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terça-feira, 20 de maio de 2014

Sociedades médicas pressionam Congresso para liberar remédios para emagrecer

Reprodução
Anfetaminas: medicamentos proibidos são vendidos livremente
 na internet
Anvisa suspendeu três inibidores de apetite em 2011 e, em abril, Câmara aprovou projeto que pode alterar decisão. Médicos apoiam ação de deputados, mas liberação não é consenso

Sociedades médicas que tratam a obesidade estão pressionando os parlamentares para reverter uma decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tomada em 2011, que proibiu a venda de anfetaminas, uma classe de inibidores de apetite usada no tratamento da obesidade.

Diferentes entidades participaram, desde então, de audiências públicas e encontros para “sensibilizar” parlamentares a defender o uso desses remédios. Com isso, no mês passado, a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo 1123/13, que suspende a decisão da Anvisa, foi uma vitória para eles. O texto ainda passará pelo Senado, mas os médicos estão confiantes.
 
“A gente fica na torcida para que o bom senso prevaleça não só na Câmara, como também no Senado”, afirma Maria Edna de Melo, que integra a diretoria da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Ela conta que a entidade entrou em contato com alguns deputados e fará o mesmo com os senadores.
 
A polêmica em relação ao tema é grande. Mesmo entre entidades de saúde, não há consenso sobre os efeitos das anfetaminas. De um lado, especialistas de saúde coletiva dizem que as anfetaminas causam dependência, não proporcionam o emagrecimento almejado quando o tratamento é longo e aumentam riscos cardíacos.
 
Os médicos que tratam obesidade, por sua vez, afirmam que muitos pacientes precisam desses remédios, defendem uma avaliação individual de riscos e reclamam de discriminação.
 
“Nem todas as entidades médicas olham a obesidade como uma doença. Há um preconceito com o obeso, as pessoas acreditam que é só fechar a boca para emagrecer”, critica Maria Edna.
 
Riscos e benefícios
 
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O uso abusivo das anfetaminas é uma das preocupações das
entidades contrárias à liberação
A Anvisa justificou a proibição do uso de anfepramona, femproporex e mazindol em uma nota técnica de 73 páginas. O texto diz que os remédios suspensos, mesmo usados há cerca de 40 anos no Brasil, representam riscos aos pacientes. Apenas a sibutramina continuada liberada, mas a resolução aumentou o controle sobre seu consumo.
 
Um dos argumentos é o de que, quando foram autorizadas, as substâncias não passaram por estudos clínicos rigorosos, não exigidos à época. Agora, surgiram novos dados científicos. “Os países europeus não utilizam os medicamentos anfepramona, femproporex e mazindol como anorexígenos desde 1999. Desde janeiro de 2010, a sibutramina não é vendida no mercado europeu. Os EUA cancelaram o registro da droga em outubro de 2010”, diz o texto.
 
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) apoia a decisão do órgão regulador. “Foi uma decisão pensada, não foi arbitrária”, diz Geraldo Lucchese, coordenador do Grupo Temático Vigilância Sanitária da Abrasco. “O raciocínio em saúde pública é diferente do clínico. Temos de pensar sempre no que é bom para a maioria dos casos”, afirma o farmacêutico.
 
As associações que apoiam a decisão da Anvisa acreditam que é preciso combater o que chamam de “cultura do medicamento”. O uso abusivo das anfetaminas (inclusive por quem não precisa do remédio) é uma das preocupações das entidades contrárias à liberação. Na opinião de Lucchese, é um “equívoco buscar soluções rápidas para um problema crônico”.
 
Flávio Danni Fuchs, cardiologista que representou a Sociedade Brasileira de Cardiologia em inúmeras reuniões com a Anvisa, reconhece que a perda de peso conquistada no início do tratamento com os anorexígenos não se prolonga.
 
“O efeito de curto prazo gratifica médicos e pacientes, mas esse efeito é transitório. Não se mantém em médio e longo prazo”, diz.
 
Mas são os riscos de problemas cardiológicos, que aumentam com o uso das anfetaminas, que mais preocupam cardiologistas como Fuchs, que é professor do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Por isso, os especialistas dessa área são menos críticos à decisão da Anvisa.
 
Mais controle, menos restrição
A norma da Anvisa, que ainda está em vigor, diz que a anfepramona, o femproporex e o mazindol não podem mais ser fabricados, importados, exportados, manipulados, prescritos, distribuídos ou comercializados no Brasil. Nas redes sociais, é possível encontrar inúmeras páginas de pacientes que dizem ter tido prejuízos com a saúde desde a suspensão.
 
Não é raro também encontrar quem ofereça as substâncias proibidas a essas pessoas. Maria Edna diz que o mercado negro dos medicamentos é grande e teme pela segurança dos pacientes.
“Há um mercado paralelo perigoso, porque quem compra esses remédios está fazendo isso sem acompanhamento médico”, afirma.
 
Walmir Coutinho, especialista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), acredita que a Anvisa poderia ter determinado mais regras de fiscalização e controle do uso dos inibidores de apetite em vez de proibi-los. Ele acredita que seria uma solução mais equilibrada, que teria funcionado.
 
“Qualquer medicamento tem riscos. No caso dos anorexígenos, eles são pequenos diante dos benefícios. Os remédios não são a solução, mas eles ajudam”, analisa Coutinho. Ele lembra que os tratamentos contra a obesidade envolvem, principalmente, mudanças alimentares e prática de atividades físicas.
 
“As pessoas acham que obeso só não emagrece por falta de força de vontade, por isso não entendem a necessidade do medicamento”, lamenta.
 
Decisão controversa
O tipo de projeto aprovado na Câmara só poderia ser utilizado se a Anvisa tivesse tomado uma decisão que fugisse da sua competência, segundo alguns deputados.
 
“Não há abusividade no ato da Anvisa, que cumpriu com sua função. Eu espero que o Senado possa desconstruir essa barbaridade, que ignorou pareceres técnicos”, critica a deputada Erika Kokay (PT-DF).
 
Para o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), autor do projeto aprovado na Câmara, a decisão permitirá abrir o espaço para um “debate técnico” sobre o tema, “já que a medida causou insatisfação entre a classe médica”. Na opinião dele, os médicos perderam autonomia com a impossibilidade de prescrever as anfetaminas.
 
O Conselho Federal de Medicina também aprova a decisão da Câmara. “Nós utilizamos de todos os recursos possíveis para sensibilizar a agência. Os médicos brigaram para que eles não saíssem do mercado. Muitos endocrinologistas serviram de consultores para que os deputados pudessem decidir sobre essa questão”, afirma o conselheiro Desiré Carlos Callegari.
 
iG

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