Eduardo Anizelli/Folhapress O empresário Waldir Beira Junior e a psicóloga Priscila Machado Beira no quarto do filho Francesco, que morreu aos 11 anos |
Leia o depoimento do casal à Folha.
O Francesco nasceu uma criança normal, saudável. Quando tinha um ano e cinco
meses, acordou um dia com o pescoço torto. Levamos ao pediatra e ele achou que
podia ser torcicolo.
Dias depois, apresentou vômitos em jatos, levamos de novo ao médico e
descobrimos um tumor que ocupava um quarto do seu cérebro.
O primeiro neurocirurgião não deu esperança. Aconselhou-nos a voltar para
casa e esperar o fim. Inconformados, consultamos outro neuro, que indicou a
cirurgia.
Após 14 horas de intervenção, foi possível remover toda a massa tumoral. Ele
ficou com sequelas, precisou de traqueostomia para respirar e sonda para se
alimentar. Também não falava e não movimentava o braço direito.
Iniciamos uma série de terapias, ele melhorou bastante, mas três meses depois
uma nova ressonância apontou que o tumor tinha voltado quase do mesmo tamanho.
Outra cirurgia foi feita.
Ao todo, foram sete recidivas do câncer, seguidas de cirurgias, químio por
nove anos e 30 sessões de radioterapia.
Atividades
Mesmo assim, Francesco era uma criança feliz. Com muita físio e outras
terapias, conseguiu desenvolver bem a coordenação motora. Nadava, pintava, ia
para a escola. Viajou com a gente para a Europa, para a Disney.
Arrastava um pouco a perna, tinha a boquinha um pouco torta, mas brincava
como qualquer criança.
Em 2009, ele teve a recidiva no lugar mais nobre do cérebro, no tronco
cerebral.
Continuamos a químio, mas não havia mais nada a fazer. Foi necessário colocar
uma válvula intracraniana.
Ele começou a apresentar uma decadência física grande, não andava, não fazia
xixi, cocô.
O neuro decidiu fazer uma cirurgia para melhorar a qualidade de vida, tirando
um pouco da massa tumoral. Era uma cirurgia arriscada, sabíamos que o caso era
incurável, mas confiávamos que ele teria mais qualidade de vida.
E, dentro daquela situação, ele teve. Já na UTI recuperou alguns dos
estímulos.
Intensificamos as terapias [além do oncologista e de uma clínica-geral,
fisioterapeutas, fonouaudióloga, terapeuta ocupacional e psicóloga cuidavam do
menino], ele teve uma melhora visível.
Mas a saúde dele piorou em abril de 2010. Teve um sangramento no cérebro.
Passou a usar cadeira de rodas, não falava, respirava graças a uma
traqueostomia.
Intensificamos as sessões de reabilitação, mas ele não respondia. Para não
estressá-lo, decidimos manter só as terapias necessárias para a qualidade de
vida. Dispensamos uma fonoaudióloga. Meu filho não iria mais falar. Mantivemos a
fisioterapeuta. Não queríamos vê-lo atrofiar.
Passeios
Decidimos que ele teria mais prazer. Bloqueávamos um dia da semana para
passear. Na cadeira de rodas, com o aparelho de respiração, enfermeira, íamos a
museus, parques.
Ele foi ficando pior. Para a comunicação, usávamos uma folhinha com as
letras, e ele ia apontado para cada uma com o dedo da mão esquerda até formar as
palavras.
Tinha dificuldade para dormir e a gente não descobria por quê. Até que ele
disse que tinha medo de passar mais um Natal no hospital. Já tinha passado três
internado. Prometemos que ele passaria aquele Natal em casa.
No dia 17 de dezembro, ele entrou em coma e tivemos que interná-lo às
pressas. Ele saiu do coma, só mexia os olhos. Conseguimos levá-lo para casa na
manhã do dia 25. Cumprimos a promessa, ele passou o Natal em família. Mas, no
dia 27, o aniversário dele, já tinha voltado para a UTI do hospital.
Conforto
No início de janeiro de 2011, cientes de que a medicina não podia fazer mais
nada por ele, o trouxemos para casa. Ele precisava dormir bem, longe do barulho
incessante, da luz forte e das manipulações [exames, medição de pressão,
aspiração] da UTI. Enquanto víamos perspectiva de cura, o hospital era a tábua
de salvação. Depois, passou a ser um fardo.
Queríamos que ele tivesse paz e montamos uma UTI no quarto dele.
Concentrávamos as manipulações em um determinado horário e ele tinha horas de
tranquilidade.
Nessa reta final, ele só mexia o olho direito, no sentido vertical. Um olhar
para cima era sim, e para baixo, não.
Ele esteve lúcido o tempo todo, as irmãs [Giovanna, hoje com 15 anos, e
Chiara, 5] iam brincar com ele. Ele colecionava carrinhos e, da cama,
continuamos comprando brinquedos pela internet.
Montamos uma rotina para dar paz a ele até o final. Ouvíamos música.
Deitávamos com ele na cama e ficávamos abraçados, beijando-o. Começamos a
lembrar os bons momentos juntos.
Na semana da sua partida, numa terça-feira, ele entrou em coma. Não acordou
mais. No sábado, teve morte cerebral. No domingo, acordamos com o alarme das
máquinas. O monitor mostrava os batimentos cardíacos caindo. Segurei [Waldir]
uma mãozinha dele e a Giovanna pegou a outra. Às 10h45, o coração parou. Era 13
de fevereiro de 2011. Ele tinha 11 anos.
Foi uma experiência intensa. Pensamos nas mães cujos filhos estão morrendo
sozinhos na UTI, olhando para o teto. Sem a companha dos pais, dos irmãos,
justamente no momento em que um mais precisa do outro.
Foi pensando na importância desse cuidado, do amor e carinho no fim da vida,
que decidimos apoiar financeiramente a construção do hospice. Usamos os recursos
da conta do Francesco.
Oferecer a uma outra criança tudo aquilo que o nosso filho teve de bom no fim
da vida era o melhor que tínhamos a fazer.
Folhaonline
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