Reprodução
Anfetaminas: medicamentos proibidos são vendidos livremente
na internet
|
Anvisa suspendeu três inibidores de apetite em 2011 e, em abril, Câmara aprovou projeto que pode alterar decisão. Médicos apoiam ação de deputados, mas liberação não é consenso
Sociedades médicas que tratam a obesidade estão pressionando os parlamentares para reverter uma decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tomada em 2011, que proibiu a venda de anfetaminas, uma classe de inibidores de apetite usada no tratamento da obesidade.
Diferentes entidades participaram, desde então, de audiências públicas e encontros para “sensibilizar” parlamentares a defender o uso desses remédios. Com isso, no mês passado, a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo 1123/13, que suspende a decisão da Anvisa, foi uma vitória para eles. O texto ainda passará pelo Senado, mas os médicos estão confiantes.
“A gente fica na torcida para que o bom senso prevaleça não só na Câmara, como também no Senado”, afirma Maria Edna de Melo, que integra a diretoria da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Ela conta que a entidade entrou em contato com alguns deputados e fará o mesmo com os senadores.
A polêmica em relação ao tema é grande. Mesmo entre entidades de saúde, não há consenso sobre os efeitos das anfetaminas. De um lado, especialistas de saúde coletiva dizem que as anfetaminas causam dependência, não proporcionam o emagrecimento almejado quando o tratamento é longo e aumentam riscos cardíacos.
Os médicos que tratam obesidade, por sua vez, afirmam que muitos pacientes precisam desses remédios, defendem uma avaliação individual de riscos e reclamam de discriminação.
“Nem todas as entidades médicas olham a obesidade como uma doença. Há um preconceito com o obeso, as pessoas acreditam que é só fechar a boca para emagrecer”, critica Maria Edna.
Riscos e benefícios
Reprodução O uso abusivo das anfetaminas é uma das preocupações das entidades contrárias à liberação |
Um dos argumentos é o de que, quando foram autorizadas, as substâncias não passaram por estudos clínicos rigorosos, não exigidos à época. Agora, surgiram novos dados científicos. “Os países europeus não utilizam os medicamentos anfepramona, femproporex e mazindol como anorexígenos desde 1999. Desde janeiro de 2010, a sibutramina não é vendida no mercado europeu. Os EUA cancelaram o registro da droga em outubro de 2010”, diz o texto.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) apoia a decisão do órgão regulador. “Foi uma decisão pensada, não foi arbitrária”, diz Geraldo Lucchese, coordenador do Grupo Temático Vigilância Sanitária da Abrasco. “O raciocínio em saúde pública é diferente do clínico. Temos de pensar sempre no que é bom para a maioria dos casos”, afirma o farmacêutico.
As associações que apoiam a decisão da Anvisa acreditam que é preciso combater o que chamam de “cultura do medicamento”. O uso abusivo das anfetaminas (inclusive por quem não precisa do remédio) é uma das preocupações das entidades contrárias à liberação. Na opinião de Lucchese, é um “equívoco buscar soluções rápidas para um problema crônico”.
Flávio Danni Fuchs, cardiologista que representou a Sociedade Brasileira de Cardiologia em inúmeras reuniões com a Anvisa, reconhece que a perda de peso conquistada no início do tratamento com os anorexígenos não se prolonga.
“O efeito de curto prazo gratifica médicos e pacientes, mas esse efeito é transitório. Não se mantém em médio e longo prazo”, diz.
Mas são os riscos de problemas cardiológicos, que aumentam com o uso das anfetaminas, que mais preocupam cardiologistas como Fuchs, que é professor do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Por isso, os especialistas dessa área são menos críticos à decisão da Anvisa.
Mais controle, menos restrição
A norma da Anvisa, que ainda está em vigor, diz que a anfepramona, o femproporex e o mazindol não podem mais ser fabricados, importados, exportados, manipulados, prescritos, distribuídos ou comercializados no Brasil. Nas redes sociais, é possível encontrar inúmeras páginas de pacientes que dizem ter tido prejuízos com a saúde desde a suspensão.
Não é raro também encontrar quem ofereça as substâncias proibidas a essas pessoas. Maria Edna diz que o mercado negro dos medicamentos é grande e teme pela segurança dos pacientes.
“Há um mercado paralelo perigoso, porque quem compra esses remédios está fazendo isso sem acompanhamento médico”, afirma.
Walmir Coutinho, especialista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), acredita que a Anvisa poderia ter determinado mais regras de fiscalização e controle do uso dos inibidores de apetite em vez de proibi-los. Ele acredita que seria uma solução mais equilibrada, que teria funcionado.
“Qualquer medicamento tem riscos. No caso dos anorexígenos, eles são pequenos diante dos benefícios. Os remédios não são a solução, mas eles ajudam”, analisa Coutinho. Ele lembra que os tratamentos contra a obesidade envolvem, principalmente, mudanças alimentares e prática de atividades físicas.
“As pessoas acham que obeso só não emagrece por falta de força de vontade, por isso não entendem a necessidade do medicamento”, lamenta.
Decisão controversa
O tipo de projeto aprovado na Câmara só poderia ser utilizado se a Anvisa tivesse tomado uma decisão que fugisse da sua competência, segundo alguns deputados.
“Não há abusividade no ato da Anvisa, que cumpriu com sua função. Eu espero que o Senado possa desconstruir essa barbaridade, que ignorou pareceres técnicos”, critica a deputada Erika Kokay (PT-DF).
Para o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), autor do projeto aprovado na Câmara, a decisão permitirá abrir o espaço para um “debate técnico” sobre o tema, “já que a medida causou insatisfação entre a classe médica”. Na opinião dele, os médicos perderam autonomia com a impossibilidade de prescrever as anfetaminas.
O Conselho Federal de Medicina também aprova a decisão da Câmara. “Nós utilizamos de todos os recursos possíveis para sensibilizar a agência. Os médicos brigaram para que eles não saíssem do mercado. Muitos endocrinologistas serviram de consultores para que os deputados pudessem decidir sobre essa questão”, afirma o conselheiro Desiré Carlos Callegari.
iG
Nenhum comentário:
Postar um comentário