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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Politicas de atenção à saúde precisam ser revistas

Em 2050, a população idosa no Brasil será de 63 milhões, 300% a mais do que hoje.

Envelhecer é bom, morrer cedo é que não presta. No entanto, continuamos com atitudes negativas olhando o envelhecimento como algo ruim. Temos de dar o salto por cima, envelhecer é uma conquista”. É com esse olhar que o conselheiro sênior de Política para o Envelhecimento Global, da New York Academy of Medicine e ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde, da Organização Mundial da Saúde (OMS), Alexandre Kalache promove o seu trabalho: defender o envelhecimento com qualidade de vida em todo o mundo. Com o crescimento da população mundial, que saltará de 6 bilhões de pessoas no mundo, em 2000, para 9 bilhões, em 2050, são os países em desenvolvimento que absorverão o contingente de quase 3 bilhões de pessoas. A situação se repete com a população idosa. Se no ano 2000 havia 600 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade esse número saltará para 2 bilhões de idosos em 2050, e mais uma vez as nações em desenvolvimento receberão esse exército.

Mas a tarefa de absorver esse contingente não é tão simples e passa por uma série de fatores como: saúde, bem-estar, previdência social, mercado de trabalho entre outros. Para Kalache, o Brasil precisa remodelar o sistema de saúde para atender a população em envelhecimento, além de repensar o sistema previdenciário, pois com um apagão de mão de obra é incoerente uma aposentadoria tão precoce. “Nós temos um déficit calculado em 8,5 milhões de pessoas em idade produtiva sem qualificação, ou seja, há um grande buraco. O que se está fazendo é dispensar essas pessoas com qualificação e experiência precocemente”, afirma. Sobre esse e outros assuntos, Kalache conversou com FH.

FH: O SUS foi criado para atender um conjunto de doenças e um perfil de população anterior a década de 90.  Se antigamente, os brasileiros sofriam com aquelas infecciosas e agudas, hoje o brasileiro enfrenta as crônicas. Teremos de rever o modelo de saúde pública? 

Alexandre Kalache: Claro. Basta dizer, por exemplo, que hoje no Brasil mais de 70% das mortes são por doenças não transmissíveis e se somarmos, pelo menos, mais de 12%, que são por causas externas como a violência, os acidentes e traumas. Percebe-se que é um País diferente daquele em que vivíamos até o passado recente. E, estamos dando passos para essa mudança, sem dúvida, mas ainda falta muita coisa para ser feita. Por exemplo, nas  universidades, os profissionais de saúde estão sendo formados da mesma forma há 40, 50 anos.  Ou seja, os médicos, por exemplo, estão aprendendo tudo sobre saúde materna infantil, sobre crianças e mulheres grávidas, mas a realidade é que as mulheres estão cada vez menos grávidas e, portanto, cada vez menos nascem criancinhas e, cada vez mais, eles cuidarão de idosos.

Independente de ser gastroenterologista, cardiologista ou urologista, a realidade é que se um médico se forma hoje e vai ter uma atividade profissional por mais 40 anos, ele estará lidando com uma população que envelhece, independente da especialidade. Ao menos que seja pediatra ou obstetra, ele lidará com idosos e não está preparado para isso, assim como os nossos hospitais e centros de saúde. Não é só pela falta de formação médica, toda a atenção está voltada para a cura, que a coisa mais importante quando se tem uma doença infecciosa, se espera vencer, tirar o paciente das garras da morte, é uma luta heróica, é uma coisa aguda, rápida, o desfecho é vida ou morte em pouco tempo.

Com as doenças crônicas, a palavra é cronicidade.  Temos de voltar o sistema de saúde e adaptá-lo para o cuidado e não para cura. Quando se tem hipertensão, diabetes ou artrose não há cura, o que existe é a possibilidade de proporcionar os cuidados e minimizar o impacto das doenças para que a pessoa possa continuar a ter qualidade de vida, convivendo com sua doença, enfermidade ou incapacidade.

FH: No Brasil, há um movimento rumo às especialidades como oncologia, neurologia e cardiologia. No caso da oncologia, às vezes, ela é associada ao aumento de expectativa da população, mas a geriatria não é tida como um nicho promissor se comparada às outras especialidades. Os profissionais e os hospitais do futuro estão preparados para a nova realidade?

Kalache: Não estão preparados. Basta dizer que no Brasil nós temos 900 geriatras concursados que tenham o título de especialista pela Sociedade Brasileira de Geriatria. Mas eu não sustento que precisamos de geriatra para tratar bem das pessoas.  Precisamos de geriatra porque ele detém o conhecimento, ele é importante no sentindo de ser o multiplicador e disseminar conhecimento sobre  cuidados adequados para o idoso. Mas eu acho mais importante que todos os médicos do futuro aprendam melhor a como lidar com as pessoas idosas. Seja qual for a especialidade, será preciso conhecer anatomia, fisiologia, farmacologia, multipatologia- o idoso no geral tem 3, 4, ou 5 doenças crônicas, não é uma só e se não aprender tudo isso e estiver praticando gastroentologia, oftalmologia ou ortopedia, fará  muita besteira, porque não aprendeu a lidar e reconhecer quais são os sinais da doença e como tratá-la. É o que chamamos de iatrogenia e estamos vivendo uma epidemia de iatrogenia no Brasil e em outros países, porque os profissionais de saúde não estão preparados para lidar com o indivíduo que está envelhecendo.  Eles ainda têm o padrão da juventude, e isso que está doendo porque senão reformar o currículo universitário e fazer com que todos os profissionais de saúde aprendam a lidar melhor com os idosos, porque eles serão a maioria dos pacientes, independente da especialidade.

FH: Como o idoso sobreviverá em um País cujo custo dos planos de saúde são mais altos para essa faixa etária?

Kalache: Isso já está em movimento, observamos que pelo menos uma parcela do setor está atenta ao crescimento desse mercado e tentando se adequar,  procurando desenvolver um produto, previdência ou seguro saúde voltados para o segmento que é o mais vai crescer nos próximos 40 anos. O Brasil hoje tem 21 milhões de idosos, no ano 2050 serão 63 milhões e qualquer iniciativa do setor privado vai perceber que aí está o futuro. A população como um todo terá crescido de, hoje, 196 milhões para cerca 220 milhões em 2050, ou seja, é um crescimento de pouco mais de 10% da população como todo. Mas a população idosa crescerá 300%, então haverá um efeito no mercado de saúde suplementar e as seguradoras e agências reguladoras perceberão isso, e irão, aos poucos, encontrar formas de facilitar o trabalho das seguradoras num sentindo muito positivo pela saúde dos seus segurados. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) está trabalhando e fazendo consultas importantes no sentindo de uma legislação que privilegie ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, o que demonstra uma preocupação em fazer com  que as pessoas continuem, na medida em que envelhecem, com um nível adequado de saúde, prolongando a vida saudável e os anos com vida, pelo maior tempo possível.  
É possível, mas é preciso trabalhar junto: o governo, o setor público e privado e instruindo e educando as pessoas. Tem muita coisa, que o individuo tem responsabilidade no comportamento e pode evitar coisas nocivas para ela própria se beneficiar porque serão muito mais anos de vida pela frente.

FH: Cerca de 80% dos planos de saúde são pagos pelos empregadores no Brasil, e com a idade de aposentadoria em torno de 60 anos, qual será a nova configuração do setor? 

Kalache: Isso também precisa ser regulamentado. É perverso um sistema em que as pessoas só estejam protegidas enquanto estão economicamente ativas, e na hora em que mais precisam de proteção, à medida que envelhecem, a perdem. Há vários modelos no mundo que, cada vez mais, serão objetos de interesse de quem mexe com a questão do seguro saúde e também da previdência. Em segundo lugar, a aposentadoria deveria ser um conceito mais maleável e não compulsório, também respondendo às tendências universais, porque o grande problema hoje e, talvez, o maior problema do Brasil seja a falta de mão de obra qualificada. Nós estamos num período positivo de crescimento socioeconômico e, que necessita de pessoas habilitadas e qualificadas para contribuir para a  riqueza e para a produção nacional. Nós temos um déficit hoje calculado em 8,5 milhões de pessoas em idade produtiva sem qualificação, ou seja, há um grande buraco. Precisa-se de mecânico, carpinteiro, engenheiro, arquiteto e as firmas todas estão dizendo: ‘estamos com grandes dificuldades de contratar’.  E, por outro lado, o que se está fazendo no Brasil é dispensar essas pessoas com qualificação e experiência precocemente. Essa tendência hoje no Brasil de aposentadoria precoce, às vezes por tempo de trabalho, é um conceito que caducará muito rapidamente. Será impossível enfrentar o século 21 com os instrumentos e soluções do século 19. A aposentadoria, no conceito que temos hoje no Brasil é uma invenção do Bismarck [chanceler Otto von Bismarck]  na Alemanha, do final do século 19. Por volta de 1880, quando as pessoas viviam muito pouco tempo, a expectativa de vida não passava de 45 anos. Então, eles fizeram as contas e concluíram que poucas pessoas chegavam aos 65 anos, e as que conseguiam, chegavam mal, com doenças que a medicina não tinha recursos para tratar. Por isso, era melhor colocá-las em casa e dar uma pensãozinha de nada, pois já não eram mais produtivas e estavam recebendo como se fossem. Hoje, no Rio de Janeiro ou São Paulo as pessoas se aposentam com 50 e poucos anos, mas ainda terão uns 25, 30 anos ou mais de vida. A perspectiva daquelas de classe sócio-econômica alta, nos grandes centros, é chegar facilmente aos 90 anos.  Se se permite que essas pessoas contribuam para a previdência, por, suponhamos, 30 anos e depois vão viver mais 30, 40 anos, às vezes, com pensões que equivalem ao último salário integral com correções, não há País e economia que aguente isso.

FH: Se o País investir em saúde preventiva hoje qual seria a economia possível no futuro? Esse cálculo já foi feito?

Kalache: No Brasil, que eu saiba não. Mas isso é cada vez mais objeto de estudos de economistas da saúde. Por exemplo, um trabalho recente que apresentei mostra que se houver um investimento nos Estados Unidos em prevenção de doenças com as pessoas que estão chegando aos 50 anos, sobretudo as relacionadas à má alimentação, considerando obesidade e as doenças relacionadas à obesidade, como hipertensão, problemas metabólicos, problemas de articulação com o sobrepeso, haveria uma economia de US$ 17,8 mil por pessoa em gastos com saúde. Então, quando se multiplica isso pelos milhões e milhões, você pode chegar até o ano de 2025, com uma economia em torno de US$650 bilhões. E isso vale para o Brasil, não temos o estudo que eu saiba, mas o princípio é o mesmo. E prevenção compensa não só para o indivíduo, pois ele terá melhor qualidade de vida, como também do ponto de vista dos custos dos cuidados da saúde.  

FH: Na era da tecnodependência com as pessoas mais conectadas ao mundo digital, qual a perspectiva de que a população idosa brasileira se beneficie da gerontecnologia?

Kalache: Não existe modelo. Lá fora, na Dinamarca, se pode ter mil sensores em teledistância e observar quando a pessoa levanta da cama e vai ao banheiro, por uma central com tudo sendo monitorado. Mas é preciso ter cuidado para se ter dinheiro público investido neste tipo de tecnologia, pois só se pode gastar o dinheiro uma vez  e se ele for gasto para oferecer a mil pessoas esse tipo de tecnologia, pode estar tirando uma coisa mais básica e barata para 100 mil. Então, tem de pesar direito qual o custo oportunidade e o beneficio que se está tendo com determinada intervenção.

Fonte SaudeWeb

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