O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é uma condição potencialmente grave que afeta crianças e adultos em todo o mundo. Um grupo de especialistas critica o ? superdiagnóstico e a supermedicalização? do TDAH, criando assim, polêmica no meio médico.
Apesar de o TDAH ser muito bem descrito desde o século XVII, ainda há quem duvide de sua existência. No Brasil e no mundo, 5-9% de crianças e jovens têm o TDAH, exceto a França, cuja prevalência é bem menor, 0,5-1%. Porque tanta diferença? A principal razão certamente se deve ao sistema classificatório usado em cada país. A França não usa o mesmo sistema classificatório de transtornos mentais usado nos Estados Unidos, o DSM. Em 1983, a Federação Francesa de Psiquiatria criou um sistema próprio de classificação em oposição ao DSM, atualizado em 2000 e que só prioriza as causas psicossociais e culturais subjacentes aos sintomas e não as farmacológicas, que para os franceses, "mascaram" os sintomas. Ao contrário, os EUA priorizam a psiquiatria neurobiológica e o tratamento medicamentoso.
Na medida em que os médicos franceses conseguem reparar o contexto social das crianças, menos crianças são diagnosticadas de TDAH. O psiquiatra Elias Sarkis, da APA, disse que o conceito do TDAH enquanto transtorno grave ainda não é totalmente aceito na França e que a sua prevalência afeta 3,5% da população francesa e não 0,5% como citado acima. Para o especialista também na França é difícil os pais obterem avaliação e tratamento para o TDAH do filho, levando 8 meses para conseguirem 1 consulta com especialista e podendo levar mais 8 meses para obterem a medicação.
Lá, a criança que tiver "excelente criação, boa estruturação familiar e expectativas claras dos pais" pode mitigar os comportamentos do transtorno, mas "vai pagar o preço por ficar mais ansiosa e por internalizar os problemas", como explica o especialista. Para ele, o TDAH tende a ser muito prejudicial para as crianças que não recebem remédio e que também não têm uma criação estruturada. Pesquisas usando métodos diagnósticos semelhantes mostram prevalências similares de TDAH em diferentes culturas como na América do Sul, Europa, Índia e Estados Unidos. E quando não, o motivo se deve às desigualdades metodológicas dos estudos.
Para o especialista Sergeant, o TDAH deve ser tratado o mais rápido possível, pois "um portador que não desenvolveu todo o seu potencial por falta de tratamento pode nunca atingir os seus objetivos, como ingressar na universidade".
Questão de olhar e história
Manuel Vallee, antropólogo e sociólogo da Universidade de Berkeley, Califórnia, está analisando o olhar americano e o francês em relação ao TDAH. Ele explica que até os anos 70 os psiquiatras americanos praticavam a psicanálise e assim, olhavam os sintomas das doenças como sinais a serem compreendidos e estudados e não como problemas em si. Nos anos 80, a psiquiatria biológica ganhou poder nos EUA passando a priorizar o tratamento dos sintomas. Ao contrário, na França, a psiquiatria biológica não tem este poder e os psiquiatras são treinados na psicanálise, o que cria diferenças fundamentais no conceito do transtorno.
Assim, nos Estados Unidos o TDAH é uma condição neurobiológica e na França, um distúrbio de efeito psicológico, devido a um trauma ou pelo meio, cujo tratamento é a terapia psicológica, aconselhamento familiar, terapia grupal, enfim, um olhar holístico. Em consequência, no sistema americano o número de diagnósticos de TDAH aumenta em 5 vezes.
Na França o TDAH é tido como uma das doenças mais difíceis de serem diagnosticadas, sendo este processo extenso e rigoroso, com análise prévia de todas as opções para se chegar ao diagnóstico e durando de 8 a 24 horas, durante as quais eles optam por oferecer avaliação com psicoterapeuta, assistente social e equipe multidisciplinar. E os médicos franceses jamais usam só o remédio.
Já nos Estados Unidos, o tempo médio de diagnóstico na criança é de 45 minutos. Lá, o TDAH é dominado pelos pediatras, que prescrevem 70% dos remédios consumidos pelas crianças. No geral, eles nem mandam a criança a um psiquiatra e isso é complicado porque existem outros fatores envolvidos no TDAH. Os médicos sabem que a lei americana só reembolsa uma consulta de 45 minutos.
Vemos que o tratamento do TDAH é muito diferente nos EUA e França. Nos EUA, os pais que querem um tratamento holístico (terapia e aconselhamento) têm que pagar, e isso sai bem caro. Um dos motivos de a França oferecer tratamento holístico é porque o governo paga 85% dele.
Enquanto isso no Brasil
No Brasil, o TDAH é sabidamente um transtorno neurobiológico, no caso uma disfunção em circuitos do cérebro e alteração em neurotransmissores como dopamina e adrenalina. Ele é considerado potencialmente grave, genético (com alta herdabilidade), evoluindo com sintomas ao longo da vida em mais da metade dos casos.
O diagnóstico é clínico e multifatorial, levando em conta a história detalhada da pessoa (inclusive o parto e a gestação), o desenvolvimento neuropsicomotor, a história familiar, os sintomas, o contexto social e familiar, a escolaridade, a presença de comorbidade, os graus de herdabilidade e de prejuízo e sofrimento causados, e outros.
São quase 4 milhões de crianças e adolescentes brasileiros padecendo com o TDAH e infelizmente a grande maioria é subdiagnosticada e subtratada. Por ser tão heterogêneo, demanda, em média, atendimentos personalizados e um mínimo de 3 a 4 consultas de uma hora para o diagnóstico definitivo. Na presença de comorbidades, pode ser preciso mais tempo.
O sistema público de saúde e os convênios com planos de saúde não estão preparados para isso. O tratamento de primeira linha é medicamentoso, com o uso de psicoestimulante. A terapia mais eficaz é a terapia comportamental cognitiva. Alguns casos vão precisar de tratamento com profissionais de outras áreas. Infelizmente, o custo do tratamento do TDAH fica muito além das condições financeiras da imensa maioria das famílias. É essencial que o problema seja mais divulgado e de forma correta na sociedade e que políticas públicas sejam criadas neste sentido.
Minha Vida
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