Foto: Adriana Zehbrauskas / NYTNS Uma das medidas para o combate à obesidade no México é o aumento do imposto dos refrigerantes |
A temporada de férias já começou com as pessoas apertando o cinto já que alimentos frescos estavam em falta. Agora é um frenesi de gulodice – e não é que fossemos tivéssemos qualquer tipo de restrição em outra época. Ainda com a diabetes tipo 2 associada à obesidade atingindo níveis recordes, é bastante óbvio que precisemos moderar essa dieta. O que significa que, apesar da intransigência empresarial, precisamos diminuir a comercialização de produtos lucrativos, tóxicos e viciantes disfarçados de comida.
Faz sentido começar com refrigerantes e outras bebidas adoçadas com açúcar ou com xarope de milho rico em frutose, que somam 7 por cento das calorias na dieta americana, e muitos especialistas em saúde pública têm recomendado um imposto pesado para diminuir o consumo. Ironicamente, a França, que tem uma taxa de obesidade relativamente baixa, foi a primeira a iniciar um imposto significativo sobre os refrigerantes, e lá o consumo parece ter diminuído – embora, o consumo de refrigerantes já fosse baixo. No entanto, agora parece que finalmente consideraremos esse tipo de imposto, assim como o impacto de um imposto sobre as chamadas guloseimas, em um país conhecido pela obesidade. Esse novo imposto deverá ser aplicado no ano que vem, não nos redutos de saúde pública supostamente progressistas de Nova York ou São Francisco (embora aquela cidade pareça pronta para colocar em votação o imposto sobre o refrigerante em 2014), mas em um país que muitos americanos consideram inferior: o México.
Salvo uma virada improvável no tribunal, o ano que vem trará ao México um imposto nacional de 1 peso por litro – cerca de 10 por cento – nas bebidas adoçadas e de 8% nas guloseimas. A legislação surgiu a partir de uma forte imposição da Aliança de Saúde Nutricional de 22 ONGs e corporações representando cerca de 650 organizações de base e sem fins lucrativos, e uma convergência de interesses entre o presidente Enrique Peña Nieto, conselheiros do ministério público e membros dos partidos de oposição.
A indústria vai discordar, mas as bebidas adoçadas são comumente conhecidas como causa direta da epidemia de obesidade. A dúvida, tanto no México quanto no vizinho de cima (o consumo anual em ambos os países é de cerca de 151 litros per capita), tem sido como reverter a situação. Embora o presidente Barack Obama tenha mencionado um imposto nacional sobre refrigerantes em 2009, nunca passou disso, e tentativas de estabelecer impostos em várias localidades desde Nova York até El Monte, na Califórnia, foram anuladas em eleições ou banidas de outra forma, sempre depois de grandes campanhas feitas pela indústria.
As poderosas indústrias de refrigerante e comida industrializada do México não estavam dormindo no ponto, e o medo de perder os anunciantes parece ter levado as principais emissoras de TV a se recusarem a passar comerciais defendendo o imposto. Porém, muitos fatores motivaram o presidente e o legislativo mexicanos, inclusive o fato de que entre os países mais populosos, o México recentemente ultrapassou os Estados Unidos como país mais obeso do mundo. Além disso, há uma crescente conscientização de que a acelerada crise de saúde pública do México pode ferir a economia, e que apenas a prevenção colocaria em prática o sistema de saúde universal de pagamento único instituído no ano passado.
Além disso, uma reforma financeira previamente acordada fez com que todas as fontes de financiamento não convencionais fossem seriamente consideradas; espera-se que o imposto traga cerca de US$ 1 bilhão por ano, e os defensores do imposto ligaram a aprovação da lei a uma campanha garantindo que haveria água potável disponível em todas as escolas do país. (Muitos acreditam que se houvesse água potável universal, o país não estaria tão dependente do refrigerante.) Também pode ser que o governo de Peña Nieto quisesse se diferenciar dos antecessores ao conseguir um novo e visível lugar no cenário mundial.
Um acordo entre os três principais partidos políticos também foi essencial para a nova lei. Chamado "Pacto do México", ele basicamente faz com que todos se comprometam a não impedir nada que a maioria queira; mais especificamente, se o partido eleito e um dos outros dois principais partidos quisessem aprovar uma das 95 reformas necessárias para o progresso do país, o terceiro não se oporia. Em outras palavras, o futuro da nação superou interesses partidários. (Os americanos podem achar isso um tanto vergonhoso, por motivos óbvios.)
Isso não significa apenas reforma fiscal, mas tentativas mais vigorosas de controlar a corrupção, dividir monopólios em energia e comunicação, e movimentações agressivas de saúde pública, como o adendo constitucional de 2011 que garante a todos os cidadãos — o direito à quantidade suficiente de alimentos nutritivos e de qualidade — . Na verdade, o maior acordo deve ser que o governo do país com o décimo quarto maior PIB tenha colocado a saúde pública acima dos lucros de uma indústria importante. Sim, isso pode ter sido um cálculo politicamente estratégico (e não, o México não é um Nirvana), mas a verdade é que a regulamentação de uma indústria que precisa de regulamentação está acontecendo. E dificilmente haverá um papel mais importante e legítimo para o governo do que atender à saúde e ao bem-estar da população; não é preciso refletir muito sobre a incapacidade ou a falta de vontade do governo do país com a maior economia do mundo em reconhecer isso. (Igualmente vergonhoso.)
Embora o imposto sobre o refrigerante tenha recebido mais atenção, outras movimentações também são importantes. O imposto sobre a comida industrializada, primeiramente proposto a cinco por cento mas logo aumentado para oito, quando um senador argumentou que cinco por cento não cobriria nem os gastos públicos dos problemas de saúde causados pelas guloseimas, irá usar a densidade calórica para definir alimentos processados que sejam prejudiciais à saúde. A fórmula, que não levará em conta a carne, laticínios e outras comidas "de verdade", cobraria impostos dos alimentos que contenham mais de 275 calorias a cada 100 gramas. (Por exemplo: 100 gramas do salgadinho Cheez Doodles tem cerca de 550 calorias; 100 gramas do chocolate Snickers tem cerca de 500 calorias; 100 gramas de maçã tem aproximadamente 50 calorias.)
E, embora a Constituição do México proíba marcas de identificação – receita fiscal para fins específicos – há, ao menos, um acordo preliminar de que muito do dinheiro dos novos impostos será usado para saúde pública, incluindo bebedouros com água potável em todas as escolas. (Questionados se estavam a favor do imposto sobre o refrigerante, a maioria dos mexicanos entrevistados disse não. Quando os defensores ligaram a taxa à prevenção da obesidade, incluindo água potável nas escolas, 70 por cento foi a favor. Ativistas do imposto, por favor, observem o fato.) Especialmente nas áreas rurais, as pessoas podem acabar usando escolas para levar água para casa, o que tornaria mais provável que escolas fossem usadas para distribuir frutas e legumes subsidiados, outro objetivo dos defensores da saúde pública.
O açúcar (e, por consequência, bebidas adoçadas) é um dos três pecados – juntamente com o tabaco e o rum – descritos por Adam Smith como "materiais extremamente adequados para tributação"; ele provou que tributá-lo seria o mais difícil dos três. E, embora o imposto sobre o refrigerante seja apoiado pelos dois lados da fronteira (a Associação Americana do Coração disse em nota: "Os esforços do México fornecem um ótimo ponto de partida, mas precisamos que os estados e comunidades dos EUA decretem o imposto também"), há também cautela, já que o imposto é quase metade do que as pesquisas indicam ser o limiar superefetivo de cerca de 20 por cento. No entanto, o nível de 1 peso por litro ainda é significativo.
Quando visitei o México recentemente, defensores do imposto me disseram que a nova movimentação tornou dolorosamente claro que administrações anteriores não fizeram nada para prevenir a crise de obesidade (na verdade, o penúltimo presidente era ex-presidente da Coca-Cola México). O novo governo apostou alto ao definir uma dieta de qualidade.
Graças, em grande parte, à proximidade (e ao NAFTA). o México sofreu mais por se adaptar à dieta americana padrão do que qualquer outro país. Ao que parece, todos estão surpresos pelo fato de que esses impostos estejam funcionando. Seria ótimo se eles trilhassem o caminho para uma dieta mais saudável.
Faz sentido começar com refrigerantes e outras bebidas adoçadas com açúcar ou com xarope de milho rico em frutose, que somam 7 por cento das calorias na dieta americana, e muitos especialistas em saúde pública têm recomendado um imposto pesado para diminuir o consumo. Ironicamente, a França, que tem uma taxa de obesidade relativamente baixa, foi a primeira a iniciar um imposto significativo sobre os refrigerantes, e lá o consumo parece ter diminuído – embora, o consumo de refrigerantes já fosse baixo. No entanto, agora parece que finalmente consideraremos esse tipo de imposto, assim como o impacto de um imposto sobre as chamadas guloseimas, em um país conhecido pela obesidade. Esse novo imposto deverá ser aplicado no ano que vem, não nos redutos de saúde pública supostamente progressistas de Nova York ou São Francisco (embora aquela cidade pareça pronta para colocar em votação o imposto sobre o refrigerante em 2014), mas em um país que muitos americanos consideram inferior: o México.
Salvo uma virada improvável no tribunal, o ano que vem trará ao México um imposto nacional de 1 peso por litro – cerca de 10 por cento – nas bebidas adoçadas e de 8% nas guloseimas. A legislação surgiu a partir de uma forte imposição da Aliança de Saúde Nutricional de 22 ONGs e corporações representando cerca de 650 organizações de base e sem fins lucrativos, e uma convergência de interesses entre o presidente Enrique Peña Nieto, conselheiros do ministério público e membros dos partidos de oposição.
A indústria vai discordar, mas as bebidas adoçadas são comumente conhecidas como causa direta da epidemia de obesidade. A dúvida, tanto no México quanto no vizinho de cima (o consumo anual em ambos os países é de cerca de 151 litros per capita), tem sido como reverter a situação. Embora o presidente Barack Obama tenha mencionado um imposto nacional sobre refrigerantes em 2009, nunca passou disso, e tentativas de estabelecer impostos em várias localidades desde Nova York até El Monte, na Califórnia, foram anuladas em eleições ou banidas de outra forma, sempre depois de grandes campanhas feitas pela indústria.
As poderosas indústrias de refrigerante e comida industrializada do México não estavam dormindo no ponto, e o medo de perder os anunciantes parece ter levado as principais emissoras de TV a se recusarem a passar comerciais defendendo o imposto. Porém, muitos fatores motivaram o presidente e o legislativo mexicanos, inclusive o fato de que entre os países mais populosos, o México recentemente ultrapassou os Estados Unidos como país mais obeso do mundo. Além disso, há uma crescente conscientização de que a acelerada crise de saúde pública do México pode ferir a economia, e que apenas a prevenção colocaria em prática o sistema de saúde universal de pagamento único instituído no ano passado.
Além disso, uma reforma financeira previamente acordada fez com que todas as fontes de financiamento não convencionais fossem seriamente consideradas; espera-se que o imposto traga cerca de US$ 1 bilhão por ano, e os defensores do imposto ligaram a aprovação da lei a uma campanha garantindo que haveria água potável disponível em todas as escolas do país. (Muitos acreditam que se houvesse água potável universal, o país não estaria tão dependente do refrigerante.) Também pode ser que o governo de Peña Nieto quisesse se diferenciar dos antecessores ao conseguir um novo e visível lugar no cenário mundial.
Um acordo entre os três principais partidos políticos também foi essencial para a nova lei. Chamado "Pacto do México", ele basicamente faz com que todos se comprometam a não impedir nada que a maioria queira; mais especificamente, se o partido eleito e um dos outros dois principais partidos quisessem aprovar uma das 95 reformas necessárias para o progresso do país, o terceiro não se oporia. Em outras palavras, o futuro da nação superou interesses partidários. (Os americanos podem achar isso um tanto vergonhoso, por motivos óbvios.)
Isso não significa apenas reforma fiscal, mas tentativas mais vigorosas de controlar a corrupção, dividir monopólios em energia e comunicação, e movimentações agressivas de saúde pública, como o adendo constitucional de 2011 que garante a todos os cidadãos — o direito à quantidade suficiente de alimentos nutritivos e de qualidade — . Na verdade, o maior acordo deve ser que o governo do país com o décimo quarto maior PIB tenha colocado a saúde pública acima dos lucros de uma indústria importante. Sim, isso pode ter sido um cálculo politicamente estratégico (e não, o México não é um Nirvana), mas a verdade é que a regulamentação de uma indústria que precisa de regulamentação está acontecendo. E dificilmente haverá um papel mais importante e legítimo para o governo do que atender à saúde e ao bem-estar da população; não é preciso refletir muito sobre a incapacidade ou a falta de vontade do governo do país com a maior economia do mundo em reconhecer isso. (Igualmente vergonhoso.)
Embora o imposto sobre o refrigerante tenha recebido mais atenção, outras movimentações também são importantes. O imposto sobre a comida industrializada, primeiramente proposto a cinco por cento mas logo aumentado para oito, quando um senador argumentou que cinco por cento não cobriria nem os gastos públicos dos problemas de saúde causados pelas guloseimas, irá usar a densidade calórica para definir alimentos processados que sejam prejudiciais à saúde. A fórmula, que não levará em conta a carne, laticínios e outras comidas "de verdade", cobraria impostos dos alimentos que contenham mais de 275 calorias a cada 100 gramas. (Por exemplo: 100 gramas do salgadinho Cheez Doodles tem cerca de 550 calorias; 100 gramas do chocolate Snickers tem cerca de 500 calorias; 100 gramas de maçã tem aproximadamente 50 calorias.)
E, embora a Constituição do México proíba marcas de identificação – receita fiscal para fins específicos – há, ao menos, um acordo preliminar de que muito do dinheiro dos novos impostos será usado para saúde pública, incluindo bebedouros com água potável em todas as escolas. (Questionados se estavam a favor do imposto sobre o refrigerante, a maioria dos mexicanos entrevistados disse não. Quando os defensores ligaram a taxa à prevenção da obesidade, incluindo água potável nas escolas, 70 por cento foi a favor. Ativistas do imposto, por favor, observem o fato.) Especialmente nas áreas rurais, as pessoas podem acabar usando escolas para levar água para casa, o que tornaria mais provável que escolas fossem usadas para distribuir frutas e legumes subsidiados, outro objetivo dos defensores da saúde pública.
O açúcar (e, por consequência, bebidas adoçadas) é um dos três pecados – juntamente com o tabaco e o rum – descritos por Adam Smith como "materiais extremamente adequados para tributação"; ele provou que tributá-lo seria o mais difícil dos três. E, embora o imposto sobre o refrigerante seja apoiado pelos dois lados da fronteira (a Associação Americana do Coração disse em nota: "Os esforços do México fornecem um ótimo ponto de partida, mas precisamos que os estados e comunidades dos EUA decretem o imposto também"), há também cautela, já que o imposto é quase metade do que as pesquisas indicam ser o limiar superefetivo de cerca de 20 por cento. No entanto, o nível de 1 peso por litro ainda é significativo.
Quando visitei o México recentemente, defensores do imposto me disseram que a nova movimentação tornou dolorosamente claro que administrações anteriores não fizeram nada para prevenir a crise de obesidade (na verdade, o penúltimo presidente era ex-presidente da Coca-Cola México). O novo governo apostou alto ao definir uma dieta de qualidade.
Graças, em grande parte, à proximidade (e ao NAFTA). o México sofreu mais por se adaptar à dieta americana padrão do que qualquer outro país. Ao que parece, todos estão surpresos pelo fato de que esses impostos estejam funcionando. Seria ótimo se eles trilhassem o caminho para uma dieta mais saudável.
The New York Times
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