Foto: Divulgação Cena do documentário 'Elena', de Petra Costa (foto); diretora refaz trajetória da irmã, que se matou em 1990, aos 20 anos |
No Brasil, a taxa de suicídio entre adolescentes e jovens aumentou pelo menos
30% nos últimos 25 anos. O crescimento é maior do que o da média da população,
segundo o psiquiatra José Manoel Bertolote, autor de "O Suicídio e sua
Prevenção" (ed. Unesp, 142 págs., R$ 18).
A curva ascendente vai contra a tendência observada em países da Europa
ocidental, nos Estados Unidos, na China e na Austrália. Nesses lugares, o número
de jovens suicidas vem caindo, ao contrário do que acontece no Brasil, aponta um
estudo da University College London publicado no periódico "Lancet" no ano
passado.
"Na década de 1990, a taxa de suicídios aumentava em todos os países do
mundo, e a OMS [Organização Mundial da Saúde] lançou um programa de prevenção.
Os países que fizeram campanhas de esclarecimento conseguiram baixar os números.
É importante falar do assunto", diz o psiquiatra Neury Botega, da Unicamp.
Tabu
O tema é tabu até para profissionais de saúde. Nos registros do Datasus
(banco de dados do Sistema Único de Saúde), aparece como "mortes por lesões
autoprovocadas voluntariamente". Um longo eufemismo, segundo Botega. Evita-se a
palavra, mas o problema se perpetua.
Em cursos de prevenção, o psiquiatra registrou as crenças de profissionais de
saúde. Muitos acham que perguntar à pessoa se ela pensa em se matar já pode
induzi-la a consumar o ato.
"Não temos esse poder de inocular a ideia na pessoa. E, se não tentarmos
saber o que ela está pensando sobre o assunto, não conseguiremos ajudá-la", diz
o psiquiatra.
A taxa cresce por uma conjugação de fatores. "A sociedade está cada vez menos
solidária, o jovem não tem mais uma rede de apoio. Além disso, é desiludido em
relação aos ideais que outras gerações tiveram", diz Neury.
Há ainda uma pressão social para ser feliz, principalmente nas redes sociais.
"Todo mundo tem que se sentir ótimo. A obrigação de ser feliz gera tensão no
jovem", diz Robert Gellert Paris, diretor da Associação pela Saúde Emocional de
Crianças e conselheiro do CVV (Centro de Valorização da Vida).
O aumento de casos de depressão em crianças e adolescentes é outro componente
importante. "Mais de 95% das pessoas que se suicidam têm diagnóstico de doença
psiquiátrica", diz Bertolote.
Junte-se tudo isso ao maior consumo de álcool e drogas e a bomba está armada.
"Elena"
A cineasta e atriz mineira Petra Costa tinha sete anos quando a irmã mais
velha se suicidou. Mais de 20 anos depois, Petra dirigiu o documentário "Elena",
atualmente em cartaz, em que tenta entender e comunicar o que a irmã pensava e
sentia.
"As pessoas têm dificuldade de falar e de ouvir sobre o assunto. A sociedade
brasileira tem que aprender a conversar sobre suicídio, porque o número de casos
só aumenta", diz Petra.
Falar de suicídio nunca foi tabu para a diretora. "Desde que eu tinha sete
anos, quando Elena se suicidou, minha mãe conversava comigo sobre isso, nunca me
escondeu nada", conta.
Mas ela logo percebeu que, fora de casa, o tema era proibido. "A primeira vez
que falei do assunto com outras famílias que passaram por isso foi aos 27 anos,
quando procurei grupos de parentes de suicidas. Então me senti compreendida em
minha dor."
Petra conta que, logo após a morte de Elena, sua mãe procurou pessoas
próximas de alguém que havia se matado. Mas todos se recusaram a conversar com
ela.
Ela também lamenta que, à época do suicídio da irmã, as pessoas ao seu redor
não tivessem informações sobre o assunto nem soubessem como falar sobre ele.
"O mais lastimável em relação à Elena é que, nos anos 1990, no grupo de
pessoas com quem ela convivia, sabia-se pouco sobre bipolaridade, depressão,
suicídio. A desinformação levou à tragédia", afirma Petra.
A cineasta tem interesse nessa causa. A produtora do filme, Busca Vida, está
organizando debates sobre o tema. E Petra planeja criar o Instituto Elena, para
prevenção de suicídios.
Prevenção
A troca de informações sobre o suicídio pode evitar muitos casos: de acordo
com a OMS, dá para prevenir 90% das mortes se houver condições para oferta da
ajuda.
Quem pensa em suicídio está passando por um sofrimento psicológico e não vê
como sair disso. Mas não significa que queira morrer.
"O sentimento é ambivalente: a pessoa quer se livrar da dor, mas quer viver.
Por dentro, vira uma panela de pressão. Se ela puder falar e ser ouvida, além de
diminuir a pressão interna, passa a se entender melhor", diz Paris.
O CVV oferece apoio 24 horas pelo telefone 141 e pelo site www.cvv.org.br.
Editoria de Arte/Folhapress
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Fonte Folhaonline
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