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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Médicos adoecem sob pressão do trabalho

No último domingo,  uma médica do Hospital Geral de Vila Penteado, na Zona Norte de São Paulo, protagonizou uma cena de total descontrole emocional durante o atendimento a uma paciente de apenas quatro anos de idade.
 
O pai da criança, o limpador de vidros Edinei Brandão de Sousa, de 36 anos, filmou toda a ação, que logo foi colocada no YouTube, gerando revolta entre os internautas.

 

Para o presidente do Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo, Cid Carvalhaes, a cena aparentemente foi um “surto psicótico” da profissional.
 
Estudo realizado pela Faculdade de Medicina da USP indicou que mais da metade dos pediatras participantes da pesquisa apresentou síndrome de Burnout, uma condição de sofrimento psíquico ocupacional que resulta em estresse, cansaço excessivo, desânimo para realizar tarefas, sensação de que o que faz não tem propósito e frustração com o trabalho que tem de desempenhar. A  síndrome pode causar deterioração da relação médico-paciente.
 
Para a psiquiatra Alexandrina Meleiro, da Associação Brasileira de Psiquiatria, o estresse é a principal causa de morte e doença entre os médicos. “Os índices de enfarte são enormes entre os funcionários da saúde. Doenças associadas ao cortisol, o hormônio do estresse, como o câncer de intestino, acometem mulheres médicas muito mais do que a população feminina geral”, explica.
 
Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, somente em agosto deste ano, 14 médicos foram afastados por licença médica, mas os motivos são confidenciais.
 
A carga excessiva de trabalho por falta de profissionais na rede pública e  a pressão podem ter consequências trágicas.
 
Pesquisa divulgada no ano passado pelo  Conselho Regional de Medicina de São Paulo aponta que as principais causas de morte entre médicos no estado entre  2000 e 2009 foram acidentes automobilísticos e suicídio. “A falta de descanso e o estresse são fatores que contribuem para que os médicos morram nestas situações”, diz a psiquiatra Alexandrina.
 
Entrevista com Mayara Francisca dos Santos_ agredida pela pediatra no Hospital Vila Penteado: ‘Eu implorei para ela atender minha filha’
 
Quando o casal Mayara e Edinei saíram de casa, na madrugada de sábado,  para levar a filha Karini, de 4 anos, ao médico não imaginou que além do transtorno para encontrar atendimento, seria agredido pela pediatra, que deveria cuidar da sua  filha. 

DIÁRIO_ Por que vocês levaram a Karini ao hospital?
MAYARA FRANCISCA DOS SANTOS_ Ela estava com dor de garganta e febre. Ela tem convulsão quando está com febre. A gente estava com medo dela convulsionar. Antes de ir lá, já tínhamos ido nos hospitais de Pirituba e de Taipas e não fomos atendidos.
 
Por que a médica foi hostil com vocês?
Ela estava nervosa com outra mãe e entrou gritando na sala onde estávamos. Meu marido pediu para ela parar porque estava assustando a Karini e estava sendo filmada. Então, ela quis pegar o celular.
 
A pediatra já havia atendido sua filha?
Tinha atendido e passado uma injeção de benzetacil. Como ela rasgou a ficha, o remédio não podia ser aplicado.
 
Ela saiu sem ser medicada?
Depois da confusão, eu entrei na sala dela e implorei para que atendesse a minha filha. Ela estava conversando com outro médico. Disse que só medicaria a Karini se meu marido apagasse o vídeo. Depois que eu chorei, o outro médico aceitou atender.
 
Pediatra tem ficha limpa e atua em outros hospitais do interior
A pediatra Miriam Gameiro de Carvalho, de 48 anos, que teve uma crise nervosa durante o atendimento a uma criança de quatro anos no Hospital Geral de Vila Penteado, na Zona Norte, não tem antecedentes criminais no estado de Minas Gerais, onde  residia na cidade de Uberaba. Não há também processos envolvendo o nome da pediatra na cidade de São Paulo.
 
Segundo dados do Ministério da Saúde, a médica atua em outros hospitais do interior do estado: Santa Casa de Franca, Santa Casa de Pedregulho e Hospital São Francisco de Sertãozinho, cidades na região de Ribeirão Preto.
 
A Santa Casa de Franca confirma que Miriam faz parte do quadro de funcionários e fala em  analisar o vídeo antes de tomar uma decisão sobre possíveis punições contra a profissional. O Hospital São Francisco afirma que Miriam não trabalha no local e  vai solicitar uma atualização dos dados ao Ministério da Saúde. O responsável pela Santa Casa de Pedregulho não foi encontrado.
 
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, a médica foi afastada das atividades no Hospital Geral de Vila Penteado e uma sindicância foi aberta para apurar as circunstâncias do atendimento, que poderá resultar na exoneração da profissional.  O Conselho Regional de Medicina de São Paulo também abriu uma sindicância  após ter tido conhecimento do fato e acesso às imagens na internet. Caso perca o registro, ela não poderá mais atuar como médica.
 
Queixas sobre conduta médica caem 10%
A Secretaria Municipal de Saúde afirma que, entre janeiro e junho deste ano, foram feitas 2.992 reclamações sobre condutas de profissionais médicos na ouvidoria. No mesmo período,  o órgão recebeu 17.452 queixas, ou seja, 17% das reclamações feitas são contra médicos.
 
Em 2012, no mesmo período, foram 3.622 protestos de  um total de 13.923 reclamações (26%). No caso de má conduta de profissionais do município, a pasta orienta o paciente a procurar o gerente da  unidade. Caso não tenha o resultado esperado, é possível formalizar  a reclamação pelo site www.saude.sp.gov.br.
 
‘Eu trabalho doze horas por dia’
Segundo profissionais ouvidos ontem pelo DIÁRIO, carga horária de mais de dez horas diárias influencia na saúde dos médicos. Para sindicato, pressão sobre a categoria é a causa do problema
 
“Os médicos estão na moda!” Essa foi a única frase dita por uma médica, ontem, na saída do Hospital Municipal do Tatuapé, na Zona Leste, quando questionada pelo DIÁRIO se a profissão vive um quadro de  estresse.
 
Outro profissional,  residente, que preferiu não ter o nome divulgado, aceitou conversar com a reportagem. Ele culpou  as jornadas exaustivas dos médicos para justificar “explosões” como a que aconteceu no  Hospital Geral de Vila Penteado. “Eu trabalho 12 horas por dia, de segunda a sexta. Nas outras profissões, a carga horária é de  oito horas.”
 
A jornada de 60 horas semanais citada pelo residente é desconhecida pelo Simesp (Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo). O presidente, Cid Carvalhaes, afirma que os contratos da Secretaria Municipal de Saúde variam  de 12 a 40 horas semanais. No estado, a jornada pode chegar a 30 horas. “Isso, geralmente, não existe. Se tivermos conhecimento, vamos   denunciar. Se alguém faz isso, faz por conta própria”, afirma. Ele não acredita que a categoria esteja sob efeito de estresse.
 
Para  ele, casos de surto psicótico estão relacionados à pressão sofrida pelos médicos. “O trabalho é de grande complexidade e de muita tensão. Isso intensifica quando a jornada é exaustiva.”
 
Segundo o diretor de defesa profissional da APM (Associação Paulista de Medicina), Marun Davi Cury,  os médicos sofrem pela falta de estrutura nas regiões periféricas. “A população desconta no médico. Se rebela contra eles. O fato (da pediatra) foi excepcional. O mais comum é o médico ser agredido pelos pacientes.”
 
Diário de São Paulo

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