A briga com a balança pode parecer uma relação de amor e ódio envolvendo todos os sintomas: ansiedade, dependência e fuga depois de um fim de semana gordo. Não é uma doença, mas essa "neura" pode atrapalhar qualquer plano de dieta.
Depois de ouvir "ameaças" de pacientes --"só vou na consulta se você não me pesar"--, a nutricionista Adriana Kachani resolveu estudar o tema. Ela acaba de defender uma tese no Instituto de Psiquiatria da USP sobre as motivações e os riscos de se pesar demais ou de menos.
A pesquisa foi feita com 125 pessoas com e sem transtornos alimentares, como anorexia e bulimia. Os resultados mostram que as mais insatisfeitas com seus corpos se pesam mais e que a maioria sobe na balança querendo mais coisas além de saber o peso.
"Muitos se pesam para saber o quanto podem comer amanhã ou o quanto precisam fazer de exercício. Outros, para ter uma garantia de que estão bem", explica.
A analista de sistemas Daniela Campos, 31, sobe na balança todo o dia para se lembrar de que não está magra. "Se não me peso todo o dia, posso sair comendo o que vejo pela frente." Está de dieta há um ano, já perdeu 16 quilos e quer perder mais nove.
"O problema é que engordo muito rápido", diz, botando a culpa na pizza: "Três pedaços já dão diferença. Se não me pesar sempre, não consigo me controlar".
Semanas atrás, quando estava prestes a deixar a casa dos 80 quilos, Daniela chegou a se pesar mais de uma vez por dia. "Acordei à noite para checar. Estava muito ansiosa, 80 quilos era um marco. Agora, com 79, estou mais calma." Mas nem assim pensa em se livrar da balança: "Talvez no futuro eu consiga".
Pesar-se demais não quer dizer necessariamente que a pessoa tenha transtorno alimentar, mas, segundo Táki Cordás, psiquiatra e co-orientador da tese, é um alerta. "É preciso observar outros sinais, por exemplo, se ela tem preocupação exagerada com o físico, se ela pauta a vida pela pesagem e se fica angustiada quando não se pesa."
Há outras rotinas de "checagem do corpo", entre elas olhar no espelho, experimentar roupas ou apertar dobrinhas. "Pode não ser doença, mas essa preocupação exagerada causa uma restrição da liberdade", afirma Cordás.
Quando os números da balança não agradam, a frustação pode ser grande. "Depois de decepções a pessoa pode parar de se pesar. Isso só atrapalha. A pesagem é fundamental para quem quer perder peso", diz Kachani.
'Dia de pesagem'
Daniela jura de pés juntos que, em um dia, pode engordar um quilo e meio. Já o engenheiro Max Forte, 43, vê o peso diminuir de segunda a sexta e aumentar nos fins de semana. Ele se pesa diariamente há oito anos e tem uma planilha com os números.
Os dois não estão errados: o peso varia mesmo de um dia para outro. Mas isso não quer dizer nada. "Não podemos nos esquecer de que 70% do nosso peso é água. Se você tomou mais líquido, fez menos xixi, pode dar diferença", explica o endocrinologista João Eduardo Nunes Salles, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Regional São Paulo).
Durante o dia, só com comida e bebida dá para ganhar mais de um quilo. Depois de metabolizados, alimentos mais salgados ou condimentados (como comida japonesa) ajudam a reter líquidos e influenciam no peso.
Outros fatores, como mau funcionamento do intestino, hormônios femininos e atividade física também interferem. Dependendo da pessoa, um jantar pode render até dois quilos a mais nos próximos três dias. Esse ganho de peso, porém, não é real.
Mesmo a gordura sendo metabolizada rapidamente, só dá para saber se a pessoa engordou depois de uns quatro dias, de acordo com os médicos. Por essas e outras eles não recomendam a pesagem diária, muito menos mais de uma vez por dia, antes ou depois de exercícios.
Para o endocrinologista Bruno Geloneze, a prática é inútil. "O ganho de peso é muitas vezes associado à ansiedade. Reforçar rituais que geram mais ansiedade, como se pesar muitas vezes, é conspirar contra si mesmo."
Como a perda de peso saudável deve ser gradual (500 g por semana), o ideal é subir na balança semanalmente ou até quinzenalmente.
Fórmula da gordura
Não é tão fácil ganhar um quilo de gordura, segundo Paulo Roberto Correia, fisiologista do exercício da Unifesp. "O corpo precisa de mais ou menos 9.000 calorias em excesso para ganhar um quilo. Em um dia, se gastamos 2.000 calorias, seria preciso ingerir 11 mil, o que é quase impossível", calcula.
Mas não é tão difícil ganhar um quilo em uma semana: basta comer 1.200 calorias extras por dia, o equivalente a duas barras de chocolate.
O engenheiro Max Forte engordou quando morou uma temporada em Curitiba. De volta a São Paulo, criou uma fórmula para somar o quanto ele gastava de energia e o quanto consumia. Registrava tudo na planilha, além do peso. "A longo prazo, conseguia medir os ganhos de massa muscular."
Como a matemática do peso não é simples e nem sempre é traduzida na balança, especialistas já defendem o uso de outras estratégias, como os exames de bioimpedância, que medem a taxa de gordura corporal.
Em casa, a melhor saída é olhar para o espelho e ver se aquela calça que não entrava está servindo. "Peso não serve para nada, medida é mais importante. Se você entrou numa calça que não estava entrando, é porque perdeu gordura", diz Salles.
Fonte Folhaonline
Nenhum comentário:
Postar um comentário