Fernanda Aranda/ iG São Paulo O anestesista Guilherme Carvalho presta atendimento a uma das crianças de Mentai |
O creme dental fica dentro da caneca, na cozinha. Quando as crianças adoecem, Maria coloca em prática a receita que inventou: mistura a pasta, usada só em caso de emergência, ao café.
Oferece a “alquimia” aos filhos, na esperança de que a poção acabe com a diarreia da prole numerosa, composta por seis meninos e meninas.
A família vive em um dos casebres de Mentai, comunidade ribeirinha a 150km de Santarém (Pará). No local, tão comuns como o nome Maria – é o primeiro de batismo de quase todas as pessoas do sexo feminino – são as misturinhas caseiras para conter a disenteria e a dor de barriga. Comum também é negligência com a saúde bucal.
Não por acaso, as verminoses e as cáries em quase todos os dentes da boca figuraram entre os problemas mais atendidos pelos voluntários do Expedicionários da Saúde, ONG que recruta profissionais de todo País e há 9 anos leva atendimento à regiões amazônicas distantes dos postos médicos.
Na 23ª missão do grupo – instalada em Mentai e acompanhada pela reportagem – a pediatra Cibele Coelho e os odontologistas Martim Affonso Ferreira Filho e Marcos Hayashi atenderam a comunidade de 900 pessoas em consultórios provisórios e de última geração. Eles foram levados praticamente na bagagem dos 32 expedicionários e instalados na floresta amazônica. Como legado, os voluntários esperavam deixar noções básicas de saúde.
“A gente precisa mostrar a importância da escovação diária. Todos que sentaram na cadeira queriam como solução que arrancássemos o dente dolorido”, contava Hayashi ao final do décimo dia de expedição.
Já Cibele, no receituário, orientava a população a lavar a roupa todo dia para conter a escabiose (nome científico da sarna). Também ressaltava que lavar as mãos após usar o banheiro e antes de comer ajudaria a evitar os ventres doloridos e estufados pelos vermes.
17 anos, seis dentes condenados
Apesar dos cuidados mais simples de saúde terem feito parte da jornada de pediatria e odontologia, o grande mote dos Expedicionários é fazer cirurgias de hérnia e catarata na população indígena e ribeirinha.
Oito toneladas de equipamentos cirúrgicos são levadas nas missões e viram um hospital de primeira linha nas áreas atendidas. Para dar apoio ao centro cirúrgico provisório que levam às zonas afastadas da medicina, são montados consultórios clínicos.
Em 2009, o dentista Martim conseguiu convencer o pai, cirurgião e um dos idealizadores dos Expedicionários, a colocar a odontologia nas especialidades atendidas. Desde então, a saúde bucal virou um dos carros-chefe da expedição. Só em Mentai foram 406 procedimentos odontológicos.
“Cada paciente atendido exigiu em média seis procedimentos no mesmo atendimento. A situação encontrada foi crítica, em crianças e adultos”, pontua Martim.
“É delicado, porque precisamos ensinar o valor de um dente. Amanhã, não vamos estar aqui e ir ao dentista não é prática corriqueira ou possível. Em uma das pacientes, com apenas 17 anos, não tivemos outra alternativa: extraímos 6 dentes. Fiz isso com dor no coração”, lembra Mauro, estreante nos Expedicionários.
Sorriso de presente
No mesmo ano em que a saúde bucal passou a fazer parte dos cuidados oferecidos pelos Expedicionários da Saúde, a pediatra Cibele integrou o grupo voluntário, encaixando as missões em seus períodos de férias.
“Sempre fui apaixonada pelo meu pediatra. Nunca quis fazer outra coisa na vida”.
Ela já trabalhou em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Londres. Mas é ensinando aos índios e aos ribeirinhos como lavar as mãos antes de comer, que ela reencontra a certeza de que escolheu a profissão certa. Em Mentai, como retribuição ao atendimento feito, ganhou o sorriso – sem cáries – de Caíque Júnior, filho de mais uma das Marias do local.
Fonte iG
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