Independentemente do lugar do mundo onde se esteja, a fase da adolescência é crítica. As mudanças são físicas, mentais, psicológicas, sociais e culturais. Essa época, por si só, já poderia causar uma queda nos níveis de qualidade de vida desses adolescentes. Somada a outros problemas, mesmo que cotidianos, essa queda pode ser ainda mais acentuada e levar ao desenvolvimento de transtornos mentais.
A adolescência pode ser a pior época da vida para o desenvolvimento de
transtornos mentais como a depressão e transtornos do humor. E esses problemas,
muitas vezes, são confundidos como as ‘fases’ naturais da adolescência, o que
nem sempre é real”, afirma Evelyn Kuczynski, psiquiatra especializada em
infância e adolescência e autora do livro Qualidade de vida na infância e na
adolescência, publicado pela Grupo A Editora.
“Isso se dá por diversos fatores, que incluem, além da fase naturalmente
conturbada, as pressões acadêmicas, o nível de exigência dos pais – incluindo a
insistência para fazer diversos cursos paralelamente à escola –, a
hiperestimulação por causa do uso excessivo da internet e a convivência com a
violência nos grandes centros urbanos”, explica a especialista.
Fim da infância
Evelyn ressalta a mudança relativamente recente no modo de vida das crianças
e adolescentes. A fase da brincadeira, importante para o desenvolvimento
infantil e que muitas vezes se estendia até a pré-adolescência ou além, vem
sendo substituída por uma pressão por parte dos pais para que esses jovens
indivíduos se engajem em diversas atividades paralelas, mesmo após o horário
escolar.
“Muitas crianças e adolescentes têm ‘agenda de executivos’. Além de ir à aula
na escola, elas fazem reforço de línguas estrangeiras (quando não um terceiro ou
quarto idioma), vão para a academia, fazem aulas de dança, de pintura, etc. Elas
não têm tempo para serem crianças”, alerta Kuczynski. “Essas crianças são
esticadas até seu limite, pois alguns pais praticamente exigem níveis de
qualidade em todos os afazeres que elas se engajam.”
Excesso de atividades pode estressar os filhos
A psiquiatra diz ainda que muitos pais não enxergam quando seus filhos estão
ficando estressados. “Muitos pais não se questionam sobre o que faz os filhos
realmente felizes. Eles fazem de tudo para mantê-los ocupados, ativos. E o que
os filhos podem querer realmente é apenas um tempo maior com a família, brincar
com os amigos, passear pela cidade. Coisas simples que os fariam mais felizes”,
diz Kuczynski.
Para a autora, as famílias acabam esquecendo a própria infância, esquecendo o
prazer de brincar ou fazer atividades não programadas e pressionando para que os
filhos façam cursos diversos e apresentem resultados positivos em todos
eles.
“Se aquelas atividades programadas são prazerosas para a criança ou o
adolescente, tudo bem. Mas o fato é que para a criança, o que parece prazeroso
em um primeiro momento pode se tornar enfadonho. É normal elas mudarem de ideia.
Alguns pais não aceitam e isso pode ir, aos poucos, estressando os filhos e
fazendo a qualidade de vida desses indivíduos diminuir com o tempo”, diz
Kuczynski.
Há também os pais que não pensam nas consequências e acabam fazendo todos os
gostos dos filhos, mesmo que eles queiram fazer atividades antagônicas como balé
e judô, o que pode ser ruim até mesmo para o desenvolvimento do corpo dessas
crianças, diz a especialista. “É preciso saber dizer não e promover tempo livre
para os filhos.”
Substituição da ausência
Mas a agenda cheia dos filhos pode refletir falta de habilidade dos pais de
gerir seu próprio tempo. Para compensar a ausência na vida – e na educação – dos
filhos, alguns pais acabam “terceirizando” o preenchimento dessas lacunas. É
quando todo o tempo livre após o período normal na escola vira uma
montanha-russa de atividades, para que a criança não se dê conta de que na
verdade os pais é que não estão disponíveis.
A especialista diz que é difícil saber quando essas crianças não estão mais
satisfeitas com tudo isso e começam a ficar infelizes. “Avaliar a qualidade de
vida em crianças e adolescentes é complicado, pois normalmente as medições são
indiretas: pais, professores, cuidadores, são essas as pessoas que acabam sendo
o indicador de felicidade desses indivíduos. Mas poucas pessoas perguntam
diretamente para elas”, diz. Isso se deve, em primeiro lugar, a uma falta de
metodologias e instrumentais adaptados que avaliem tais condições.
Isso, explica a psiquiatra, pode encobrir os reais índices de felicidade e
qualidade de vida nesse público. “O trabalho que realizamos e que publicamos é
um dos poucos a tratar do assunto no Brasil. Há pouca literatura a respeito do
tema”, afirma Kuczynski, que aponta que esse público merece mais atenção para
que seja possível pensar em estratégias para aumentar seus níveis de satisfação
e protegê-los contra a emergência de transtornos que possam impactar
negativamente suas vidas.
Fonte O que eu tenho
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