Foto: The New York Times Ampliar Timothy Brown: ele fez um arriscado tratamento para leucemia e eliminou o vírus do corpo |
Após dois relatos recentes de eliminação vírus, pesquisas voltam a investir esforços para curar a doença em vez de só tratá-la
Até pouco tempo atrás, a possibilidade parecia pouco mais que uma ilusão. Porém, para muitos cientistas, as experiências de dois pacientes agora sugerem que a cura da aids pode se tornar viável.
Um homem, conhecido como paciente de Berlim, aparentemente está livre do vírus HIV, após ter passado por difíceis transplantes de medula óssea.
Mais recentemente, um homem de 50 anos de Trenton, Nova Jersey (EUA), foi submetido a um procedimento bem mais simples: uma terapia genética. Apesar de não ter sido curado, seu corpo conseguiu controlar o vírus por um breve período de tempo após o paciente ter interrompido a ingestão de medicamentos antivirais – algo extremamente fora do comum.
"É difícil subestimar o modo como o pensamento da comunidade científica oscilou em relação à possibilidade de conseguirmos obter a cura da aids", disse Kevin Frost, diretor-executivo da Fundação de Pesquisa da Aids, uma organização sem fins lucrativos.
"A palavra cura, no contexto do HIV, tinha até mesmo se esvaziado".
No passado, houve tentativas de curar a doença, mas a maioria dos especialistas considerou mais factível focar na prevenção e no tratamento. A urgência da cura pode parecer ainda menos destacada agora que os medicamentos antivirais transformaram, para muitas pessoas, a infecção por HIV – antes uma sentença de morte – em uma doença crônica.
Entretanto, os medicamentos não estão disponíveis para todos, além de não eliminarem a infecção. Mesmo quando está indetectável no sangue, o vírus da imunodeficiência humana age furtivamente no organismo. Se o paciente parar de tomar os medicamentos, o vírus quase sempre começa a se manifestar novamente.
Desse modo, portadores do HIV têm que tomar medicamentos todos os dias pelo resto da vida, o que alguns pesquisadores dizem não ser uma solução sustentável para dezenas de milhões de infectados.
"Eu não acho que o planeta tenha os recursos necessários para fornecer esses medicamentos para todo mundo que precisa deles por décadas e décadas a fio", avalia Steven Deeks, professor de Medicina da Universidade da Califórnia, em São Francisco.
A cura pode ser a única solução realista. O Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, dos Estados Unidos, diz que a cura é uma das suas principais prioridades e concedeu, neste ano, financiamentos para pesquisas que poderiam totalizar 70 milhões de dólares ao longo de cinco anos para três equipes de pesquisa em busca desse objetivo. Além desse, mais financiamentos estão chegando.
A agência de células-tronco da Califórnia prometeu investir um total de 38 milhões em três projetos destinados a encontrar uma cura. Empresas como a Merck, a Gilead Sciences, a Sangamo BioSciences e a Calimmune também começaram a investir nesse sentido. Ainda vai demorar anos até que haja uma cura, mas alguns cientistas estão mais otimistas do que outros.
"Acho que estamos muito mais perto de uma cura que de uma vacina", afirmou Rafick-Pierre Sékaly, diretor científico de vacinas do Instituto de Terapia Genética da Flórida.
Existem duas abordagens principais nas pesquisas de hoje. Uma delas é a chamada cura por esterilização – a erradicação do HIV do corpo. A outra, uma cura funcional, não eliminaria o vírus, mas permitiria que uma pessoa permanecesse saudável sem medicamentos antivirais.
A esperança de uma cura foi alimentada em parte pela experiência do paciente de Berlim, um americano chamado Timothy Brown, que tinha HIV e leucemia. Em 2007 e 2008, enquanto vivia em Berlim, Brown recebeu dois transplantes de medula óssea para tratar a leucemia. O doador fazia parte do 1% dos europeus da região Norte que são naturalmente resistentes à infecção pelo HIV, pois seu organismo não contém CCR5, uma proteína localizada na superfície das células do sistema imunológico que é utilizada pelo vírus como portal de acesso.
Com seu próprio sistema imunológico substituído por outro resistente à infecção, Brown, de 45 anos, que agora vive em São Francisco, ficou aparentemente livre do vírus há aproximadamente quatro anos. Mas os transplantes de medula óssea são extenuantes, arriscados e caros. Além disso, é difícil encontrar um doador imunologicamente compatível, ainda mais um que tenha mutações em ambas as cópias do gene CCR5.
Assim, os cientistas estão tentando, por meio da eliminação do CCR5, modificar as próprias células do sistema imunológico do paciente para torná-las resistentes à infecção. Esse foi o tratamento ao qual o paciente de Trenton foi submetido. Alguns de seus glóbulos brancos foram removidos e tratados com uma terapia genética desenvolvida pela Sangamo BioSciences. A terapia induziu as células a produzir proteínas chamadas "nucleases dedo de zinco", que podem anular a ação do gene CCR5. As células tratadas foram então devolvidas ao organismo do paciente. Um mês depois, como parte da experiência, o homem deixou de tomar os medicamentos antivirais por 12 semanas.
Como esperado, a quantidade de HIV em seu sangue disparou. Contudo, voltou em seguida a um nível não detectável pouco antes do final do período de 12 semanas. A contagem de células imunológicas do paciente também disparou.
"Eu me senti o próprio Super-Homem", contou em uma entrevista, embora isso possa ter ocorrido, em parte, pela suspensão dos medicamentos antivirais, que causam fadiga. O homem falou sob a condição de anonimato, porque não contou a muitos amigos e parentes que era portador do HIV.
Pablo Tebas, professor da Universidade da Pensilvânia que tratou o paciente, disse: "Trata-se apenas de uma pessoa, mas é um resultado notável". Outros especialistas se mostraram cautelosos.
"Em 12 semanas, não dá para dizer se a terapia funciona e que o paciente está controlando o vírus sozinho", disse o Dr. Jeffrey Laurence, diretor do laboratório de pesquisa de aids da Faculdade de Medicina Weill Cornell. De todo modo, ele considerou os resultados "incríveis".
A terapia genética não funcionou tão bem em cinco outros pacientes, segundo resultados apresentados em setembro na Conferência de Interciência sobre Agentes Antimicrobianos e Quimioterapia. Pesquisadores levantaram a hipótese de que o paciente de Trenton obteve mais sucesso no tratamento por ter herdado uma mutação em um de seus dois genes CCR5, o que facilitou o trabalho da terapia genética. Após o tratamento, ambas as cópias do gene CCR5 estavam faltando em até 13,5% de suas células CD4 – as principais células imunológicas infectadas pelo HIV. Isso foi quase o dobro do observado em outros pacientes.
Ainda assim, a grande maioria de suas células CD4 não foi alterada geneticamente e permaneceu suscetível à infecção, tornando intrincados os resultados da experiência.
Alguns cientistas disseram que isso sugere que livrar pelo menos 10% das células CD4 da infecção pode de alguma forma permitir que o sistema imunológico controle o vírus. Os pesquisadores estão avaliando como aumentar o percentual de células deficientes em CCR5 nos pacientes que não têm a mutação genética do indivíduo de Trenton.
Equipes da City of Hope e da Universidade do Sul da Califórnia, junto a equipes da Calimmune e Universidade da Califórnia, em Los Angeles, estão trabalhando na desativação dos genes CCR5 em células-tronco sanguíneas. Isso poderia vir a tornar todo o sistema imunológico resistente à infecção de forma permanente, apesar da necessidade dos pacientes passarem por um transplante de células-tronco. Os críticos dizem que uma cura funcional não ofereceria muito mais que os atuais tratamentos com medicamentos.
"Qualquer abordagem que exija o uso de engenharia genética em cada paciente está completamente fora da realidade em termos de uma epidemia de proporções mundiais", disse Robert Siliciano, professor de Medicina da Universidade Johns Hopkins.
David Margolis, da Universidade da Carolina do Norte, disse: "Uma terapia genética como essa, que suprime o vírus até certo ponto, por um certo período de tempo, não é muito diferente de tomar uma pílula por dia". Siliciano e Margolis estão pesquisando como erradicar o vírus do corpo.
O HIV pode permanecer latente por anos. Um de seus refúgios fica nos linfócitos T de memória, que são células de vida longa que "se lembram" da exposição a um patógeno e ajudam a elaborar uma resposta imunológica caso o mesmo germe invada o corpo anos depois.
A esperança é de que uma droga possa ativar o vírus latente e o expulsar de seus esconderijos. Um candidato, atualmente em teste em uma pequena experiência clínica, é o vorinostat, vendido pela Merck sob o nome Zolinza para o tratamento de um câncer raro. O vorinostat reverte um mecanismo que as células usam para silenciar os genes. Acredita-se que o HIV faça uso desse mecanismo para se tornar latente.
Outro candidato, que atualmente está sendo testado em primatas, é um anticorpo desenvolvido pela Merck para bloquear uma proteína chamada PD-1. Mas a cura por esterilização também seria um desafio.
"O vírus está no cérebro, está no coração, está nos rins, está em muitos tecidos diferentes", disse Jay Levy, virologista da Universidade da Califórnia, em São Francisco.
O vorinostat poderia ativar não apenas o vírus, mas também genes que devem permanecer inativos, causando efeitos colaterais. A ativação de muitos linfócitos T de memória poderia levar a uma reação extrema e perigosa do sistema imunológico. E assim que a células e vírus despertassem, teriam que ser mortos, para impedir que perdessem o controle.
Qualquer tentativa de cura deve ser segura, porque a maioria dos pacientes já se dá bem com os medicamentos antivirais, segundo Michael Harrington, diretor executivo do Treatment Action Group, uma organização de políticas de investigação da aids.
Mesmo assim, Brown, o paciente de Berlim, agora faz palestras pedindo mais trabalhos dedicados à busca de uma cura. E o paciente de Trenton, que voltou aos medicamentos antivirais, disse que quer ser tratado novamente.
Fonte iG
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