Sylvain Cherkaoui/Cosmos/MSF Paciente chega de maca a uma das unidades dos Médicos Sem Fronteiras em Serra Leoa |
Médico, Paulo Reis voltou há um mês de Serra Leoa,
onde atuou no combate ao ebola, e já está de malas prontas para
retornar ao foco da epidemia que já matou mais de 1300 pessoas
O cenário é o mais hostil possível. O inimigo é invisível e as armas
usadas para combate são pesadas. As informações se desencontram no meio
da multidão, e muitos tapam os ouvidos, correm, fogem, agridem quem
tenta reverter a situação. Mesmo assim, Paulo Reis, médico carioca de 42
anos, escolheu trilhar esse caminho desde 2005 vestindo a camisa dos
Médicos Sem Fronteira, quando começou a atuar em zonas contaminadas por
grande epidemias. Há um mês, ele retornou ao Rio de Janeiro com a mente
tomada por imagens fortes de Serra Leoa, um dos focos atuais do vírus do
ebola na África, e se prepara para retornar para lá em poucos dias.
Nesta quinta-feira (21), Paulo se encontrou com jornalistas
para tentar contar um pouco da experiência na região da epidemia.
“Medo, preocupação… Eu não sinto medo justamente pelas precauções que
tomamos. Quando você tem conhecimento do problema e quando tem
mecanismos para se proteger dele, ele não é mais arriscado, por exemplo,
que o trânsito do Rio de Janeiro. Claro, desde que você siga o
protocolo de segurança”, disse Paulo, com ar sereno. A decisão de se
tornar um membro da organização aconteceu antes mesmo da faculdade de
medicina, quando leu uma matéria sobre o grupo. De lá para cá, investiu
no sonho e ganhou apoio da família.
Nina Ramos/iG Rio ‘O que me faz voltar é saber que muitas pessoas conseguirão ter alta' |
“Eles brincam, dizem que sou
maluco, mas meus estão pais acostumados, entendem o trabalho e a minha
motivação. Você toma sua decisão antes e mantém. Não tem de ter receio.
Uma vez que conhece a doença com a qual vai lidar, você a desmistifica."
Em
Serra Leoa, ele ficava com a equipe em uma espécie de hotel. De lá para
o centro armado pelo MSF eram 20 minutos de estrada precária. “Chegando
lá, realizamos uma divisão das tarefas. Se eu estivesse no time das
amostras, me vestia, colhia todas as amostras (de sangue venoso)
necessárias, e saia. Isso acontece no primeiro time do dia, porque
mandamos o material o mais cedo possível para o laboratório para liberar
ou não o paciente”, relatou. “A partir daí, começa a ronda médica. São
dois ou três times por dia, e conseguimos atender cerca de 17, 18
pacientes, no máximo, por time.”
Em equipe, médicos e enfermeiros discutem caso a caso. Isso
quando o telefone não toca avisando que uma ambulância com mais
infectados está a caminho. Todos os procedimentos, tanto de recebimento
do paciente, avaliação, tratamento e alta passam por muitas etapas.
Quando uma pessoa tem o exame negativo para o vírus, por exemplo, e
ganha liberação, tem de 30 a 40 minutos para se ver na rua livre e
curada. “A pessoa vai primeiro para o chuveiro e ganha roupas totalmente
novas. A antiga é queimada. É uma logística muito grande.”
A
equipe médica também segue um protocolo de segurança detalhado. "Para
entrar na área de isolamento, nós precisamo colocar uma roupa protetora e
todos os elementos são colocados em sequência, para não deixar o corpo
exposto. Na saída, a roupa, o capuz, os dois pares de luvas e a máscara
são descartadas e incineradas. A bota de borracha, o avental e os óculos
de segurança são banhados em cloro 0,5%”, detalhou. Este procedimento,
segundo Paulo, é realizado de três a cinco vezes por dia, num período de
12h a 13h de trabalho diária.
A recompensa
Difícil
manter a sanidade mental no meio de tanta tragédia. Quando está no Rio,
Paulo se afasta de todo pensamento que o leve de volta à zona de
epidemia. Assim que chegou, foi abraçar a família e tomar uma cerveja. E
mesmo lá, quando sente que falha, pode pedir apoio psicológico. Sobre
dinheiro no bolso, ele manda um freio se esse é o objetivo do camarada
que pensa em integrar uma organização como MSF. “Se vai querer ficar
rico, esquece. Eu trabalho pela recompensa que tenho quando vejo os
pacientes ganhando alta”, avisou o médico, que não revelou seu salário,
mas disse que varia entre 900 euros (cerca de R$ 2.700, inicial do MSF) e
2500 euros (cerca de R$ 7.500, salário do Chefe de Missão, o mais alto
cargo).
“Quando
um um paciente que passa muito dias conosco fica curado, é emocionante.
Ele faz parte da minoria, porque a maioria vem a óbito. Daí,
geralmente, sai todo mundo para rua, bate palma, toda equipe fica
feliz... É uma sensação muito motivadora e uma das razões que me leva a
retornar para lá é pensar nos pacientes que vão ter alta.
No
caminho contrário, Paulo relembrou o caso de óbito que mais o marcou.
“Nós tivemos pelo menos 70 óbitos neste período. O mais impressionante
para mim foi de um jovem de 12 anos. A família toda morreu e ele entrou
em coma. Nós tentamos de tudo, até colocamos um tubo gástrico para ele
se alimentar, porque não estava consciente. O mais frustrante foi que,
quando ele morreu, ele estava sem o vírus, mas teve falência de órgãos.
Ele se livrou do vírus e mesmo assim morreu."
iG
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