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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Correlação inesperada entre autismo e câncer é identificada

The New York Times
A americana Lucy Dabinett com seu filho Tommy, de 9 anos,
 que tem autismo causado pelo gene PTEN: ligação com
risco maior de câncer
Gene PTEN, que causa uma série de tumores, também é responsável pelo surgimento do transtorno neurológico, e descoberta pode abrir caminho para novos tratamentos
 
Ao estudarem dois problemas de saúde aparentemente não relacionados - o autismo e o câncer -, pesquisadores convergiram para uma inesperada descoberta. Algumas pessoas com autismo têm genes tumorais que aparentemente causam o transtorno cerebral.
 
Dez por cento das crianças com mutações em um gene chamado PTEN, que causa câncer de mama , cólon, tireoide e outros órgãos, também têm autismo. Assim como aproximadamente metade das crianças com mutações genéticas que podem levar a alguns tipos de câncer no cérebro e no fígado e a grandes tumores em vários órgãos, incluindo o cérebro. Trata-se de um índice bem mais elevado do que a taxa de autismo na população em geral.
 
"É estranho", diz Evan Eichler, professor de Ciência do Genoma da Universidade de Washington, sobre a convergência.           
           
Ele e outros alertam que a descoberta se aplica a uma pequena parcela de pessoas com autismo. Na maioria dos casos, a causa permanece misteriosa. E como acontece com quase todos os distúrbios genéticos, nem todos com as mutações desenvolvem autismo ou câncer, ou outras doenças associadas com os genes, como a epilepsia, os cérebros dilatados e os tumores cerebrais benignos.
 
Contudo, pesquisadores dizem que a descoberta é intrigante. Como não existem animais que naturalmente iniciem um quadro de autismo, não há nenhuma maneira de analisar o que pode causar distúrbio em cérebros em desenvolvimento e tampouco há cura. A correlação recentemente descoberta permitiu que os cientistas modificassem ratos geneticamente, provocando neles muitos sintomas do distúrbio humano.
 
A ligação recém-descoberta permitiu aos cientistas analisar camundongos com sintomas do transtorno, o que levou ao primeiro teste clínico de um possível tratamento para crianças com autismo, que receberam drogas para tratar tumores com a mesma base genética.
 
Richard Ewing, um menino de 10 anos de Nashville, Tennessee, que tem uma forma de autismo causada por um gene tumoral, está entre os voluntários do estudo. Seus pais, Alexandra e Rick Ewing, sabem que ele tem risco de desenvolver tumor no cérebro, coração, rim, pele e olhos. Porém, a má notícia foi minimizada com sua elegibilidade para o teste clínico, que acabou de começar.           
                          
"Existe uma grande diferença entre nós e o resto da comunidade autista", diz o pai. "Nós recebemos um diagnóstico genético bastante genuíno."
 
Nem todos concordam que a descoberta é tão promissora. Steven McCarroll, geneticista de Harvard, ressalta que o cérebro de crianças com autismo que são portadoras do gene tumoral "falha de várias formas". "O autismo nessas crianças pode ser uma manifestação de um mau funcionamento do cérebro em geral, disse ele, acrescentando que "o fato de o autismo ser um dos muitos problemas neurológicos que surgem nesses pacientes não necessariamente nos diz algo relevante sobre os déficits sociais e de linguagem que são específicos do transtorno".
 
No entanto, outros cientistas que não estão envolvidos na pesquisa dizem que o trabalho está mudando a compreensão sobre o autismo e seu desenvolvimento. Assim como o câncer, o distúrbio envolve o crescimento irregular de células, neste caso, de neurônios.
 
O chefe do Centro de Genoma Molecular e Doenças Neuropsiquiátricas da Universidade da Califórnia, Jonathan Sebat, descreve o paralelo entre câncer e autismo como "muito estranho".
 
"Nós não resolvemos tudo, só uma pequenina parte. Mas o pouco que resolvemos já foi muito esclarecedor", disse.           
             
Foi Charis Eng, geneticista da Clínica Cleveland, que primeiro notou uma surpreendente incidência de autismo em crianças cujos pais tinham a mutação PTEN. Os pesquisadores viram que esta taxa de autismo era de 10 por cento, cerca de 10 vezes maior do que o esperado.
 
No mesmo período, cientistas descobriram que outro distúrbio genético tinha uma probabilidade ainda maior de resultar em autismo: a esclerose tuberosa, que aumenta o risco de câncer no rim e no cérebro. Aproximadamente metade dos pacientes com esclerose tuberosa tinha autismo.
 
Embora o PTEN e os genes da esclerose tuberosa não sejam os mesmos, eles são parte de uma mesma rede de genes que freiam o crescimento celular. Desativando o PTEN ou um dos genes da esclerose tuberosa, esse freio é liberado. Um dos resultados disso pode ser câncer ou a presença de tumores. Outro pode ser uma anormalidade nas fibras nervosas ou o autismo.
 
O Dr. Mustafa Sahin, do Hospital Pediátrico de Boston, decidiu testar se as drogas usadas para tratar tumores causados pela mutação do gene da esclerose tuberosa também poderiam tratar o autismo em pessoas com a mesma mutação.
 
Ele começou com camundongos, removendo os genes da esclerose tuberosa de seu cerebelo. As fibras nervosas do cérebro do animal cresceram descontroladamente, e os ratos desenvolveram comportamentos anormais, que lembram o autismo. Começaram a se movimentar de modo repetitivo e a esfregar o próprio corpo constantemente, tanto que, por vezes, chegavam a machucar a própria pele. E ao contrário de ratos normais, que preferem outros ratos a um objeto inanimado, estes animais passaram a apreciar igualmente um copo de plástico.
 
Porém, a rapamicina, que tem como alvo o gene da esclerose tuberosa e bloqueia uma proteína envolvida na divisão celular, alterou os animais. Eles deixaram de se esfregar compulsivamente, e deixaram de gostar do copo de plástico tanto quanto de um rato vivo. Os animais tiverem um melhor desempenho em testes de aprendizagem e de memória, e o crescimento das fibras nervosas no cérebro foi controlado.
 
Agora Sahin dá uma droga similar, a everolimus, para crianças autistas que tem a mutação genética associada à esclerose tuberosa, verificando se o medicamento melhora as habilidades mentais dos pacientes. Richard está entre as crianças. Cada uma tomará a droga ou um placebo por seis meses. O estudo deve ser concluído até dezembro de 2014.
 
Enquanto Eng começou estudando as mutações genéticas ligadas ao câncer e descobriu-se uma correlação com o autismo, Eichler, da Universidade de Washington, começou com o autismo e encontrou uma correlação com os genes do câncer.
 
Ele se concentrou no que ele chama de "autismo que aparece do nada", que ocorre sem histórico familiar, recrutando 209 famílias com crianças autistas.
 
Eichler percebeu uma diferença genética marcante. Comparados com seus pais e irmãos normais, as crianças autistas tinham duas a três vezes mais mutações que desativavam um gene. Os genes mutantes faziam muitas vezes parte de um percurso que controla o crescimento celular. No começo, os pesquisadores acharam que esse caminho era onipresente, e que sua ligação com o autismo era obscura.
 
"Ficamos um pouco chateados", disse Eichler. "Então eu disse: 'Peraí, alguns desses genes são genes associados ao câncer'."
 
Todavia, ele ainda não sabe se essas crianças autistas também correm risco de sofrer de câncer no futuro.
 
"Trata-se obviamente de uma questão importante", disse Eichler. "Mas é preciso esperar até que a ciência a investigue adequadamente."
 
O casal Ewing, cujo filho está participando do ensaio clínico sobre o autismo, aprendeu a viver com a ameaça de um tumor. Por enquanto, os maiores problemas estão sendo lidar com o autismo de Richard.
 
Quando os pais de Richard ouviram falar sobre o estudo de Sahin, imediatamente entraram em contato com ele, mesmo isso significando que eles têm de viajar para Boston de Nashville por nove vezes em apenas seis meses.
 
Eles não tinham tido coragem de levar o filho em viagens de aviões antes, preocupado que ele não conseguisse lidar com aeroportos lotados.
 
Entretanto, o estudo era importante demais para que não tentassem aproveitá-lo, disse Rick Ewing.
 
"Viajar com uma criança que não consegue falar, quem tem problemas alimentares, que não é paciente: nós realmente não tínhamos feito essas coisas", disse Ewing.
 
Eles esperam que o medicamento faça diferença.
 
"Nós sempre achamos que o Richard tem muita coisa acontecendo no cérebro", disse Alexandra Ewing. "Sentimos que há um grande potencial inexplorado."
 
Para o filho de nove anos de idade de Andrew e Lucy Dabinett, Tommy, cujo autismo é causado por uma mutação no gene PTEN, ainda não foram possíveis ensaios clínicos do gênero.
 
Tommy, que vive com a família em Rye, Nova Iorque, tem um vocabulário limitado, agita os braços, balança para trás e para frente, e precisa usar fraldas.
 
Quando tinha três anos, um médico disse a seus pais que ele tinha uma mutação PTEN e que, além de autismo, ele tinha um alto risco de sofrer de câncer.
 
"É claro que é aterrorizante", disse Lucy Dabinett. "Mas eu já sabia que havia algo extremamente errado com o meu filho. Eu só precisava de uma resposta."
 
"Honestamente," disse ela, "foi um alívio tê-la."
 
The New York Times/iG

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