. Os dois queriam uma gravidez saudável e foram buscar as alternativas para a gestação segura.
Apesar de ouvirem – de alguns poucos que sabem de seus históricos médicos – que colocam em risco a vida de outras pessoas e que ser pai e mãe não é um sonho possível para eles, eles, assim como todos os pacientes que aguardavam atendimento, tinham o cuidado com o outro muito forte em seus discursos.
“Ainda há certa resistência entre os infectologistas e os clínicos gerais que fazem o atendimento dos pacientes com aids em falar sobre gestação. Isso não significa que não more neles o sonho de engravidar, um direito assegurado pela constituição”, avalia a psicóloga Andrea Rossi, assessora técnica em reprodução humana do Departamento Nacional de Aids, ligado ao Ministério da Saúde.
“A minha vontade de ser pai é tão grande como a minha preocupação em não colocar a minha mulher em perigo”, afirmou a uma das atendentes do planejamento familiar um senhor de 55 anos de idade, soropositvo e casado com uma mulher não infectada de 30 anos.
As técnicas e as possibilidades
A expectativa de vida de um portador de vírus HIV hoje é indefinida. As pesquisas mais recentes, publicadas 30 anos após o início da epidemia, afirmam que o que já foi uma sentença de morte – antes os portadores sobreviviam seis meses após o diagnóstico – hoje indica que a pessoa terá de fazer tratamento médico para o resto da vida.
O perfil de infectados também deixou de ser mais presente em um grupo específico. Entre 1980 e 2010, o Brasil confirmou 492.581 casos de aids. Entre os homens com mais de 13 anos infectados, 31,2% eram heterossexuais, os homossexuais somaram 20,6% e os bissexuais 11,8%. No sexo feminino, os casos de aids estão relacionados majoritariamente (91,2%) à categoria de exposição heterossexual.
É em resposta a estes dois fenômenos – aumento da sobrevivência e heterossexualização dos casos – que a médica infectologista especializada em reprodução assistida em soropositivos, Rita Sarti, diz que é preciso ampliar a oferta e a segurança da gravidez entre os casais que convivem com o HIV. Ela diz que são três possibilidades de métodos e em todos os casais já atendidos não há nenhum caso de infecção.
Camisinha neles
Nos últimos 10 anos, segundo informações do Ministério da Saúde, 47 mil mulheres com o diagnóstico de aids engravidaram. A maior parte delas, estimam os especialistas, por meio de relações sexuais desprotegidas, ainda que o parceiro não tivesse infectado (casais chamados de sorodiscordantes). Não há dados sobre pacientes femininas que engravidaram de companheiros infectados.
Entre estas estatísticas, inclusive, podem estar casos em que nem mesmo o homem sabe que a mulher tem o vírus (e vice-versa). O segredo e a falta de orientação para quem quer engravidar acabam fomentando a transmissão vertical, situação que ocorre quando as crianças são infectadas enquanto ainda estão na barriga ou na amamentação. Estes casos ainda representam 2% do total de registros no País, conforme mostra o último Boletim Epidemiológico Nacional, divulgado há dois meses.
O engenheiro e a pedagoga, e outros casais que estavam na sala de espera, não querem entrar para estes números. Mas, daqui nove meses, almejam fazer parte do grupo de pais que não sabem o que fazer com as cólicas dos recém-nascidos e que babam ao ver o primeiro sorriso das crianças.
Fonte IG
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